É impossível não comparar "Brüno" com "Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan ". É impossível não comparar os dois personagens criados por Sacha Baron Cohen, precisamente porque o autor não nos permite. A fórmula utilizada por Cohen, a mecânica com que trabalha os seus alter-egos e o tipo de mockumentary que escolheu para lhes servir de plataforma obrigam a comparação. E o que facilmente se conclui é que "Brüno" sai claramente a perder. Por várias razões.
Desde logo porque o austríaco repórter de moda não tem, e não parece pretender ter, qualquer empatia com o público. Borat cativa a audiência, torna o espectador seu cúmplice e amigo compreensivo. Brüno simplesmente provoca.
Para além disso não tem tanta graça. De um filme para o outro nota-se uma compreensiva canseira, um esgotar da tal fórmula explicado talvez pela escolha do mesmo grupo de «vítimas», os americanos. Embora em "Brüno" Sacha Baron Cohen se atire também (e novamente) aos judeus e aos muçulmanos, a verdade é que 90% do filme anda às voltas com a ignorância e o preconceito dos cowboys. Já tínhamos entendido isso com os documentários de Michael Moore e com a série de televisão onde Borat se divertia a atormentar as mentalidades pequeninas dos da terra do uncle Sam. Voltar a isso e ainda por cima tendo de fazer uma inversão de marcha na auto-estrada sem piscas ou faróis e à noite no personagem que supostamente havia sido inventado para atormentar as mentalidades pequeninas dos da terra da moda, só significa uma coisa: Cohen percebeu o alcance universal de Borat Sagdiyev e o sucesso comercial do seu filme e quis fazer o mesmo com "Brüno", sem perceber que Brüno claramente não tinha o mesmo potencial.
Do filme espelha uma gritante falta de idéias e uma clara ausência de um argumento sólido que transporte os sketches mais ou menos reais, mais ou menos encenados - já falarei disto - e que evite o simples corta e cola de situações tresmalhadas. "Borat..." conseguiu-o na perfeição, "Brüno" falha redondamente. Não há uma história consistente, por muito ridícula que fosse, e a sua hora e meia de duração não é mais do que uma colecção de episódios sem lógica ou harmonia. Alguns chegam mesmo a ser meramente decorativos, não servindo sequer para provar qualquer ponto de vista que Cohen pudesse eventualmente ter acerca deste ou daquele assunto.
Lá mais para o meio do filme, depois de já termos sido confrontados com a intolerância e ignorância de (alguns tipos de) americanos, lá nos apercebemos de que afinal poderá haver ali uma mensagem anti-homofobia. Porque até essa altura temos apenas acesso a um homem, por acaso homossexual, que se dedica a deixar os seus entrevistados baralhados e sem saberem o que dizer ou fazer. Mais nada. Borat fazia-o com uma elegância nada condizente com a sua figura trapalhona e truculenta. Brüno... não.
Louve-se a coragem de Sacha Baron Cohen. Poucos comediante seriam capazes de se colocar em situações como as que vemos em "Brüno" e que já havíamos visto em "Borat...". Em muitos casos estamos a falar de situações que ameaçam seriamente a integridade física do seu autor. Ou não. Porque muitas delas começam a cheirar fortemente a encenação, algo que em "Borat..." não era tão evidente, e porque já não conseguem disfarçar alguma artificialidade nas acções dos falsos repórteres de Cohen. "Brüno" cheira a fake, a plástico a demasiado intencional para ser imparcial. Imparcial não no conteúdo e no objectivo; já sabemos que o alvo ali são os americanos. Imparcial mas na forma como se realiza um filme supostamente construído por «apanhados» à boa maneira televisiva.
Provavelmente nunca se saberá até que ponto as investidas de Sacha Baron Cohen são reais ou não, encenadas ou improvisadas; o homem conseguiu de forma notável proteger a sua intimidade social e, acima de tudo, criativa. Percebeu que era impossível fazer o que faz se demasiada gente soubesse demasiado de si próprio. Por isso mesmo nunca há-de haver um making of de nenhum dos seus filmes. Resguardou-se. E fez bem, mas devia aproveitar essa vantagem anormal às grandes estrelas do cinema para produzir objectos diferentes e valiosos no campo da denúncia/divulgação. Está a perder o jeito. Algo que não é estranho; personagens como as que criou - Ali G e os dois deste texto - têm sempre um prazo de validade reduzido. Seria bom, quanto mais não fosse, e se tiver algum plano de lhes dar novamente tempo de antena, mudar de vítimas. E essa é uma das questões que são incontornáveis em "Brüno", a escolha das vítimas. É certo que o filme começa em Los Angeles, mas não é menos verdade que rapidamente se muda para o midwest americano; um meio rural, pouco informado, inculto e onde os valores ortodoxos da família e religião estão ainda fortemente inculcados. Não seria interessante desenvolver as mesmas experiências sociais de exposição e confronto, por exemplo, na velha Europa? Porque não vai Borat para a Rússia? Porque não manda Cohen o seu repórter gay para o Irão? Ou para Portugal? Acham mesmo que os resultados seriam assim tão diferentes?
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