kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

terça-feira, dezembro 31, 2013

JÁ ESTOU FARTO DE 2014

As poucas horas que faltam para sairmos de 2013 serviram já para me recordar de tudo o que foi mau no ano que acaba. Nomeadamente, serviram para me lembrar aquilo que mais vontade tenho de esquecer e que é a futilidade dos outros. A futilidade e a vaidade e a sobranceria e a cagança e os atributos auto-atribuídos e em nada justificados.

Estou farto dos candidatos a próximo grande comediante português. Farto desses e dos que querem à força e porque têm uma câmara de filmar e nenhuma qualidade chegar a novos Gato Fedorento da sua rua.

Estou farto, enjoadamente farto dos Gato Fedorento. E estou muito farto das crónicas do Ricardo Araújo Pereira e de quem acha que ele é um grande cronista.

Estou farto dos egomaníacos que criam páginas no Facebook para, sem qualquer disfarce, darem asas ao seu umbigo vaidoso e nos dizerem que não nos podemos esquecer de que na data tal eles vão estar aqui para uma conferência, e de que nos devemos lembrar, ao almoço, ao jantar e ao deitar de que eles são muito bons no que fazem. Estou farto de que nos enfiem vídeos pela goela abaixo que, julgam eles, atestam a sua qualidade.

Estou farto dos que nos lembram várias vezes ao dia de que amanhã não podemos perder aquele programa onde eles vão aparecer e que no dia seguinte nos dizem «se não viram vejam agora» e publicam o vídeo com o excerto onde eles apareceram, regra geral, a fazerem algum tipo de palhaçada sem jeito ou piada.

Estou farto de ver os que realmente têm qualidade a fazerem o mesmo e de certa forma a incentivarem os outros, os rascas, a irem atrás.

Estou farto dos que vão atrás e se convencem de que na verdade estão «muito à frente, meu!»

Estou farto dos que se dizem fabulosos grupos de comédia e que na verdade não passam de maus amadores, maus actores, maus copiões de algo que facilmente se encontra na Wikipedia e que já foi feito, muito antes deles, por centenas de outros grupos de duvidosa capacidade.

Estou farto dos que se dizem fotógrafos simplesmente porque têm uma máquina fotográfica e uma meia dúzia de modelos de tasca em poses labregas dispostas a fazerem figura de urso em vestes que podiam muito bem ter saído de uma versão de periferia da Guerra dos Tronos.

Estou farto dos fadistas, neo-fadistas, cantores de new fado e dos que acham que a sua fadista é a melhor do mundo e que todos os demais são uma merda.

Estou farto do Pedro Abrunhosa, na exacta medida em que estou farto das novas bandas e cantautores portugueses que tiveram a mesma ideia de escrever letrinhas engraçadinhas e com rimas mais do que redondas. Sim, estou bem farto dos Azeitonas.

Estou farto das frases espirituais, conselhos espirituais e dos espirituais em geral. Fartos dos que nos impingem a sua política new age, com os seus incensos, velas, reikis, sugestões ambientalistas e falsos bons karmas.

Estou farto dos que escrevem «fizes-te» em vez de «fizeste».

Estou farto dos que se consideram bons o suficiente para inventarem workshops e master classes que não existiam até eles as inventarem. Cursos de escrita criativa. Cursos de dramaturgia. Cursos de como escrever um livro e publicá-lo. Estou farto dos pseudo-encenadores que dizem sem vergonha nas fuças que o pior do teatro são os actores.

Estou farto dos que usam a palavra «quimera».

Estou farto da sensação de que 2014 vai ser mais um ano igual ao que passou e que vai ser uma continuação de tudo acima descrito e pior.

Ainda 2014 não chegou e já não o posso ver à frente.

E escrevo tudo isto para alimentar os que estão fartos de mim e para lhes agradecer o esforço em esgotar-me a pachorra e esvaziar-me a visícula.

Bom ano!

quarta-feira, dezembro 18, 2013

OS SEBOSOS DO AURICULAR

O futebol, como qualquer outro desporto, é um fenómeno que suscita em quem o assiste uma variedade considerável de emoções. De todas, a mais comum e universalmente aceite como parte integrante do facto desportivo é, precisamente, a emoção. Da emoção fazem parte a ansiedade, a incerteza e a surpresa. Já se sabe, o grau destas emoções e sensações varia conforme o desporto que se segue. No caso do basquetebol, por exemplo, já se sabe que muito frequentemente vai haver cesto. Ou seja, independentemente da qualidade das equipas envolvidas e do ritmo e dinâmica do jogo em questão, em mais de metade dos ataques a bola laranja vai mesmo entrar no cesto e assim contar um, dois ou três pontos. No futebol a coisa não se passa da mesma maneira, no entanto.

No futebol – e novamente, independentemente da qualidade das equipas, da possível diferença de nível que as separa e das tácticas escolhidas – é difícil prever com certeza se o golo vai surgir, sequer. Nunca sabemos se não acabamos com um jogo de empate a zero de que nunca gostamos porque não nos entusiasma. Mesmo se de um grande jogo se tratar, daqueles que nos deixa cansados só de olhar e sem tempo para respirar, fundo ou raso. É essa uma das magias do futebol, a imprevisibilidade quase absoluta, segundo a segundo, minuto a minuto e jogo a jogo.

Para tratarem de nos estragar a maravilha de ver a bola e o turbilhão de emoções que isso representa, foram criadas umas criaturas absolutamente nojentas, feitas a partir da baba de caracol e do ranho dos búfalos de água chineses e que se dedicam, de rádio de pilha na mão e auricular na orelha, a gritar golo segundos antes dele se tornar realidade no ecrã. Às vezes, um considerável número de segundos, diga-se. Ninguém gosta desta espécie rastejante e nauseabunda, que suja tudo quanto toca com a sua gosma pestilenta e asquerosa, mas também ninguém nunca se insurge contra o seu comportamento desrespeitoso e respectivos efeitos nefastos. Nunca, até hoje.

Hoje, num café em Vila Nova de Gaia, reparei a dada altura e com espanto, no aviso que, bem à vista de toda a gente e mesmo por baixo do ecrã de plasma, alertava os potenciais nojentos para a total proibição de, durante a transmissão de jogos de futebol, se fazerem acompanhar por qualquer tipo de aparelho electrónico com a capacidade de, aproveitando a rapidez das ondas de rádio, antecipar o que se vê na televisão. A mensagem era seca e áspera como as mãos de um pedreiro mexicano de oito anos e ainda tinha o dom de terminar dizendo aqui (nome do café) é assim!

Lindo, pensei, enquanto tentava beber o resto do café com o sorriso aberto na cara – tarefa nada fácil, devo desde já dizer. Finalmente fazia-se justiça e eu, frequente observador do futebol de café, sentia-me em paz e por fim vingado de tantos e tantos anos de raiva mal contida contra os sebentos anunciadores não encomendados do futuro próximo de um simples jogo de futebol.

É isto a evolução, minhas senhoras e meus senhores. É isto a civilização a chegar de rompante, forte e positiva, trabalhadora e abnegada. A olhar pelo bem dos que nada podem contra a força da estupidez e do atrasadismo mental, esse desporto tão em voga em alguns grupos de algumas sociedades. Tantas leis se rabiscam e se assinam, tantas proibições e imposições se forçam àqueles que são proprietários de cafés e restaurantes, e nunca nenhuma alminha política se lembrou de legalizar a proibição de usar aparelhos electrónicos com a capacidade de, aproveitando a rapidez das ondas de rádio, antecipar o que se vê na televisão.


Portanto, e depois de me ter sentido inspirado como já não me sentia desde que vi um filme do Bruce Lee aos doze anos, cabe-me agora abraçar uma de três lutas: ou crio uma organização não governamental que pugne pela acima referida proibição; ou abro um café totalmente vedado a esta espécie de untuosos arautos; ou, em última análise, passo a meter-me no metro, a fazer uma viagem de mais ou menos 10 minutos, e a ver todos os jogos de futebol neste cafezito em Vila Nova de Gaia plantado. 

sexta-feira, dezembro 13, 2013

O MEU TUP

Oito anos muita gente um kilt e um chapéu com uma ventoinha e os aviões de papel e um muro que nos divide e as catacumbas de um museu e dois graus de frio entre argamassa óleo e máquinas antigas e espelhos por toda a parte tomates esmagados garrafas de vidro aos pedaços fogo vivo e sangue no chão e tubos de cartão muitos tubos de cartão sangue nas palavras dores nas línguas uma viagem à Bélgica a viagem da vida de um grupo Tom Waits Tom Waits Tom Waits tremer de frio horas a fio no chão de cimento a garganta destruída para sempre uma cidade na Galiza as lágrimas de quem se apercebe que acaba de vencer um festival dois festivais um amigo para a vida o Marquez e mais dores nas gargantas de quem diz o que nunca pensou dizer meses de trabalho e obstáculos mais um prémio e outro prémio e um amor pelo caminho a Medeia dela deles de todos e outro prémio o Kafka dela e dele o pesadelo de um prédio em ruínas outro prédio em ruínas sempre as ruínas e o calor dos infernos e os amigos e os amigos e os amigos e os gatos e cabras no jardim e agora chove-nos em cima e agora nunca mais choverá e as festas e a alegria e a vida. E não consigo imaginar como foram os outros 57.