Ora bem, quero desde já deixar bem claro que não considero, como nunca considerei, ser Tarantino o salvador do cinema moderno, como alguns críticos profetizaram aqui há uns anos. Aliás não sou sequer fã do senhor enquanto realizador, e posso mesmo dizer que não gosto da maior parte dos filmes dele. Ok, gostar mesmo, só gosto de um. Do primeiro, e do qual já aqui falei, Reservoir Dogs. O resto, não me convence.
Ontem, fui ver o último, Death Proof – cujo trailer me tinha impressionado consideravelmente –, e posso declarar com toda a certeza que desisto de Quentin Tarantino! Eu até simpatizo com o senhor, confesso que tem piada e aprecio o seu forte sentido de anti-establishment. Mas o geek Tarantino; o puto marrão que sabe tudo, mas mesmo tudo, sobre todos os filmes que alguma vez foram feitos, mesmo aqueles que provavelmente só foram vistos por uma mão cheia de gente; o puto que sabe os diálogos de todos os filmes série B, realizados em todos os países do mundo, em todas as línguas, mesmo em filipino, esse Tarantino? Bem, desse Tarantino estou fartinho e cheio. Já não há pachorra para tanto complexo de copy cat (um indivíduo que imita o comportamento de outros).
Ok, já toda a gente percebeu que o homem não faz outra coisa que não homenagear cineastas e géneros cinematográficos, especialmente aqueles que só foram vistos por uma mão cheia de gente. A época dourada da Blaxploitation, da Hammer, filmes de artes marciais e todo um imaginário de cinema que Tarantino consumiu de forma compulsiva quando era puto. O problema é que, desta feita, o realizador/geek virou-se para o cineasta Russ Meyer e para as suas mulheres-amazonas, sedentas de vingança e capazes de fazerem a vida negra ao pior canalha da aldeia delas e só porque o biltre se atreveu a fazer um pequeno e inocente comentário às suas... botas de cowboy! Só que os filmes de Meyer – apesar de todo o arrojo sexual e de, por isso mesmo, terem introduzido muita coisa até aí proibida no grande ecrã – já eram uma valente, e para-a-qual-não-havia-pachorra, merda! O que Tarantino fez com Death Proof, não lhe fica portanto muito atrás. Lamento.
Ao procurar recriar os filmes de um realizador e de um género muito específico, Tarantino podia bem ter feito um filme interessante e engraçaducho, daqueles que dá gosto ver acompanhado de um belo balde de pipocas. Mas não. Algures entre os tais filmes série B, um road movie falhado e The Duel, de Steven Spielberg – onde um camião quase sobrenatural e sem qualquer tipo de motivo, persegue incessantemente um condutor pelas estradas do deserto americano -, Tarantino cria um híbrido desinteressante e aborrecido.
Death Proof, promessa de filme de acção e impróprio para estômagos fracos, acaba por ser um longo e arrastado bocejo. Começa bem, com calma, apresentando todos os ingredientes para o que parece ser um bom filme de nervos e a primeira meia hora agarra-nos à cadeira, culminando numa rápida sequência de brutalidade e violência que já se faziam prever - e que podem testemunhar no vídeo lá em baixo. E depois… bem, depois temos uma hora inteirinha de conversa fiada. E nem sequer é aquele tipo de conversa a que Tarantino já nos tinha habituado e que se havia tornado numa das suas imagens de marca. Nada de diálogos rápidos e ricos em palavreado; inteligentes e plenos de trocadilhos. Nada disso. São sessenta minutos, mais coisa, menos coisa, de conversa de chacha, que não serve sequer para preparar o ambiente para os dez minutos finais. Dez minutos de acção é certo, mas que se limitam a uma perseguição automóvel com as respectivas colisões da praxe «a ver se te empurro para fora da estrada para te poder matar», e que, mesmo a alta velocidade, se torna enfadonha e previsível.
Mas nem tudo é mau em Death Proof. Algumas coisas são mesmo muito boas e uma delas, desde logo, a opção, que não agradará a todos, de copiar até alguns pormenores técnicos que marcavam as fitas exibidas nas matinés de fim-de-semana. Os cortes na imagem e no som, o empalidecer da cor em certas ocasiões e uma fotografia e montagem feitas à pancada. Literalmente. Mais uma banda sonora de eleição, como não podia deixar de ser, e uma pérola que de facto só podia sair da imaginação riquíssima de Tarantino: Stuntman Jack. A personagem foi o bombom com que o realizador presenteou Kurt Russell, que, agradecido, a transformou num dos melhores/piores vilões do cinema contemporâneo. É absolutamente delicioso, e, apesar de verdadeiramente hediondo, conquista a nossa simpatia desde o primeiro momento em que o vemos no ecrã.
Mas enfim, admito mais uma vez que já não pachorra que aguente as experiências nostálgicas de Quentin Tarantino. Já não tinha havido em Kill Bill, como já não tinha havido em Jackie Brown e como já começava a faltar em Pulp Fiction. Entretanto já há um novo filme a estrear em 2008. Vou espreitar e tentar perceber que homenagem vem por aí desta vez.
Antes que me vá embora, a devida referência ao melhor cartaz de cinema que vamos ver este ano. Outra homenagem ao cinema do género, mas desta feita, uma homenagem que acerta em cheio e que não envergonha o que de melhor se fazia dentro do género nos idos anos setenta.