kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

domingo, setembro 16, 2012

DEVER CUMPRIDO?



A manifestação nacional de 15 de Setembro foi importante? Foi.
Foi arrepiante ver tanta gente na rua? Sem dúvida.
Espanta-me e assusta-me, no entanto, o sentimento de dever cumprido manifestado por tantos, em especial nas páginas do Facebook. É perigoso, este sentimento tão português do “tá feito” que acaba sempre por nos lixar mesmo sem darmos conta. A manifestação nacional impressionou, mas será que serviu para aquilo que realmente importava? Não me parece. Assustou os governantes? Não me façam rir. É uma manifestação sem o efeito de continuidade, sem exercer mais pressão do que aquela que teve hoje. Ponto.
Como me assusta a rapidez com que tantos vieram criticar o que se passou às portas da Assembleia da República. A urgência em se desmarcarem do que aconteceu, em demonstrarem publicamente como são bem comportados, bons cidadãos, «civilizados», uns gajos porreiros.
Assisto a tudo isto e pergunto-me:
Será que os que fizeram a primavera árabe eram todos estudantes e desempregados?
Será que os que se revoltaram na Grécia eram todos estudantes e desempregados?
Será que os que ocuparam Wall Street eram todos estudantes e desempregados?
Será que os que fizeram a primavera árabe o fizeram sem violência? E não foram aplaudidos pelo que fizeram porque estavam a libertar-se de terríveis ditaduras? Será assim tão diferente a situação deles da nossa?
E quantas vezes na história foi a violência popular o veículo para a deposição de ditaduras? E quantas vezes as aplaudimos como bons espectadores que somos? Que orgulho é este que temos em ser pacíficos, herança de uma revolução pacífica que em verdade nem foi feita por nós, povo?
Sou contra a violência. Sou contra a violência quando é resultado de um bando de miúdos órfãos de uma revolução que nunca existiu, nem na geração deles, nem da dos paizinhos. Não sou contra a violência, como não sou contra a desobediência civil, quando acabam todas as outras hipóteses. E acabaram-se as alternativas. Ou acham mesmo que o que fizemos no dia 15 de Setembro vai ser suficiente? Acham mesmo que na próxima semana um novo comunicado do Primeiro-ministro vai pôr tudo bem, como era no tempo das vacas gordas? Acham mesmo?
Chateia-me, por um lado, o que se passou às portas da Assembleia da República. Chateia-me ainda mais a hipocrisia de quem foi célere a condenar sem saber realmente se foram miúdos com vontade de serem radicais e disso se poderem gabar, ou se foi mesmo o desespero a atirar as pedras à polícia. Chateia-me que no meio disto tudo se indignem com os estragos na bela calçada, com o sinal de trânsito ou com a imagem que esses incidentes podem dar ao belo exercício de liberdade e democracia que aconteceu no dia 15 de Setembro. Que se chateiem com a hipótese desses acontecimentos mancharem o que para muitos foi um belo e bem polido gritinho de revolta, um sair da rotina, um dever cumprido e «bora lá a seguir com a vida, que revoluções não pagam contas».
O que pensam fazer amanhã, exemplares cidadãos, tão criativos nos vossos cartazes manufacturados com graçolas e trocadilhos inteligentes? Eu digo-vos. Vão fazer tudo o que não fizeram no dia 15 de Setembro. Vão à praia, almoçar a casa dos sogros e falar das coisinhas fofinhas que os vossos filhos fazem, e vão ver a bola e vão ao shoping.
E no entanto…
Se algum dia a violência e a desobediência civil conseguirem o que as manifestações pacíficas não conseguiram, vocês vão ser os primeiros a aplaudir esses malucos revolucionários que levaram nas ventas pela pátria. Até lá, uma manifestação pacífica à moda do Gandhi de quinze em quinze dias não resulta em rigorosamente nada. E se eu estiver enganado e para a semana o Governo voltar atrás com a austeridade, desculpo-me publicamente. Mas não me parece que isso vá acontecer.

segunda-feira, setembro 10, 2012

E AGORA, POVINHO?

Então parece que no próximo Sábado estão marcadas várias manifestações pelo país fora? Sim senhor, é oportuno, o momento é ideal, sentido de timing apurado, o destes senhores que se dedicam a convocar movimentos populares de reclamação e manifestação de desagrado. Resta saber o que vão fazer os portugueses para a rua. Vão passear e cantar cantiguinhas orquestradas pelos partidos de esquerda e sindicatos de trabalhadores, empunhar bandeirinhas vermelhas e faixas com palavras de ordem e, como sempre na nossa longa história, ser uns lindos meninos, bem comportados e atenciosos com o bem-estar do próximo, ou vão fazer o que é preciso? Uma fonte que me é bem próxima diz-me que não, que desta vez é para começar a partir coisas, bloquear ruas e fazer barulho a sério. Já começa a fazer falta, muito sinceramente.
Mas nós não somos um povo qualquer. Nada disso. Não somos bárbaros como os gregos, ou maluquinhos como os árabes da primavera, ou suicidas como os mineiros espanhóis. Não, nós somos civilizados e acreditamos piamente na força da organização comportamental; nós acreditamos que vamos lá pela insistência, mas esquecemo-nos que a nossa insistência é exercida a espaços, uma vez de vez em quando, para não chatear muito. Nós continuamos a ver líderes não eleitos e ídolos da revolução em opinion makers sem categoria e sem valor. Continuamos a dar vivas às crónicas do Ricardo Araújo Pereira como se tivessem sido escritas por nós e às opiniões dos spin doctors da televisão como se fôssemos os assessores de comunicação responsáveis pelos seus comunicados.
E continuamos a dar demasiada importância a assuntos sem importância alguma, muito menos para o problema que atravessamos actualmente. Descarregamos a nossa frustração na tristeza do Ronaldo e gozamos com ele porque, como milionário que é, não pode ser humano e ser triste como nós. Não tem esse direito, não pode ter. Arderam-lhe as terras no verão? Ficou sem os subsídios? Perdeu um ordenado? Está desempregado? Não? Então porque raio haveria de estar triste e insultar-nos com a sua tristeza?
Acordamos para o problema da RTP e do cumprimento de um serviço público que nem sabemos definir ou reconhecer num dia inteiro de transmissão da televisão pública. Somos intelectuais e dizemos orgulhosamente que não vemos televisão, esse ópio do povo, instrumento do capitalismo e da manipulação informativa que não serve para outra coisa que não o hipnotizar dos ignorantes e fracos de espírito, mas iramos com a possibilidade da privatização há muito necessária de um dos maiores buracos financeiros de um Estado que já nem tem espaço livre para buracos novos. E não nos importamos que esse mesmo serviço público signifique uma tourada a cada semana durante os meses de verão ou um programa descomunalmente mau como foi a eleição das sete maravilhosas  praias de Portugal: um gasto exorbitante de dinheiros públicos e, ao mesmo tempo, uma homenagem ao mau gosto, ao terceiro mundismo televisivo e à desconfortável vergonha alheia.  
E temos os partidos de esquerda a atacar a privatização da RTP porque a única coisa que lhes resta no chip do comunismo são os conceitos (indecifráveis, por esta altura) de «povo» e «trabalhadores» e os fascistas de direita a atacar a privatização da RTP porque ainda acreditam que a nação é orgulhosa e tem um passado de glória a proteger.
E sim, concordo com o que um amigo meu escreveu hoje na rede social que também dá tempo de antena a todas as futilidades acima descritas: “Não foi o cidadão que criou buracos no orçamento, falsos défices, contas escondidas. Nós sempre fizemos o que nos pediram.
Não foi o cidadão que favoreceu compadrios, que criou fundações para amigos, que permitiu a má gestão de todas as empresas públicas. Nós sempre contribuímos, cumprimos e nos resignámos. Não foi o cidadão que forjou habilitações, que permitiu escândalos como a Madeira, os submarinos, o Freeport e tantos, tantos outros.
Nós só errámos por ser brandos.
Demasiado brandos.
Por permitir que estas violações acontecessem sempre e aceitar pagar as multas dos erros dos criminosos.”

Pois errámos. Errámos bastante e por demasiado tempo. E sinceramente não sei dizer se as manifestações do próximo dia 15 – presumindo que vão realmente acontecer – não são um prolongar desse erro, uma confirmação daquilo que todos os políticos – do Governo à Assembleia da República, de Belém a S. Bento e passando pelo poder autárquico – já sabem há muitos anos: que somos um povo descaracterizado, mole, sem a força e a coragem para fazer o que é necessário.
No tempo da outra senhora o outro senhor achava que a ignorância do povo era a sua maior arma. Hoje em dia a arma é outra e tem muitos nomes: fraqueza, obediência calada, seguidismo cego, despreocupação irresponsável e excesso de esperança.
E pergunto-me: o que falta o Governo fazer para provocar os portugueses ao ponto de, de uma vez por todas, saírem para a rua com o objectivo certo? Uma lei seca? Acabar com o campeonato de futebol? Proibir as telenovelas? Terminar o Preço Certo?
Tenho tanto medo do dia 15 como tenho curiosidade. Algo que os políticos não devem ter, certamente. E como os entendo.