A MORTE RÁPIDA DE UMA IDEIA ROMÂNTICA DE PARAÍSO
Estive nos Açores há 17 anos. Na altura,por mais ou menos 200 euros, podíamos escolher três viagens de avião: uma para deixar o continente, duas entre ilhas e a de regresso era oferta da casa. Na altura, já havia turistas em São Miguel, viajantes no Faial, exploradores no Pico e eu e a minha namorada nas Flores.
Na altura, os Açores eram a minha ideia de paraíso na terra. Um lugar intocável, uma beleza natural impressionante e pessoas simpáticas e acolhedoras na medida certa.
Na altura, os Açores eram a minha ideia de paraíso na terra. Um lugar intocável, uma beleza natural impressionante e pessoas simpáticas e acolhedoras na medida certa.
Como em tudo na vida, mudam-se os tempos e muda tudo. Hoje as furnas são fechadas e já não se pode lá cozinhar o cozido como antigamente a não ser que se pague um bilhete. O acesso à Caldeira Velha, hoje em dia, é como um acesso a uma qualquer piscina municipal. Ou seja, os Açores começaram a cobrar por algo que era uma das principais e mais importantes características do arquipélago: a integração perfeita da população na natureza.
Dizem os responsáveis que é para o bem da população, que todos ganham. Eu tenho sérias dúvidas, especialmente quando os mesmos responsáveis anunciam com orgulho que vão aumentar o número de camas no arquipélago e assim dar resposta ao número crescente de turistas. O que isso quer dizer é que vão aumentar também as lojas de souvenirs, os produtos para inglês ver e o custo das dormidas e comidas.
É o turismo na sua máxima força a fazer o que faz sempre: a transformar, a adaptar e a estragar o que havia. É o turismo a moldar um sítio às necessidades dos que trazem dinheiro nos bolsos. O mesmo turismo que transformou Lisboa e Porto nos parques temáticos de um país que na verdade não existe, em hologramas de coisas que não estão realmente lá, em caras feias pelo excesso de operações plásticas e maquilhagem de má qualidade.
Dirão alguns que sou retrógrado, que os tempos mudam e que devemos mudar com eles, que o turismo é também a sobrevivência das cidades e dos países e dos que lá moram. Recuso essa ideia e acrescento que (especialmente) no caso dos Açores, o que devia ser feito era mantê-los exactamente como sempre foram, melhorando algumas infraestruturas, com certeza, e limitando o número de visitantes por ano.
Menos gente, menos plástico, menos cosmética num lugar que atrai quem lá quer ir precisamente pela natureza intocável e deslumbrante e pelo modo de vida de quem lá mora. Veja-se, mais uma vez, o caso de Lisboa e Porto e dos inúmeros agentes turísticos que já se começam a queixar das dores do crescimento súbito e a alertar para o rebentar das costuras e consecutiva insustentabilidade das infraestruturas. Não é por acaso e nem é um exagero. Vários estudos comprovaram já o que mais se temia e de que menos se fala: nas cidades mundiais em que o turismo sofreu um crescimento abrupto, a sua população nativa decresceu igualmente de forma violenta; desistiu ou foi empurrada para fora dali, para os subúrbios ou até para outras cidades.
Dirão alguns que sou retrógrado, que os tempos mudam e que devemos mudar com eles, que o turismo é também a sobrevivência das cidades e dos países e dos que lá moram. Recuso essa ideia e acrescento que (especialmente) no caso dos Açores, o que devia ser feito era mantê-los exactamente como sempre foram, melhorando algumas infraestruturas, com certeza, e limitando o número de visitantes por ano.
Menos gente, menos plástico, menos cosmética num lugar que atrai quem lá quer ir precisamente pela natureza intocável e deslumbrante e pelo modo de vida de quem lá mora. Veja-se, mais uma vez, o caso de Lisboa e Porto e dos inúmeros agentes turísticos que já se começam a queixar das dores do crescimento súbito e a alertar para o rebentar das costuras e consecutiva insustentabilidade das infraestruturas. Não é por acaso e nem é um exagero. Vários estudos comprovaram já o que mais se temia e de que menos se fala: nas cidades mundiais em que o turismo sofreu um crescimento abrupto, a sua população nativa decresceu igualmente de forma violenta; desistiu ou foi empurrada para fora dali, para os subúrbios ou até para outras cidades.
Estive em Londres há 18 anos. Na altura, e à chegada a Portugal, vários amigos me perguntaram como eram os bares e as discotecas e outras coisas, para mim, menos importantes. Respondi-lhes sempre da mesma maneira: importante é conhecer a cidade. Perceber como funciona por baixo daquela camada gordurosa de corantes e edulcorantes que é o turismo.
Ainda hoje acredito nisso. Acredito que não é preciso uma cidade engalanar-se para receber as visitas. Que deve ser como sempre foi, que os seus encantos estão lá como sempre estiveram e que não precisam de ser vitaminados para agradar a quem vem de fora. No caso dos Açores acredito nisso com ainda maior convicção e receio, com um medo que é quase pânico, de que esteja a crescer uma nova ilha da Madeira naquele ponto do Atlântico: saloia, cara, feita de luzes fluorescentes e casinos e bares de karaoke. Se assim for, começa a desaparecer um dos últimos paraísos na terra e um que para nós, por muito que não nos tenhamos dado conta, era bem mais importante do que qualquer escritor, futebolista ou chefe de cozinha.
Ainda hoje acredito nisso. Acredito que não é preciso uma cidade engalanar-se para receber as visitas. Que deve ser como sempre foi, que os seus encantos estão lá como sempre estiveram e que não precisam de ser vitaminados para agradar a quem vem de fora. No caso dos Açores acredito nisso com ainda maior convicção e receio, com um medo que é quase pânico, de que esteja a crescer uma nova ilha da Madeira naquele ponto do Atlântico: saloia, cara, feita de luzes fluorescentes e casinos e bares de karaoke. Se assim for, começa a desaparecer um dos últimos paraísos na terra e um que para nós, por muito que não nos tenhamos dado conta, era bem mais importante do que qualquer escritor, futebolista ou chefe de cozinha.
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