kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

terça-feira, novembro 26, 2013

RESPOSTA A FRANCISCO DE LACERDA - PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DOS CTT

Exmo(a). Senhor(a) Francisco de Lacerda,

Eu não sou comunista. Com isto quero dizer que não sofro dessa maleita que aflige os comunistas e que resulta no desprezo total e absoluto por tudo o que tenha a ver com a privatização de empresas. Significa isso que de igual forma não sonho com um mundo em que tudo é Estado e em que a propriedade privada é uma impossibilidade total. Dito isto, quero que fique bem claro que não partilho com os comunistas desta visão utópica (ou distópica, como preferir) do mundo em que vivemos e do papel do Estado nas nossas vidas.

E tudo isto para dizer o quê? Para dizer que recebi a carta que me enviou e em que me explicou sem hipóteses de confusão o sucesso dos CTT; como são procurados os serviços dos CTT, como milhões de pessoas e milhares de empresas comunicam através da rede física e digital dos CTT, como os CTT são a marca com uma das maiores redes de lojas do país, como são o líder nacional de encomendas e correio expresso, como as soluções de poupança que os CTT disponibilizam são cada vez mais procuradas e, por fim, como os CTT conquistam, ano após ano, a confiança dos portugueses. Tudo isto ficou bem claro, muito obrigado.

O que não ficou claro na sua carta ­– e que só pode ter sucedido por um lapso da sua parte – é a razão ou razões por trás desta privatização. A ver se eu me explico: a privatização de uma empresa é sempre a transmissão da posse dessa mesma empresa. Ou seja, deixa de pertencer ao Estado para passar a ser propriedade de uma entidade privada. O que eu não sabia e passei a saber é que esta entidade pode ter fins não lucrativos. E não sabia disto porque, e acho que não estou errado, raramente se tem visto acontecer uma venda de uma empresa do estado a uma entidade sem fins lucrativos.

Por outro lado há os motivos que normalmente levam o estado a desfazer-se de propriedade e a vendê-la ao sector privado. Estes motivos, mesmo que não pensemos muito neles, são os do costume, incapacidade de manter a gestão da empresa em questão, dificuldade em cobrir os custos, etc, etc, etc. Em regra estamos a falar de empresas que dão prejuízo ao estado e que estão mesmo a pedir para serem vendidas a quem as possa transformar noutra coisa qualquer, de preferência, uma coisa que dê lucro ao seu novo proprietário. E até aqui tudo bem. 

O problema que não é explicado ou sequer referido na carta que amavelmente me enviou é que tudo leva a crer que os CTT são uma empresa de sucesso. Ora, se é uma empresa de sucesso, procurada por «milhões de pessoas e milhares de empresas», custa-me perceber porque quer o estado ver-se livre dela. Pode ser por incapacidade de manter ordenados e despesas em dia, que nós sabemos bem como andam os cofres do país. No entanto, e mais uma vez, sendo esta uma empresa de sucesso – fazendo fé nas suas palavras, claro – e podendo esse sucesso resultar em bons e gordos lucros para o estado, tudo aponta para uma gestão danosa dos CTT.

A equação é fácil: empresa de sucesso + incapacidade de gerir as despesas da empresa pese embora os lucros = má gestão. Simples de mais? Talvez, mas só tirei 13 a economia e há coisas que me escapam à compreensão. E é por isso que eu gostava imenso que o senhor, enquanto presidente do conselho de administração dos CTT, me explicasse bem explicadinha toda esta trapalhada. Pode ser?

Não se esqueça, não sou comunista e não olho para isto com todos os pruridos referidos no início desta carta. Mas sabe, é que ainda me lembro de uma época em que CTT vinha sempre acompanhado de Correios de Portugal, e apesar de (novamente) não ser comunista – ou socialista, ou social-democrata, ou popular ou bloquista – cresci a acreditar que há um certo número de serviços que devem ser providenciados pelo estado, com um máximo de qualidade a um mínimo de custo para os utentes. 

Por isso, só acredito no que diz no início da sua carta, e que passo a citar «esta oportunidade é para si», se esta privatização significar que vamos pagar menos pela utilização da vossa rede física e digital e pelas encomendas que enviamos; se as vossas soluções de poupança tiverem ainda melhores juros e se, consequentemente, passarmos a confiar mais nos vossos serviços. Só assim esta privatização será uma oportunidade para – e fazendo mais uma vez minhas as suas palavras – aceitar o seu «convite» e escrevermos juntos uma «história de sucesso».

Sem outro assunto de momento, aguardo ansiosamente pela sua resposta.


Atenciosamente,

Nuno Matos
Cidadão


quarta-feira, novembro 20, 2013

«A BOLA DE OURO É PARA O MELHOR DO MUNDO, NÃO É PARA EXTRATERRESTRES»

Começo por pedir desculpa pelo uso não autorizado da frase de um amigo para título desta crónica. A verdade é que por estes dias foi a que de uma assentada definiu melhor o que é Cristiano Ronaldo e o que significa o prémio em questão. Por isso também o meu obrigado ao Paulo Pereira, cronista que sigo atentamente e que, regra geral, tem a assertividade bem afiada e certeira. Como esta frase.

Se há coisa que Ronaldo diz e diz bem é que já não tem nada a provar a ninguém. Como não deveria ter nenhum desportista ou profissional de qualquer outra área. Mas o mundo é o que é e exige o que exige e nós, espectadores, exigimos também, muitas das vezes sem nos darmos conta. Pela parte que me toca, Ronaldo deixou de precisar de provar o seu valor desde aquele longínquo – e nem por isso tão distante – jogo de inauguração do novo Alvalade em que os derrotados saíram a ganhar porque ficaram com o puto. Desde aí que Ronaldo cresceu, amadureceu e se tornou no melhor jogador que já vi em campo.

Mas nem todos pensam ou sentem a coisa da mesma maneira e a verdade é que a cada novo passo, a cada novo centímetro crescido, grama de força adquirido pelo miúdo, há sempre quem peça mais e mais e se desiluda mais com cada vez menos. Sempre foi assim com os sagrados. Foi assim com Ali, foi assim com Jordan, foi assim com Senna e Maradona e Federer, como foi assim e será sempre assim com Ronaldo. De tal forma que cada mau jogo do capitão da selecção é um jogo em que simplesmente não marcou golo. A época em que o madeirense terminar com menos de 50 golos às costas será para sempre e para quase todos a sua pior.

A culpa é dele. É dele por ter criado um tipo novo de jogador; por ter redesenhado a cada ano, a cada época os seus próprios limites e, em consequência, os limites de um atleta, de um futebolista e, em última análise, de um ser humano, que deixa de o ser por aquilo que faz no exercício da sua profissão. É sua, a culpa, por se ter permitido tornar num objecto de estudo das mais diversas áreas: da motricidade, da física, da astrofísica e porventura da robótica. Porque já não há como perceber ou justificar o que Ronaldo faz em campo. E como não há forma de perceber ou justificar o que o rapaz faz com a bola nos pés mas também longe da bola, longe do epicentro do jogo mas ainda dentro do campo, procuram-se outras coisas que se possam explicar com a má-língua da ignorância. Coisa que estão para lá das quatro linhas que demarcam o jogo, longe das paredes que o encerram. Coisas que por natureza deviam estar fechadas dentro da vida do homem que sem a camisola do clube ou da selecção é só um homem e que, da mesma forma, não tem nada a provar a ninguém e muito menos a explicar.

É culpa dele que gozem com ele, que lhe desejem a queda, quanto mais estrondosa mais saborosa. É culpa dele e só dele que pessoas com idade e posição para não o fazer tomem partido pelos concorrentes que só por ilusão e cegueira dos outros concorrem com ele. é culpa dele que lhe queiram ver um fim, por força nas pernas, por lesão ou por desistência de quem não suporta mais a falta de apoio. Nunca será pelas pernas, certamente, e quem viu ontem a impotência dos que por um milésimo de segundo pensavam que podiam correr atrás ele, sabe que por essa razão Ronaldo nunca deixará de ser o jogador que é. Poderá ser por lesão, eventualmente, que um corpo, qualquer corpo, por mais preparado que esteja, por mais desafiador das leis da física que seja, pode ser quebrado. Pela desistência, talvez? Não me parece. Porque enquanto houver quem se dedique a minimizar o futebolista e a enxovalhar o homem, haverá sempre outros tantos, no mínimo, a emocionarem-se com o que ele faz dentro do jogo e a puxarem por ele, mais empolgada e ruidosamente do que os outros.

A culpa de Ronaldo ser melhor jogador que o melhor jogador do mundo é dele e somente dele. A culpa de ainda existir quem não veja ou queira ver isso é orgulhosamente assumida pelos próprios. E os próprios acabam sempre a fazer figura de urso. Ontem houve muitos que se calaram ou que deram o braço a torcer. Mas ontem, houve mais, muitos mais que não se calaram porque não têm nada a provar ou a explicar a ninguém. E gritaram os golos marcados por Ronaldo, e emocionaram-se porque foi ele quem os marcou. Porque, justiça seja feita, de todos os jogadores no planeta é Ronaldo quem mais merece ir ao mundial de 2014. Pelo que faz dentro de campo, pelo que fez ao futebol e acima de tudo por todos os portugueses que o apoiam e ainda mais pelos que têm a paciência de se sentarem nas mesas de café a ver um jogo de futebol em que o que lhes interessa é ver o capitão a errar um drible, a perder uma bola ou a falhar um golo feito.

Ronaldo merece mais do que qualquer outro a viagem ao Brasil porque a culpa disto tudo é dele. É culpa dele ser o melhor jogador português de todos os tempos. É culpa dele ainda haver quem discuta se isso é mesmo assim. É culpa dele ter já ultrapassado o Eusébio na lista dos melhores marcadores da selecção e ter os mesmo golos que o recordista Pauleta. É culpa dele ter marcado mais de 50 golos por época nas últimas três épocas e de já ter conseguido 24 numa época que ainda nem vai a meio. É culpa dele, tudo isto. E é por isso que a Bola de Ouro de que tanto se tem falado não lhe serve. Fica-lhe pequena.

E a culpa é dele.

O DIA SEGUINTE

Quem me é próximo tem reclamado pelo facto do meu blog e estes textos que vou escrevendo servirem exclusivamente para eu destilar o fel que me apoquenta. Com razão, diga-se. Mas a verdade é que me é mais fácil ser ácido e é-me mais fácil alimentar a vontade de escrever e a prática da escrita com as coisas que me irritam ou me tiram do sério.

Pois bem, não querendo desiludir as expectativas de quem me conhece, cá vai mais uma crónica de maledicência, esta, dedicada aos que dizem mal dos outros e do que aos outros importa – como eu, de resto.

O dia seguinte a um jogo da selecção portuguesa de futebol é, regra geral, o dia em que algumas pessoas aproveitam para sair da sua gruta e assumir publicamente o quanto esse acontecimento desportivo lhes é tão repugnante. Chocam-se com o que os seus concidadãos sofrem, com o grau de entusiasmo que demonstram e com o mediatismo do acontecimento desportivo. Gozam, até, com aqueles que por ser dia de selecção se esquecem de como o mundo vai mal e de como somos todos miseráveis e da troika e do Passos. Gozam, na verdade, com um momento que serve para isso mesmo, para nos esquecermos de como o mundo vai mal e de como somos todos miseráveis e da troika e do Passos. Um momento, como tantos outros, cuja utilidade é unicamente a de nos sentirmos um bocadinho distraídos de tudo o que interessa, é verdade, mas que também nos consome e corrói e nos dá dores de cabeça. Por isso mesmo a estes momentos se decidiu chamar de entretenimento – que, segundo o dicionário, significa acto de entreter; coisa que entretém; brincadeira; distracção; divertimento; entretimento.

E momentos como estes há muitos e para muitos gostos. Há quem se distraia com a cerimónia de entrega dos Óscares; há quem se entretenha com o festival da canção; há quem passe um bom bocado a fazer belos gorros em ponto ripple, toalhas de mesa em ponto cruz e pudins em ponto de caramelo. É, no entanto, inconcebível que outras pessoas tirem um peso de cima dos ombros e todas as preocupações da cabeça durante hora e meia enquanto gritam golo em frente a uma televisão. Isto é inconcebível.

E é inconcebível porque, não sei quando nem como ou porquê, de há uns anos a esta parte é giro dizer mal do futebol e de quem lhe é adepto. Subitamente o futebol transformou-se na coisa nada nobre, digna dos maiores borjeços, desporto de bárbaros sem modos, pouco requintado, pouco bonito, pouco na moda e nada inteligente. É burro, aquele que vibra com um jogo de futebol. É irresponsável, aquele que por hora e meia se esquece da dívida de Portugal. É desinteressado, aquele que em noventa minutos não pensa uma vez que seja no festival da canção, nos bordados da esposa ou nas receitas da mãe.

Por outro lado, parece bem falar mal de futebol e de quem o assiste. É uma trend, é cool, é intelectualmente superior, é esquisito. Pode louvar-se as conquistas pessoais de outros atletas de outros desportos, tenistas, basquetebolistas, nadadores e ciclistas, mas falar do Ronaldo, bem, falar do Ronaldo é parolo, é portuguesinho, é assunto que só pode existir nas bocas que ruidosamente sorvem vinho rasca nas tascas reles.

Por isso mesmo, no dia seguinte a um jogo da selecção portuguesa de futebol, é comum ver estes génios superiores atirarem ataques a quem viu, sofreu e torceu pela equipa das quinas. Fazem do escárnio uma das armas preferidas e rebaixam todos os que compram os jornais do dia seguinte só para saberem mais do que já sabiam: como foi o jogo, quem jogou melhor, que notas deram a cada um dos jogadores, como se portou o árbitro e se esteve frio no estádio.

Mais perigosas que o escárnio e a maledicência desta gente, com argumentos que não ultrapassam o gozo infantil de quem se julga mais forte, são as acusações de nacional desinteresse, nacional irresponsabilidade e nacional quero cá saber que facilmente se jogam às caras de quem puxou por Ronaldo e os restantes: que deviam mostrar semelhante entusiasmo pelos problemas do país, que deviam gritar nas ruas contra o Governo como gritam em casa e nos cafés pela selecção e que deviam querer resolver os nossos problemas com a mesma força com que querem ver Portugal no campeonato do mundo de futebol. E isto é perigoso e, no mínimo, um golpe baixo.

Porque sim, é verdade, os portugueses deviam ser mais entusiasmados com mais coisas para além do futebol. Deviam ser entusiasmados com a literatura, o cinema, o teatro e a arte em geral; deviam ser mais entusiasmados com os direitos humanos, os direitos dos trabalhadores, os direitos dos animais, a ecologia e o ambiente. Deviam, sim senhor. Mas não são e não é com certeza por causa do futebol. O futebol é, aqui como em todo o mundo, um entretenimento que se leva pouco longe, longe ou longe de mais, mas que é só um entretenimento. Os desditosos que se dedicam a fazer pouco de quem se interessa pelo futebol e que vê na hora e meia que leva um jogo uma hipótese de se sentir bem, não perceberam que é destas coisas que um país precisa. Portugal e os portugueses não têm muitas. Por desinteresse, é verdade. Mas isso não significa que se menospreze as poucas que existem e que servem para, mesmo que de uma forma fútil, tirarmos os pés da lama e andarmos, nem que por um dia – o dia seguinte –, de cabeça bem erguida.

E são estes os portugueses mesquinhos que nos colaram a todos à fama triste do fado. São estes os portugueses que são tristes porque querem. Que são mesquinhos porque querem. E que são azedos porque gostam.

terça-feira, novembro 19, 2013

EU NÃO QUERO ALGO COMPLETAMENTE DIFERENTE...

Provavelmente serei o único por estes dias a assumir publicamente que decididamente não quero que os Monty Python se voltem a reunir para um espectáculo ao vivo. Eu, que até nem sou saudosista nem sofro de nostalgia profunda – que no presente caso são doenças que afligem ambas as partes, a dos que querem mais do que tudo voltar a vê-los em palco, e a dos que como eu não querem por nada que tal incidente aconteça.

Sobre os Monty Python já tudo se disse e já tudo se sabe: quem influenciaram, de que forma mudaram para sempre a arte de se fazer comédia, por quem foram desavergonhadamente copiados, etc, etc, etc. E todas as razões pelas quais os tornaram sagrados, são precisamente as mesmas que me fazem ver e rever os episódios da série que criaram – e que com a saída de John Cleese deixou de ser genial para passar a somente engraçada – e os filmes que realizaram e protagonizaram. Ponto.

Mas a verdade é que tudo tem o seu lugar no tempo e o que os Monty Python fizeram naqueles primeiros anos de existência e mais tarde no cinema não é coisa de se voltar a fazer por um grupo de geriátricos que, embora mantenham a sua graça e genialidade – disto não tenho dúvidas – não vão passar de velhinhos engraçados a fazerem coisas da sua juventude. O que, no mínimo, corre sérios riscos de se tornar ridículo.

Alguém me livre de ver o Ministry of Silly Walks ou o Dead Parrot ou o The Bruces ou o Self Defense Against Fresh Fruit ou o Nudge Nudge ou o The Lumberjack Song ou o Spam ou o Hitler in England levados a palco por velhotes de setenta e muitos anos. Não seria muito diferente do que há já muitos anos andam a fazer os Rolling Stones e, para mal dos nossos pecados, se andam a preparar os Xutos e Pontapés para fazer cá pelas terras do Portugal.

Não me entendam mal, continuo a acreditar que os seis Pythons mortos nos respectivos caixões em palco seriam infinitamente mais engraçados do que os skectches copiões dos Gato Fedorento ou do que os inenarravelmente maus videozinhos que passam aqui e ali no Canal Q – já para não falar em toda a miríade de outros sketches feitos em casa por grupos de amigos a quem alguém algum dia disse terem piada e que deviam ser considerados e tratados como lixo radioactivo e passarem o resto dos seus dias até à eternidade no fundo profundo de uma piscina bem fechada a dois quilómetros de profundidade nas entranhas fumarentas de uma montanha na Islândia.

Os Monty Python foram o que foram e ficam para a história do entretenimento, e não só, como o que ficaram. Não há quem se lhes equipare, não há quem sequer se aproxime da sua genialidade, da forma como quebraram barreiras, dos métodos utilizados e muito menos quem esteja perto de estar na génese de um novo género de comédia. Nem era suposto ou pedido ou necessário. Coisas como os Monty Python acontecem uma vez na vida e pronto, é a vida. O que vai subir a palco – se é que chega a acontecer – não são os Monty Python. São os membros sobreviventes de um outrora super grupo de comédia a replicarem o que faziam quando tinham energia, quando ainda só iam ao quarto de banho duas vezes por dia e quando não tinham de ter cuidado com o sal. O que vai subir ao palco é um sketch dos Monty Python a fazer pouco dos velhos que passam pela fase da segunda juventude e querem comprar carros desportivos, engatar uma estudante universitária e levá-la de férias ao sul de Espanha.


Ou isso ou os Pythons vão criar um espectáculo novo, com piadas novas e sketches novos. O que, vendo bem as coisas é ainda mais assustador. E subitamente passa-me pela cabeça que o último momento em que os Monty Python foram realmente geniais em grupo foi o mesmo momento em que tiveram de se despedir de um dos seus: no funeral de Graham Chapman em 1989. Se isto não era um sinal…

sexta-feira, novembro 08, 2013

CARTA AMIGA A MARGARIDA REBELO PINTO

Querida Margarida (com certeza não te importarás que te trate por Margarida),

Venho por este meio expressar a minha solidariedade e oferecer-te a minha mão amiga. Sei que deves estar a passar um mau bocado, afinal, tornaste-te subitamente no novo preferido alvo a abater do povo português e isso não é coisa que ninguém deseje como objectivo de vida ou carreira  – algo, por exemplo, a que os políticos desde sempre se dedicaram com afinco.

Mas tu não és política nem me parece que alguma vez tenhas demonstrado algum tipo de ambição em o ser. A tua carreira é sobejamente conhecida da maioria dos portugueses – e especialmente das portuguesas – e foi construída com livros do calibre de um Diário Da Tua Ausência, ou um A Minha Casa é o Teu Coração, ou ainda de um Alma de Pássaro, e com crónicas bem ao género – demasiado ao género, estranhamente parecidas até – do que se pode ler ou ouvir na famosa série O Sexo e a Cidade.

E não te saíste nada mal, Guida (estou certo que não te enfadará que te trate por Guida). Vendeste livros como quem vende broa de Avintes com chouriço e ao fazê-lo provaste uma coisa espantosa e de que já há muito se vinha suspeitando: que Portugal é um país de iliterados, de desinteressados pela literatura, que não sabem a diferença entre uma crónica e um texto dos que tu escreves; um país ainda repleto de donas de casa que querem ler algo parecido com que existia antigamente, sabes Guida, aqueles livros tipo Matavam as Freiras Grávidas, ou O Falo Perdido ou mesmo A Prostituta Virgem – curiosamente, três exemplos do mesmo autor, o enorme Eurico A. Cebolo.

E nada contra, Guidinha (não te importas, pois não?). Todas as pessoas têm os seus gostos e estes devem ser respeitados e alimentados. E não podia estar a ser mais sincero. Acho mesmo que tudo é válido e eu próprio terei gostos culturais que suscitam imensas dúvidas a quem bem me conhece – ainda ontem vi um filme muito mauzinho que dá pelo nome de Wolverine e estou de consciência completamente leve e limpa. Náo é disso que falo quando falo nas donas de casa que te escolhem como escritora de eleição. Nem pouco, nem mais ou menos. Do que falo é da importância que tu a ti te dás enquanto escritora.

Repara, acho perfeitamente natural que quem exerce um acto de criação cultural seja orgulhoso da sua criação, que a defenda com unhas e dentes e que lute por uma assinatura que o/a distinga enquanto artista e agente cultural. Porreiro da vida com isso, Guidinha. Para mim o problema disto tudo é que tu não tens nada a defender e por uma razão muito simples: és uma mercenária da cultura, que escolheu um público-alvo muito concreto e um que garantidamente gasta dinheiro no tipo de coisas que tu escreves – estou certo, de resto, que tens dormido muito mal desde que o As 50 Sombras de Grey se tornou neste monstro mundial de vendas; estou convencido que não é fácil, para um súcubo como tu, viver com o facto de que alguém concebeu um objecto ainda mais fútil e ao mesmo tempo mais vendável do que os teus livrinhos pegajosos de gordura romântica, de oleosidade feminista encapotada e de sebo comercialóide insuportável.

Porque, sejamos francos Guidunchas, tu escreves mal e porcamente, e é melhor que saibas agora por este teu amigo desconhecido, que mais tarde quando parares de vender livros e já ninguém te quiser comprar crónicas. Sim, porque a única razão pela qual te continuam a encomendar esses textitos ridículos, ocos e absolutamente desprovidos de coluna vertebral, é o número de vendas dos livros que evacuas como um europeu que passou uma semana a comer comida mexicana.

Guidete, tu escreves mal. Atrevo-me até a dizer que tu declaradamente não sabes escrever. Mas, repara, a culpa não é tua. A Cher é outra mulher assim a atirar para o idoso que nunca cantou bem na vida mas que manteve a carreira mais ou menos viva graças ao número de discos que vendia. É das tais coisas, vai-se lá perceber.

Mas bem, isto tudo para te dizer que estou profundamente revoltado com esta reacção profundamente injusta dos portugueses relativamente às tuas declarações acerca dos portugueses. Revoltado porque na verdade te limitaste a emitir uma opinião e eu, rapaz que defendo alguns ideais, acho mesmo que cada um deve ter a sua opinião bem afiada e sem medo de a mostrar. Houve mesmo quem tenha dito que as opiniões são como o sexo feminino e não sei quê, não sei que mais, mas não vou aqui reproduzir esse dizer porque tu ainda acabas a ler isto e não tarda evacuas mais um livrete com o título A Minha Opinião é a Minha Cona ou vice-versa.

Por isso, Gidu, deixa-me que te estenda mais uma vez a minha mão amparante, o meu colo-repouso e o meu ouvido atento caso queiras e necessites de desabafar. Desde que não me queiras ler passagens dos teus pergaminhos, claro. Quanto a mim, e depois de te ter visto na televisão do Estado, não me importo nada que me ofereças o teu colo caso eu queira desabafar. É que estive atento à converseta e deixa-me que te diga, para uma senhora da tua idade tens umas belas e fofas mamas. Olha, cá está mais um bom título para um livro e, que neste caso e com uma pequena adaptação, também servia como slogan para uma loja de broas de Avintes com chouriço.


Com amizade,
Nuno Matos

segunda-feira, novembro 04, 2013

OS MEDIA (E ESTÁ TUDO DITO)

No Jornal de Notícias (JN) de hoje, dia 04 de Novembro, de todos os títulos que faziam a primeira página, havia um que pelo tamanho das letras mais se destacava: MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO GAY. Ao JN já não chega MORTO NO SHOPING ou MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO SEXUAL para ser suficientemente chamativo e MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO HETEROSSEXUAL seria somente estapafúrdio. Como é estapafúrdio realçar a natureza do encontro sexual em causa de maneira a chamar mais gente à sua primeira página.

Mas é assim o recente JN, jornal que primava pela qualidade mas que há já algum tempo, em virtude da quebra nas vendas, digo eu, decidiu correr atrás de um estilo que tornou famoso e tão procurado um seu concorrente lisboeta, o famigerado Correio da Manhã que, por razões amplamente conhecidas, é o jornal diário com maior tiragem em Portugal. Fica mal ao JN enveredar pelo sangue e pelo escândalo de pacotilha na tentativa de conquistar – ou reconquistar – leitores. Fica mal pelo método adoptado; pela procura da polémica, pelo empolar de acontecimentos do dia-a-dia e pela notícia cor-de-rosa, tão do agrado de uma vasta e variada camada da população.

Nos dias em que tanto se tem falado de e repugnado com a forma como os media têm tratado o caso que opõe Bárbara Guimarães ao seu ainda esposo Manuel Maria Carrilho, importa discutir e perceber a diferença entre jornalismo e aquilo que canais de televisão e imprensa escrita fazem em Portugal. O que estes órgãos de comunicação fazem – e o que o JN fez na primeira página acima citada – não é jornalismo. Os assuntos que tratam são notícia, têm valor de notícia e são, na sua maioria, do interesse do público em geral. O caso da apresentadora da SIC e do ex-ministro da cultura não é uma excepção. Por muito que se tente disfarçar, coisas como as que se têm passado com as duas figuras públicas despertam a curiosidade mais mórbida e são um óptimo tema para intermináveis conversas de café.

Não é, portanto, o acontecimento que está em causa mas sim a forma como este é tratado pela comunicação social. É isso que repugna mesmo os mais desprovidos de escrúpulos e, embora não pareça, o que revolta muitos profissionais de jornalismo. E, repito, nada disto é jornalismo. Como poucos destes profissionais da comunicação são jornalistas. Têm curso, sim senhor, estudaram muito para conseguir uma carteira profissional, pois muito bem, mas não são jornalistas. Têm esse carimbo, mas o que exercem é a tão popular e segunda mais antiga profissão do mundo, a coscuvilhice; o diz que disse ou o quem ouve um conto acrescenta um ponto. Estes profissionais estão para os jornalistas como os paparazzi estão para os fotógrafos da agência Magnum. Cheiram sangue a uma distância considerável, são incansáveis, provocadores, manipuladores e, no limite, são óptimos na bela arte do exagero.

Os jornalistas desportivos fazem isso há muitos anos, mas a esses ninguém leva a mal e o pior que podem conseguir é fazer com que um adepto mais fervoroso fique doente dos nervos porque o seu clube afinal não contratou aquele astro da bola como o seu pasquim de eleição tinha avançado.
Que o jornalismo generalista tenha resvalado conscientemente para este tipo de trabalho é outra coisa bem diferente, com consequências mais graves e danosas para muitos dos intervenientes. Mesmo aqueles que, como a Bárbara e o Manuel Maria, usam ou evitam a imprensa conforme lhes dá jeito e, no presente caso, expõem a sua vida, ou uma visão da sua vida, de forma aparentemente tão fácil – pelo menos no caso do ex-ministro, que não parece ter vontade de se calar, tenha ou não tenha razão, seja ou não seja verdade tudo quanto lhe cai da boca para fora.

E claro, é deste tipo de coisas que o povo se alimenta e é com este nível de notícias que a comunicação social enche a despensa. Porque este alimento sobrevive uns quantos dias e dá para alimentar muitas bocas. E é por isso que Portugal ficou tão agarrado a todo o tipo de reality shows, e é por isso que de repente as bancas se encheram de revistas quase exclusivamente dedicadas às polémicas relacionadas com as vedetas mais ou menos famosas do nosso universo mediático e é também por isso que a imprensa dita respeitável decidiu ir atrás do método e tentar recuperar de anos seguidos a descer nas tabelas de vendas. Nada disto é complicado de entender, não é de engenharia termonuclear de que aqui se fala. Os jornais têm levado muita tareia nos últimos dez anos e perdem leitores como quem perde a virgindade na queima das fitas. Os canais de televisão passam a sua vida útil a ver quem consegue maiores audiências de maneira a terem mais anunciantes e a preços cada vez mais exorbitantes.

Ou seja, a guerra não é pela conquista de público pelo aprimorar dos conteúdos e por uma mais refinada qualidade mas antes pelo absoluto contrário: vamos ver quem é mais alarve, mais polémico, quem descobre mais sobre este segredo ou mais sobre aquela pouca vergonha; vamos ver quem mete mais o dedo em ferida alheia, quem explora melhor a história do desgraçadinho, quem faz chorar mais rápido. Vamos ter AVCs em directo, partos em prime time, acidentes terríveis ao vivo e a cores e vamos ver como é que a Bárbara Guimarães mete os putos no carro, se as nódoas negras estão à vista «uma recompensa para quem conseguir filmar a pisadura em close up», se ela tem um ataque histérico em frente às mesmas câmaras que a filmam enquanto ajuda o seu canal a meter mais uns quantos milhões ao bolso e se até não grita umas caralhadas que é para o povinho descobrir que ela afinal também diz umas asneirolas quando está mais aborrecida. Vamos mostrar ao povo que a Bárbara, a Babá, a princesa da SIC, leva no focinho tal e qual como aquela senhora do Lagarteiro, com quatro filhos todos delinquentes e que vive do rendimento mínimo.


Vamos ser jornalistas? Não que isso de lidar com notícias, factos e informações é uma seca. Não inventamos muito, mas pelo menos vamos colorir a coisa de outra forma que sempre tem mais piada.

domingo, novembro 03, 2013

OS MILITANTES: ASQUEROSOS CÃES DE GUARDA

Há cerca de duas semanas um vídeo com um excerto de uma entrevista feita a Russell Brand deu nas vistas e, como tudo nas redes sociais, rapidamente se tornou viral e motivo de discussão. Dissertava o bom do Russell acerca da descrença completa em que caíram os actores políticos e o sistema democrático em que assentamos a nossa vida. Na altura apeteceu-me tecer algumas considerações sobre o assunto, já que também eu defendo, e já há algum tempo, o que afirma sem vacilar o comediante e actor inglês. Não escrevi logo e passou-me a vontade. É daquelas coisas…

Passadas estas duas semanas, e passados que estão tantos dias desde as eleições autárquicas, a minha vesícula alertou-me para o excesso de bílis que começava a acumular. Estava na hora de escrever o que me vai na alma relativamente à classe política e em especial a essa doença da democracia moderna, os militantes.

Em traços muito gerais, o que Russell Brand dizia na entrevista é que já ninguém devia continuar a prolongar um sistema político, a democracia, quando este tanto mal nos tem feito. Ou seja, admitindo que de todos os sistemas políticos este é realmente um mal necessário, a melhor de todas as más opções, afirmava Brand que a democracia resulta numa simples mudança de mãos no poder que, no mínimo, mantêm as coisas exactamente como estavam antes. Mudam os rostos, muda a cor do partido, mas a merda continua a correr rio abaixo. Mais ou menos isto.

Ora, os militantes servem precisamente para garantir que os partidos continuam a ser alimentados pela massa humana que garante votos, sem dúvida, mas que servem igualmente como cor, ruído e como uma oposição por vezes mais efectiva que aquela que os deputados conseguem levar a cabo na Assembleia da República. Cabe aos militantes a cegueira política que os leva a cumprir na perfeição o papel de cãezinhos de guarda dos objectivos do seu partido. São eles quem pode empolar assuntos, casos e decisões mais ou menos erradas de quem lidera juntas, câmaras, governo e país.

Algo do género do que se tem visto desde que Rui Moreira conquistou a câmara do Porto. Desde esse dia, toda uma esquerda portuense e não só se tem mostrado preocupadíssima com os destinos da invicta. Porquê? Por duas razões oficias: porque o homem é um agente da direita disfarçado de independente e porque, como foi apoiado publicamente por Rui Rio, certamente dará continuidade às medidas que tornaram o seu antecessor no inimigo público da cidade e dos portuenses.

Pode até ser. Moreira vestiu a pele de político e eu nos políticos não costumo confiar. Por outro lado, os argumentos de quem já anda a vender a teoria de que este presidente vai ser uma desgraça para o Porto são curtos e inquestionavelmente precipitados. E são argumentos dos tais cães de guarda dos partidos de esquerda, peritos em exacerbar o que se passa e o que não se passa, condicionados pela cartilha que religiosamente lhes foi enfiada na moleirinha.

Estes militantes desistem do proverbial «esperar para ver» que tornou São Tomé uma referência para os pacientes e os prevenidos e partem para o ataque assim que os resultados das eleições são comunicados. Porque o seu candidato não venceu, porque são essas as indicações dos líderes que seguem ou porque pura e simplesmente não conseguem ver para lá da relação clubística que mantêm com os partidos.

E isto é mais perigoso do que parece à partida. É perigoso porque são estas pessoas, da esquerda e da direita, que dão força a um sistema político criado para servir alternadamente uns e outros e que nada faz para alterar o que está mal. São estas pessoas que, por todas as hipóteses de razões acima referidas, tão rapidamente criticam um Rui Moreira que não comentou o despejo da Seiva Trupe – pese embora ainda não fosse oficialmente presidente do município – como vão desconfiar quando o homem fizer alguma coisa realmente benéfica para a sua cidade e dizer que são manobras, populismo e sabe-se lá mais o quê.

Não confio nos políticos. Raramente terei confiado. Mas é dos militantes que tenho medo. Do seu fundamentalismo, do seu seguidismo e da capacidade que têm de desprezar aquilo em que acreditam pelo bem do partido. Como aconteceu quando a adopção por homossexuais foi votada na Assembleia e os parlamentares da bancada comunista votaram contra e contra a sua convicção única e simplesmente para agradar ao comité central do partido, envelhecido e pouco dado a estas modernices. É desta hipocrisia que tenho medo. É desta hipocrisia de que se alimenta a democracia que tanto louvamos e que na verdade, e como todos os sistemas políticos, só funciona bem, e no limite, em papel.

Nesse clássico absoluto do cinema que é The Night Of The Hunter, a personagem interpretada por Robert Mitchum contava a história da mão direita e da mão esquerda, do amor e do ódio. Na política existem várias mãos, todas elas iguais, todas elas o mesmo e a mesma merda. Todas elas perigosas e com objectivos mais do que suspeitos e nada abnegados.


Como o Russell Brand também eu me limito a mandar estas postas de pescada sem ter uma solução para o problema – e é um problema. Também eu acredito haver quem seja mais qualificado do que eu e que possa dar passos em frente e propor alternativas. Também eu acredito num conceito que faz a base da teoria marxista e que dá pelo nome de ditadura do proletariado. Ditadura do proletariado que por outras palavras é a tomada pela força dos meios de produção e o aniquilamento da burguesia. Uma revolução, portanto, que nada tem de política mas que é popular. Algo de que o português comum já se esqueceu e que os partidos políticos se esforçam por manter esquecido. Os militantes, esses, cumprem o seu papel com brio e dedicação.