kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

sexta-feira, junho 22, 2012

A SUBVERSÃO TEM MUITA PINTA

É verdade, a subversão, o acto de subverter, de desobedecer, a vontade de não ser submisso e de se revoltar é, por estes dias, uma trend com bastantes discípulos. Uma moda, uma corrente estética, disseminada pelas redes sociais (ironicamente) e que na verdade, exceptuando alguns casos pontuais, não tem reais objectivos políticos ou sociais e que não faz grande bem pela humanidade, pelo povo, ou pelas condições de vida seja de quem for. 


Os hipsters da subversão ocupam-se portanto de causas que desafiam o poder político, argumentando que essas mesmas causas ajudam a comunidade e que são projectos viáveis e de interesse público. Se são assim tão importantes e úteis, porque é que os hipsters subversivos não as apresentam às entidades que as poderiam validar e, quem sabe apoiar? Simples. Porque isso seria abdicar do que realmente interessa a estes revolucionários de pacotilha: o perfume da subversão, o romantismo da rebelião, a adrenalina do confronto. O seu real interesse é desafiar, nada mais. E quanto isso, nada contra. É, como sempre foi, essencial desafiar o poder político e os lobbies. Mas é ainda mais essencial fazê-lo porque se acredita nisso e não porque é fixe. Basicamente, se querem ser subversivos, sejam-no de coração e não porque os meios de comunicação andam à espreita da nova manifestação ou ocupação de edifícios abandonados.


Mas isso é que já é mais complicado. Estes novos subversivos da treta não querem nada com o poder político e perante a possibilidade de, apoiados pelo poder autárquico, fazerem algo pela comunidade que tanto dizem defender, preferem desistir de tudo e reclamar do que aceitar as regras e começar a trabalhar. A ocupação da escola da Fontinha era um projecto fantástico e tinha uma utilidade pública inegável. Tivessem os ocupas apresentado o projecto à Câmara do Porto e, quem sabe, a coisa até poderia ter tido pernas legais para andar. Nunca saberemos. Não só porque o executivo de Rui Rio é o que se sabe, mas também porque tudo foi feito ao contrário: primeiro dispara-se, depois pergunta-se e depois chora-se em frente às câmaras e microfones da comunicação social "que fomos muito mal tratados e o povo estava do nosso lado e eles são uns insensíveis e o Rio é uma merda". Assim tem mais piada. Assim sentem o sangue a correr-lhes nas veias. A coisa feita burocraticamente não cheira a caça. Não tem pinta, não é fixe; seriam uns fracos, uns traidores à causa subversiva se entrassem em conversações com quem decide as coisas - mal ou bem - neste país. 

E no meio de toda esta luta contra o poder político e decisório - a única coisa que realmente lhes interessa - esquecem-se de que podiam realmente fazer alguma coisa de jeito pelo que aparentemente são os seus objectivos. Porque a verdade é que ocupar uma biblioteca abandonada num jardim do Porto é muito pouco para quem se diz tão preocupado com a cidade e com o trabalho da autarquia. Porque não se dedicam a ocupar todos os prédios abandonados da cidade? Porque não se dedicam a outros problemas que o Porto realmente tem? Porque não se manifestam contra outros assuntos menos locais e que dizem tanto a tanta gente? Porque é que não defendem realmente a liberdade de expressão que tantas vezes usam como estandarte da sua causa e invadem a sede da ERC, por exemplo? Porque é que não invadem o parlamento...?


Pior do que isso, porque é que são arrogantes e criticam aqueles que sentados criticam os que querem a mudança. Qual mudança? De que maneira? O que é que já mudaram? Nada. Absolutamente nada. Pior é acharem que os sentados não são dignos de exercerem subversão. Que não se pode ser subversivo escrevendo ou compondo. Pior, é o facto de dependerem tanto do dito sistema que querem combater. É dependerem das redes sociais e dos órgãos de comunicação para fazerem passar a sua mensagem, se é que têm alguma. Pior é serem perfeitamente ingénuos e acreditarem que as coisas, estas coisas, se podem fazer sem ser pelo meio burocrático; sem ser pela conversa com quem manda, sem se pedir autorização. Pior é não perceberem a mítica frase "the revolution will not be televised" ou terem-se esquecido dela. E querem ser respeitados, e querem ser levados a sério, e querem - e isto sim, é preocupante - ser um poder, político e social, de intervenção, decisão e influência. São contra o sistema e não percebem, ou sim, percebem, que eles próprios são um sistema. Pouco útil, é verdade, mas um sistema. Que poderia ser útil e fundamental, mas que se perde em brincadeiras de crianças mimadas e birrentas e não passa de um postal ilustrado da futilidade que se instalou na sociedade dos indignados e descontentes.

sábado, junho 16, 2012

ACERCA DA CULTURA: A LITERATURA EM PORTUGAL

A informação vem publicada no caderno ATUAL do jornal O EXPRESSO de hoje e mostra que na semana de 28 de Maio a 3 de Junho, os livros mais vendidos em Portugal foram os seguintes: 

Ficção:
1- O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro
2 - O Maior Concurso de Anedotas do Mundo, de Geronimo Stilton
3 - D. Maria II, de Isabel Stilwell
4 - Aquilo em Que Eu Acredito, de Helena Sacadura Cabral
5 - Os Anjos Não Têm Asas, de Ruy de Carvalho
6 - A Confissão da Leoa, de Mia Couto
7 - Diário de Um Banana 3: Última Gota, de Jeff Kinney
8 - Uma Aventura no Sítio Errado, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada
9 - Os Cinco e o Circo, de Enid Blyton
10 - Claudina no Colégio de Santa Clara, também de Enid Blyton

Não Ficção:
1 - A História Não Acaba Assim, de Miguel Sousa Tavares
2 - A Dieta dos 31 Dias, de Ágata Roquette
3 - O Banco, de Marc Roche
4 - Forças Armadas em Portugal, de J. Loureiro dos Santos
5 - O Céu Existe Mesmo, de Todd Burpo
6 - Matemática em Portugal, de Jorge Buesco
7 - Emagreça Comigo, de Teresa Branco
8 - Olhos nos Olhos, de Judite Sousa
9 - Ganhar Com as Apostas Desportivas, de Paulo Rebelo
10 - Lisboa, de Neill Lochery


Os dados são da GfK Marketing Services e mostram bem o tipo de livros que leva os portugueses às livrarias. Autores portugueses habitualmente mediatizados, livros de auto-ajuda, teorias de conspiração e literatura infanto-juvenil. É isto. E é triste. E é ainda mais triste achar que a culpa é dos portugueses que compram este lixo literário ou, pior, que a culpa é do Governo ou da Secretaria de Estado da Cultura. Não é. É um problema de bases, um problema da educação e, acima de tudo, da educação cultural em Portugal, coisa que nunca existiu. Outra coisa em que aqueles apostados em lutar pela defesa da cultura, os mesmos que perdem tempo a escrever manifestos e a organizar debates "não políticos", deviam pensar. Isso sim, merecia uma luta a sério. 

PROMETHEUS: FALHANÇO DE BALIZA ABERTA

Não há uma maneira simpática de dizer isto: "Prometheus", o novo e tão aguardado filme de Ridley Scott, é uma valente bodega. Duas horas e meia de absolutamente nada. Sem brilho, sem impacto, sem ideias, sem fundamento e, acima de tudo, sem qualidade. É mau. E é terrível dizer isto depois de tantos meses de antecipação. 


Ok, corrijo o «absolutamente nada»: "Prometheus" tem duas coisas boas, no entanto, e vou já tratar de as despachar para depois, então, libertar o fel que estou a acumular desde ontem à tarde. Desde logo a inteligência e a originalidade da premissa. Uma premissa com 33 anos e que em "Alien" passava quase despercebida e não ocupava mais do que uns meros dois minutinhos de filme. Sem desvendar muito deste novo filme, posso adiantar que tudo gira em torno de uma personagem misteriosa - e propositadamente ou não mantida em segredo todos estes anos - sentada numa espécie de trono num salão numa nave num planeta onde os mineiros aterravam. 

Scott volta a essa personagem misteriosa para criar um filme que, não fazendo assumidamente parte da epopeia "Alien", inevitavelmente vive das memórias do universo criado pelo realizador e por H. R. Giger. Ou seja, todos os fãs da série salivaram assim que perceberam que este era o regresso a um sítio familiar e com um potencial sem limite. 

Para além da premissa, "Prometheus" tem um design de produção irrepreensível. Cenários, ambientes, figurinos e todo o tipo de gadgets são realmente impressionantes e por momentos chegam a convencer o espectador de ser este um filme impressionante. Nada mais falso. A plasticidade de "Prometheus" é mesmo só isso: um pedaço de plástico bonito, criado para iludir os mais desatentos.

Porque no seu miolo o filme não tem ponta por onde se pegue e deixa um número impressionante de pontas soltas que nem com a melhor das vontades se conseguem explicar. Nem acreditando que poderá estar na forja uma sequela, se consegue arranjar justificação para tantos detalhes e acontecimentos que, terminado o filme, ficam suspensos no vazio.

É claro, não posso aqui entrar em grandes dissecações. Toda a discussão em torno do que fica por explicar implica desvendar pormenores que, seja o filme bom ou mau, merecem ser descobertos pelo próprio espectador. Mas a verdade é que o argumento de "Prometheus" é mesmo o seu ponto mais fraco, cheio de incongruências, mal amanhado, uma salgalhada inenarrável, nitidamente criado às três pancadas; estranhamente entregue a uma dupla de argumentistas sem grande fama ou mérito reconhecido: Damon Lindelof, um mero tarefeiro de séries de televisão e Jon Spaihts, que assinou aqui somente o seu segundo argumento.

E o filme reflecte inevitavelmente a fraca qualidade da historia. É um filme aos tropeções, com personagens de papel, unidimensionais, sem peso, sem interesse, sem história. Que se limita a repetir - desavergonhadamente, apetecia-me dizer - as referências deixadas precisamente por "Alien" há 33 anos. Temos um robô que sabe mais do que aparenta, temos uma conspiração - que aqui não dura mais do que cinco minutos e acaba quase por passar despercebida - temos uma heroína que a espaços até se parece com Sigourney Weaver e, acima de tudo, temos a mesma fórmula da obra que deu ao cinema um dos seus monstros mais admirados.   


Mas todos estes elementos da narrativa e todos os acontecimentos mais ou menos importantes do filme, são tratados com uma displicência nada comum em Ridley Scott. Acaba tudo por ser demasiado superficial e o filme, que prometia um impacto e uma grandiosidade que já fazem falta há muitos anos neste tipo de cinema, é fraco, sem força e pequenino, quase como se tivesse sido realizado por um amador. Quase como se a dada a altura alguém tivesse dito "pronto, isto tem mesmo que ser feito". E é um filme menor, sem suspense, sem acção, sem medo, sem nada.


Duas horas e meia depois, nada do que se passa em "Prometheus" permanece na cabeça de quem o viu. A única coisa que fica é o gosto azedo de quem se sente ludibriado e desiludido. Um pouco como se sente quem vê o seu jogador preferido de futebol falhar um golo de baliza aberta. Ou seja, com tudo para marcar golo e brilhar e ficar conhecido para sempre nem que seja por esse único momento. Ridley Scott tinha tudo para brilhar e para regressar (como a promoção de "Prometheus" garantia) ao género que ajudou a reinventar. Falhou redondamente e por culpa própria. E falhou conscientemente, porque a última cena do filme só pode ser explicada com a vontade de agradar aos fãs da série "Alien" e de os compensar por duas horas e meia de uma eterna e desesperada espera: por duas horas e meia de uma (falsa) promessa do regresso a um cinema que fez história há 33 anos e que criou dois filmes clássicos - o de Scott e o de James Cameron. 


"Prometheus" é o flop do ano. E não há maneira simpática de dizer isto.

sexta-feira, junho 15, 2012

ACERCA DA CULTURA: O TEATRO EM PORTUGAL

Numa altura em que as dificuldades dos agentes culturais estão para ficar ainda mais pesadas, muito podia aqui discorrer acerca de tudo o que se apresenta como condicionantes da produção cultural em Portugal: a falta de sensibilidade, apoio, conhecimento e cultura dos sucessivos governos; a falta de educação cultural de todo um povo; a falta de ânimo e força de quem quer ser artista num país impróprio para o serviço.


É isto que os ditos agentes culturais passam a vida a fazer. A atacar os alvos fáceis, evidentes e apetecivelmente mediatizados, sem, no entanto, falarem das culpas próprias. E são muitas. E têm de ser tão discutidas quanto todas as outras. E eu teria muito para falar das culpas dos governos. Sinceramente? Estou farto disso. Do caminho mais fácil.


O Bloco de Esquerda tem sido o partido mais apostado em revolucionar a situação cultural do país. São propostas, debates e manifestos, todos com o mesmo objectivo, ou seja, facilitar a produção e programação artísticas e culturais e, ao mesmo tempo, fazê-las chegar mais facilmente às populações. Claramente o Bloco de Esquerda não vai ao teatro. Ou se vai não paga bilhete.


Só a título de exemplo: o espectáculo que actualmente está em cena no Teatro Carlos Alberto, e que resulta de uma parceria com o Teatro Nacional São João (TNSJ), tem um preço de entrada de, nada mais, nada menos, 16 euros. E a pergunta é muito simples: quem paga este valor para ir ao teatro? Muito pouca gente. Quase ninguém. Por isso mesmo é habitual ver uma sala cheia na estreia de um espectáculo e em seguida sessões canceladas por falta de público.


A aritmética é bastante simples e funciona para o teatro profissional como para o teatro amador ou universitário. A bilheteira da carreira de um espectáculo estará sempre longe do orçamento total para a execução desse mesmo espectáculo. Mesmo com casa cheia todos os dias. Porquê? Por várias razões. Porque há encenadores a receber dez mil euros por trabalho. Porque há desenhadores de luz que cobram 2500 euros por trabalho. Porque os directores das companhias de teatro retiram para si ordenados escandalosos. Porque os grupos e companhias que ainda recebem subsídio do Estado e os profissionais que vivem das artes do palco criaram um monstro que precisa ser alimentado. Os altos valores que se pagam no teatro - não a toda a gente, claro está - são um dos problemas de que não se fala. 

Outro dos problemas é a falta de união e de alguma solidariedade, até, entre profissionais do teatro. Por ocasião do dia mundial do teatro, em Março, assisti a uma tertúlia que reuniu a quase totalidade dos grupos e companhias de teatro do Porto, TNSJ inclusive. Pouco falaram os responsáveis pelo teatro que se faz no Porto dos problemas e das dificuldades da arte em si. Falaram muito do que fazem, de quanto público têm, das suas próprias dificulades e falaram e muito do governo e da política cultural. Ou seja, e como sempre, falaram muito do seu umbigo mas não do cotão que por lá acumulam. 

Repito o que tive a oportunidade de dizer nessa ocasião: as pessoas do teatro esqueceram-se de que também são - ou deveriam ser - público. Não se interessam pelo que a concorrência anda a fazer e vivem num castelo, desconfiados da vizinhança. Não apoiam nem colaboram com grupos mais «pequenos» e falam muito da importância dos grupos emergentes, amadores e universitários, mas olham para eles de esguelha, como se fossem menores ou menos importantes. Não são e vão ser fundamentais. Numa altura em que os profissionais já choram a morte dos seus projectos, estes grupos «pequenos» vão assumir uma importância vital na oferta cultural. Porquê? Porque não cobram 16 euros por bilhete.

O Teatro Universitário do Porto (TUP), feliz ou infelizmente, não depende, como os profissionais, dos subsídios da Secretaria de Estado da Cultura. O TUP não tem problemas de público e, como todos os outros, não paga os seus espectáculos com a bilheteira. Paga-os com o dinheiro que recebe da reitoria da universidade e com o apoio da Gulbenkian. Quer isto dizer que quando um espectáculo é levado a cena já está pago pelas entidades que nos apoiam. Tal e qual como os espectáculos profissionais. A bilheteira é meramente uma tentativa de ter mais uns trocos para outras actividades, projectos e acções de formação. Nada mais. Por isso mesmo o TUP não cobra 16, 14, 10 ou sequer 7,5 euros por bilhete. E é por isso mesmo que um espectáculo de fim de curso de iniciação à interpretação em dez dias de carreira tem oito dias de lotação esgotada. E é assim que se cria público, é assim que se conquistam novos candidatos ao TUP e, acima de tudo, é assim que fidelizam espectadores, algo com que definitivamente os profissionais não se preocupam. Mas queixam-se.

Queixam-se de barriga cheia. Cheia de maus hábitos, de vaidade injustificada, de soberba desmedida, de anos de vacas gordas mal aproveitadas. Vacas gordas que não deram em nada, nem reconhecimento, nem fama, nem qualidade, nem espectadores, nem confiança do público, constantemente desiludido com os espectáculos que são o espelho dessa mesma vaidade. Espectáculos feitos para o umbigo do encenador, distantes do público português e que quase se diria terem nos profissionais do ramo o seu único alvo. Mas nem esse vão ao teatro a não ser que recebam convites. E todos falam mal nas costas dos outros, e todos gozam com os espectáculos dos outros e todos desdenham os outros. Em comum, só têm o facto de serem uns valentes choramingas.

Manifestos como o do Bloco de Esquerda, são o reflexo da falta de conhecimento da realidade teatral no nosso país. São o resultado de quem ouviu os queixumes sem saber o que realmente se passa. De quem está programado para atacar o alvo mais evidente sem perceber ou querer perceber que as culpas são muitas - muito mais do que se imagina - e distribuídas por quem dá o dinheiro e por quem o utiliza. Que não percebe que os profissionais do teatro estão-se marimbando para o público e que na verdade não quer mais do que um advogado, um engenheiro, um professor ou um vendedor de meias na feira: ganhar o seu e o resto que se lixe. Ainda assim, há quem tenha a lata de dizer que o Teatro Nacional São João tem o papel de levar o teatro ao povo. A 16 euros por bilhete? Só se for ao povo da Alemanha.  


Não retiro qualquer prazer das dificuldades que a cultura atravessa. Tenho mesmo pena que Portugal seja um país em que, quando a crise aperta, seja a cultura a primeira a pagar a factura. Entendo - e sinceramente não percebo como os governos não o entendem - que a cultura pode ser uma máquina de produzir riqueza. Riqueza cultural e riqueza financeira. Mas recuso-me a embarcar nesta onda de hipocrisia dos que produzem teatro e de ignorância dos que querem fazer alguma coisa pela cultura portuguesa. Percebam, por exemplo, como é que uma companhia de teatro portuense geriu a sala que tinha ao seu dispor e vão entender um bocadinho do que realmente deveria estar a ser discutido.




sexta-feira, junho 08, 2012

STAND UP?

Ao longo dos anos, várias foram as ocasiões em que opinei neste blog acerca do estado do stand up comedy em Portugal. Muito por causa das minhas considerações, sou tido como um tipo difícil, esquisito, demasiado exigente e, nas palavras dos meus próprios irmãos, um hater. Assumo com orgulho todos os epítetos.

Volto ao assunto pela simples razão de que, provavelmente, nunca houve tanta gente em Portugal a fazer stand up. Nem na fase do Levanta-te e Ri havia esta quantidade absolutamente impressionante de homens e mulheres dispostos a subir a um palco para fazer rir as plateias de bares e salas de espectáculo. Quer isto dizer que o stand up não só sobreviveu às constantes ameaças de morte prematura como está a crescer a cada dia que passa? Longe disso

É verdade: os «comediantes» de stand up que estiveram na linha da frente desta arte do entretenimento continuam uma carreira com mais ou menos sucesso, e todos os dias surgem novos aspirantes como se tivessem sido plantados com adubo geneticamente alterado para um mais rápido florescimento. De novo a pergunta: quer isso dizer que... Não, não quer. Os comediantes que já andam aqui há uns anos limitam-se a repetir as rotinas de sempre ou a criar novas claramente desinspiradas, e os aspirantes, salvo honrosas e raríssimas excepções, são maus a todos os níveis.

Os primeiros, os veteranos, engordaram, anafaram, e aburguesaram-se. São estrelas de talk shows deprimentes e mal amanhados, actuam nos casinos e esqueceram-se de que o bar - e quanto mais refundido melhor - é o berço e o lar do stand up  e já não trabalham por qualquer punhado de tostões. São estrelas, vedetas do stand up, como se isso algum dia fosse imaginável no nosso país.

Os segundos, os aspirantes a qualquer coisa, resultam de dois universos bastante distintos. O primeiro universo é composto pelos que já perderam muitas horas a ver comediantes de stand up e querem copiar os ídolos. Quanto a estes nada contra. É legítimo o que os move. No entanto, acho sempre muito estranho que tenham visto tantos videos no You Tube mas que não conheçam os nomes incontornáveis da arte que querem agora dominar. Para além disso, e como já referi acima, são maus em muitos aspectos do stand up. Não sabem estar em palco, não sabem encarar o público, não definem um estilo ou uma personagem e usam frequentemente cábulas - sobre este último pormenor apetece-me dizer que o uso do copianço vale o mesmo que um actor de teatro subir a palco com o texto na mão de maneira a não falhar as deixas. Para além disso, quer parecer-me que o sinal maior de que o que fazem não resulta, é quando sobem a palco perante uma plateia constituída em grande número pelos seus amigos e nem esses se riem...

O segundo universo está pejado de actores e apresentadores de programas aparentemente humorísticos e que perceberam no stand up uma forma extra de ganhar uns cobres. Quanto a isso nada contra também. Exceptuando que os actores não conseguem deixar de ser actores - algo que colide de frente com o exercício de simplesmente conversar com um público - e os segundos não têm jeitinho nenhum para a coisa - não vai há muito tempo, um actor mais ou menos famoso participou num concurso de stand up só para ouvir o júri dizer "seria brilhante se o texto fosse teu. Mas és um bom actor".

Para além do exército de «comediantes» de stand up formado nos últimos anos, existe uma profusão verdadeiramente espantosa de cursos e concursos que não fazem mais do que criar e, pior do que isso, dar tempo de antena a comediantes que só podem ser chamados de comediantes quando devidamente acompanhados por « e ». E este fabrico maciço de intérpretes de stand up não faz mais do que construir mercado e destruí-lo ao mesmo tempo. Não nos podemos esquecer de que isto envolve pessoas que estão dispostas a pagar para ver alguém a fazer humor. Ora, se esse humor não faz rir quem paga, o resultado só pode ser um constante aproximar e afastar de público. Público esse que por causa de uns já não vai querer pagar para ver os outros. É um ecossistema tramado, mas que não pode ser acusado de ser injusto.

Outro fenómeno que subitamente surgiu e que ainda mais rapidamente proliferou foi o da comédia de improviso. De repente, e nomeadamente em Lisboa, apareceram não sei quantos grupos de «comediantes» apostados em fazer improv - nome de guerra - e que se limitam a repetir o que o grupo vizinho faz, sem tirar nem pôr. Esta repetição de rotinas é inevitável, porque todos os grupos vão beber à mesma fonte, ou seja, a exercícios básicos de aprendizagem teatral e que podem facilmente ser consultados em sites, como por exemplo, o da Wikipedia. Não é lá grande trabalho de pesquisa, não requer grandes habilidades ou trabalho de casa e resulta, invariavelmente, porque é um tipo de humor que depende muito do público graças à forte componente de interacção. Vai resultando, mas a maioria das vezes tem o mesmo triste fim que o stand up que se faz por cá: um longo, penoso e interminável exercício de vergonha alheia.

Sempre o disse e, infelizmente, volto a dizê-lo: em Portugal há dois bons comediantes de stand up. Gente que já cá anda há uns anos e que mantém um nível muito superior ao dos outros veteranos. Depois há os chico-espertos, tipos que se souberam mexer muito bem, que perceberam o lobby que vampiristicamente sobrevive com um pé na televisão, rádio e imprensa escrita, e com o outro na dinâmica das salas de espectáculo lisboetas, onde tudo é admitido sem grandes critérios de qualidade. São os Salvadores Martinhas, Vilões, Cordes, Boinas, Níltones e muitos mais da nossa praça. Gente que parou no tempo e/ou que se acha muito mais engraçada do que realmente é. Por fim há os emergentes. Destes há dois ou três realmente bons. O resto, lamento, é ruído de fundo, alimentado por quem organiza os cursos e concursos e que os convence (erradamente) de que têm qualidade e futuro.

Isto tudo para dizer que o stand up em Portugal é uma estranha mas necessária biodiversidade. São muito poucos os que realmente se safam, mas são todos os outros, os mauzinhos, que mantêm o hábito e que cada vez mais levam o stand up a salas e bares, mantendo-o vivo mas, infelizmente, a cheirar mal. Fazem bem em querer dar vida a uma arte que é muito mais do que simplesmente fazer rir. Pena é que o façam sem ferramentas, sem qualidade e, primordialmente, sem piadinha nenhuma.

quinta-feira, junho 07, 2012

A SELECÇÃO E OS «INTELIGENTES» - 2

Há duas maneiras de abordas o timing das declarações de Manuel José e Carlos Queirós acerca da forma como a preparação da selecção foi gerida. Muitos dirão que falar mal antes do tempo prejudica jogadores e restante equipa técnica; outros, que falar depois do campeonato seria um potencial aproveitamento da possível má prestação de Portugal no campeonato europeu de futebol. Eu digo que ambas as hipóteses são um aproveitamento de algo que acompanha sempre o futebol português: a visibilidade dos intervenientes. Externos, neste caso. 


Portugal é um país de treinadores de bancada. Das mesas de café às cadeiras dos estádios, passando pelas páginas dos jornais e programas televisivos, o batalhão de comentadores de futebol é também uma imensidão de boçalidades que parece não querer para de crescer. E percebe-se. O futebol representa sempre uma win-win situation. Se a equipa ganha, temos quilómetros de notícias, comentários e análises. Se a equipa perde, maior é a quantidade de informação gerada.


Portanto, e neste caso em particular, as declarações de José e Queirós são particularmente preocupantes porque partem de pessoas que estão directamente ligadas ao futebol português. Por outras palavras, são declarações proferidas por profissionais da bola, com experiência mais do que suficiente para saberem que essas mesmas declarações fariam estrago e teriam a devida - e desejada - propagação mediática. Ou seja, deveriam ter estado caladinhos, antes e depois do campeonato europeu. Em especial Queirós, que facilmente e para sempre será acusado de dor de corno de ex-seleccionador falhado.


Posto isto, convém no entanto fazer justiça às críticas dos dois treinadores. Porque realmente o folclore que rodeou e rodeia diariamente a selecção portuguesa de futebol é um exagero a que ninguém fica indiferente. E é-o, única e simplesmente, porque há muito boa gente a ganhar dinheiro às custas da equipa. Órgãos de comunicação, patrocinadores oficias e não oficiais e, lá está, os tais treinadores de bancada que ganham a vida a fazer o que José e Queirós fizeram. É demasiada tentação, digo eu.


No fundo, e para terminar um assunto que nunca o deveria ter sido, reitero o que já havia dito: toda a gente leva demasiado a sério esta coisa do futebol e de participarmos numa fase final de um campeonato europeu. É só um campeonato europeu, o grupo é o mais difícil de que há memória, e Portugal, por inúmeras razões, vai ter de esperar muitos, mas muitos anos até voltar a conquistar a presença numa final de uma competição desta dimensão. Só que os interessados na glória e na desgraça da selecção não se convencem disso...

sábado, junho 02, 2012

A SELECÇÃO E OS «INTELIGENTES»

Irrita-me esta febre em torno da participação de Portugal no europeu de futebol. Carradas de anúncios por toda a parte, programas especiais que de especial não têm nada, entrevistas a jogadores e a ex-jogadores e a supostos especialistas da arte de jogar à bola e uma histeria generalizada que de bom não tem nada. Mas irritam-me ainda mais as pessoas que publicamente se têm assumido como anti-selecção. Não por algum sentimento patriótico ou nacionalista - doenças de que nunca padeci - mas porque o motivo desse odiozinho é fraco, desprovido de sentido e, no limite, perfeitamente estúpido.

Argumentam esses indivíduos que desprezam a selecção de futebol e o europeu porque de repente o povo se vai esquecer da crise e das dificuldades como se nada de preocupante se passasse. Ainda bem, digo eu. Foi por isso mesmo que algum dia alguém inventou a noção de entretenimento. É por isso que passamos a vida a defender as artes do entretenimento, para que sirvam como escape a toda a merda que, normalmente, nos rodeia nas nossas vidinhas. 

É por isso que vamos ao teatro, lemos um livro, vemos um filme, ouvimos música e, sem dúvida alguma, vemos jogos de futebol ou outro desporto qualquer. É para, mesmo sem darmos conta de que o estamos a fazer, nos distrairmos de tudo o resto e para, pelo menos por hora e meia, podermos pensar noutra coisa que não nos nossos problemas. Acreditar que um povo se esquece da crise porque está a decorrer uma competição de futebol é, no mínimo, infantil. 


Sim, em tempos de crise, a despesa que resulta desta participação no europeu da Ucrânia e da Polónia é uma tanto ao quanto chocante. Por outro lado, achar que Portugal se podia esquivar ao evento e que esse mesmo dinheiro podia ser investido na saúde, na educação ou no emprego é só absolutamente parvo e não merece sequer ser aprofundado pelo cronista.


O problema do nosso país é que sempre nos faltou dinheiro para aceder ao entretenimento. Se vamos ao teatro, vamos apenas uma vez por mês ou menos, que os bilhetes estão pela hora da morte. Comprar livros, então, está fora de questão e o que vale é que no Natal há sempre alguém que se lembra de que ainda gostamos de ler e vai e compra-nos um livrito qualquer. O futebol tem essa vantagem, dá-nos uma hora e meia de diversão gratuita. Neste caso, uma hora e meia multiplicada por alguns dias a que acresce o suspense da incerteza: é desta que somos campeões?

Falar mal por falar sempre foi uma das formas de entretenimento privilegiadas em Portugal. O que estes indivíduos fazem é isso mesmo, falar mal por falar. É uma espécie de intelectualismo bacoco, um marxismo pop resultante de um marxismo mal lido, se lido de todo. É acidez biliar sem nexo, de pessoas que até defendem as artes, que produzem entretenimento, que incentivam ao gasto de dinheiro para assistir a eventos que no fundo têm o mesmo objectivo do campeonato europeu de futebol ou os jogos olímpicos ou o Rock in Rio. São pessoas com demasiado tempo livre nas mãos. Como eu, que perdi cinco minutos do meu Sábado para escrever sobre elas.