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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, março 28, 2016

A MORTE RÁPIDA DE UMA IDEIA ROMÂNTICA DE PARAÍSO



Estive nos Açores há 17 anos. Na altura,por mais ou menos 200 euros, podíamos escolher três viagens de avião: uma para deixar o continente, duas entre ilhas e a de regresso era oferta da casa. Na altura, já havia turistas em São Miguel, viajantes no Faial, exploradores no Pico e eu e a minha namorada nas Flores.

Na altura, os Açores eram a minha ideia de paraíso na terra. Um lugar intocável, uma beleza natural impressionante e pessoas simpáticas e acolhedoras na medida certa.

Como em tudo na vida, mudam-se os tempos e muda tudo. Hoje as furnas são fechadas e já não se pode lá cozinhar o cozido como antigamente a não ser que se pague um bilhete. O acesso à Caldeira Velha, hoje em dia, é como um acesso a uma qualquer piscina municipal. Ou seja, os Açores começaram a cobrar por algo que era uma das principais e mais importantes características do arquipélago: a integração perfeita da população na natureza.

Dizem os responsáveis que é para o bem da população, que todos ganham. Eu tenho sérias dúvidas, especialmente quando os mesmos responsáveis anunciam com orgulho que vão aumentar o número de camas no arquipélago e assim dar resposta ao número crescente de turistas. O que isso quer dizer é que vão aumentar também as lojas de souvenirs, os produtos para inglês ver e o custo das dormidas e comidas. 

É o turismo na sua máxima força a fazer o que faz sempre: a transformar, a adaptar e a estragar o que havia. É o turismo a moldar um sítio às necessidades dos que trazem dinheiro nos bolsos. O mesmo turismo que transformou Lisboa e Porto nos parques temáticos de um país que na verdade não existe, em hologramas de coisas que não estão realmente lá, em caras feias pelo excesso de operações plásticas e maquilhagem de má qualidade.

Dirão alguns que sou retrógrado, que os tempos mudam e que devemos mudar com eles, que o turismo é também a sobrevivência das cidades e dos países e dos que lá moram. Recuso essa ideia e acrescento que (especialmente) no caso dos Açores, o que devia ser feito era mantê-los exactamente como sempre foram, melhorando algumas infraestruturas, com certeza, e limitando o número de visitantes por ano.

Menos gente, menos plástico, menos cosmética num lugar que atrai quem lá quer ir precisamente pela natureza intocável e deslumbrante e pelo modo de vida de quem lá mora. Veja-se, mais uma vez, o caso de Lisboa e Porto e dos inúmeros agentes turísticos que já se começam a queixar das dores do crescimento súbito e a alertar para o rebentar das costuras e consecutiva insustentabilidade das infraestruturas. Não é por acaso e nem é um exagero. Vários estudos comprovaram já o que mais se temia e de que menos se fala: nas cidades mundiais em que o turismo sofreu um crescimento abrupto, a sua população nativa decresceu igualmente de forma violenta; desistiu ou foi empurrada para fora dali, para os subúrbios ou até para outras cidades.

Estive em Londres há 18 anos. Na altura, e à chegada a Portugal, vários amigos me perguntaram como eram os bares e as discotecas e outras coisas, para mim, menos importantes. Respondi-lhes sempre da mesma maneira: importante é conhecer a cidade. Perceber como funciona por baixo daquela camada gordurosa de corantes e edulcorantes que é o turismo.

Ainda hoje acredito nisso. Acredito que não é preciso uma cidade engalanar-se para receber as visitas. Que deve ser como sempre foi, que os seus encantos estão lá como sempre estiveram e que não precisam de ser vitaminados para agradar a quem vem de fora. No caso dos Açores acredito nisso com ainda maior convicção e receio, com um medo que é quase pânico, de que esteja a crescer uma nova ilha da Madeira naquele ponto do Atlântico: saloia, cara, feita de luzes fluorescentes e casinos e bares de karaoke. Se assim for, começa a desaparecer um dos últimos paraísos na terra e um que para nós, por muito que não nos tenhamos dado conta, era bem mais importante do que qualquer escritor, futebolista ou chefe de cozinha.