UM FILME DO CARALHO
Há filmes muito bons e há
filmes muito maus. Pelo meio, há todos aqueles filmes de diferentes tipos e
qualidades – os fraquinhos, os pretensiosos, os que vemos mesmo sabendo que são
maus mas que entretêm a malta, aqueles que podiam ser bons e aqueles que quase
eram maus. E depois há os filmes do caralho. E Sicario é um filme do caralho.
E é um filme do caralho
porque, pese embora de uma simplicidade rara, tem uma série de detalhes a que
convém dar muita atenção. O argumento, de poucas palavras, sem floreados, curto,
mas gerido como se de uma epopeia de quatro horas se tratasse, a contradizer
todos os que acham que um bom argumento é um argumento palavroso, com curvas
perigosas e desfechos surpreendentes. Os actores, em underacting bem medido,
bem pesado, a contribuírem com o meramente suficiente para nos conduzir por uma
história, mais uma vez, que podia ser resumida com «foi mesmo só isto que
aconteceu». A câmara, saída das melhores lições de como filmar acção com
Kathryn Bigelow. E a banda sonora, assombrosa, uma outra personagem por si só.
E no topo disto tudo, uma
das melhores sequências de acção sem acção dos últimos anos. Uma cena de
perseguição automóvel em que nenhum automóvel persegue outro; uma cena em que a
tensão se constrói quase por si só, como se ninguém estivesse ao leme da
realização; uma cena feita quase exclusivamente pelas câmaras e pela banda
sonora e que enerva, inquieta e faz prever, ao segundo, que algo muito mau vai
acontecer. Ou seja, que nos coloca na pele dos protagonistas de uma forma de que
o cinema moderno, inundado de CGI e fogo de artifício, já há muito se esqueceu.
Num ano em que o
narcotráfico esteve claramente em grande – Narcos, uma série da Netflix, e Cartel
Land, um documentário – Sicario leva a palma de ouro com distinção. Merece ser
visto e revisto, não pela complexidade e pela hipótese de vermos algo que nos
havia escapado na primeira vez. Merece ser revisto porque é cinema do bom, com
actores dos bons, sólido e sério e que sabe bem. Só isso. Simples.
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