kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

quarta-feira, julho 11, 2007




Finalmente, uma noite verdadeira de Verão. Já começavam a incomodar as noites estranhamente frias. Os animais na margem nem se faziam ouvir.
Não tarda nada e as primeiras chuvadas começam a cair. Antes disso milhares, milhões de insectos vão sair de todo o lado e invadir o barco, as casas, os bolsos da roupa, os armários da comida e as malas de viagem. O Carlos descobriu há dias que afinal tem um pequeno problema com as baratas, quando uma, do tamanho de dois dedos, lhe caiu em cima com um estalido sonoro. Descobriu também, e da pior maneira, porque é que os restantes passageiros deste barco, dormem enrolados nas camas de rede. É um bom companheiro de viagem, o Carlos. Provavelmente o melhor que já tive.
Não tarda nada e este calor, que hoje abençoo, vai-nos amaldiçoar o resto da viagem rio acima. Vai-se colar à nossa pele, sufocá-la, fazê-la sentir fatigada.
O calor, a chuva incessante e o ruído dos milhares, milhões de insectos, vão-nos levar a um estado de quase loucura. Diz quem sabe que nem nos deixam ouvir os pensamentos. E muitas vezes, neste barco, neste rio que parece não querer acabar, os pensamentos são a única coisa que temos como certa. Especialmente nas noites em que, sem a luz da lua, não podemos sequer ver as suas margens.
O Carlos já está a dormir. Enrolou-se o melhor que pôde na sua rede - embora ainda não domine a técnica - e dorme como se não soubesse já o que vem por aí. Gabriel, o paraguaio que conhecemos no porto, veio ter comigo e convidou-me para ir fumar um cigarro com o grupo com quem viaja. Ele, dois cubanos, um argentino e um uruguaio, que não se cansam de tocar tangos nos seus bandoneón e violão. Com a mesma intensidade com que tocam as milongas de Gardel, discutem qual é afinal o berço do tango, Buenos Aires ou Montevideu. Divertem-nos, de uma forma ou de outra.
O Gabriel é um viajante com muitos quilómetros na mochila, nunca conseguiu ficar quieto num só sítio. Disse-nos, no dia em que o conhecemos, que só se sentiu verdadeiramente humano quando dormiu debaixo das estrelas, no deserto de Atacama.
Somos os únicos acordados a bordo do barco.
E os insectos começam a fazer-se ouvir.