OS MEDIA (E ESTÁ TUDO DITO)
No Jornal de Notícias (JN) de hoje, dia 04 de Novembro, de
todos os títulos que faziam a primeira página, havia um que pelo tamanho das
letras mais se destacava: MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO GAY. Ao JN já não chega
MORTO NO SHOPING ou MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO SEXUAL para ser
suficientemente chamativo e MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO HETEROSSEXUAL seria
somente estapafúrdio. Como é estapafúrdio realçar a natureza do encontro sexual
em causa de maneira a chamar mais gente à sua primeira página.
Mas é assim o recente JN, jornal que primava pela qualidade mas
que há já algum tempo, em virtude da quebra nas vendas, digo eu, decidiu correr
atrás de um estilo que tornou famoso e tão procurado um seu concorrente
lisboeta, o famigerado Correio da Manhã que, por razões amplamente conhecidas,
é o jornal diário com maior tiragem em Portugal. Fica mal ao JN enveredar pelo
sangue e pelo escândalo de pacotilha na tentativa de conquistar – ou reconquistar
– leitores. Fica mal pelo método adoptado; pela procura da polémica, pelo
empolar de acontecimentos do dia-a-dia e pela notícia cor-de-rosa, tão do
agrado de uma vasta e variada camada da população.
Nos dias em que tanto se tem falado de e repugnado com a
forma como os media têm tratado o caso que opõe Bárbara Guimarães ao seu ainda
esposo Manuel Maria Carrilho, importa discutir e perceber a diferença entre
jornalismo e aquilo que canais de televisão e imprensa escrita fazem em
Portugal. O que estes órgãos de comunicação fazem – e o que o JN fez na
primeira página acima citada – não é jornalismo. Os assuntos que tratam são
notícia, têm valor de notícia e são, na sua maioria, do interesse do público em
geral. O caso da apresentadora da SIC e do ex-ministro da cultura não é uma
excepção. Por muito que se tente disfarçar, coisas como as que se têm passado
com as duas figuras públicas despertam a curiosidade mais mórbida e são um óptimo
tema para intermináveis conversas de café.
Não é, portanto, o acontecimento que está em causa mas sim a
forma como este é tratado pela comunicação social. É isso que repugna mesmo os
mais desprovidos de escrúpulos e, embora não pareça, o que revolta muitos
profissionais de jornalismo. E, repito, nada disto é jornalismo. Como poucos
destes profissionais da comunicação são jornalistas. Têm curso, sim senhor,
estudaram muito para conseguir uma carteira profissional, pois muito bem, mas
não são jornalistas. Têm esse carimbo, mas o que exercem é a tão popular e
segunda mais antiga profissão do mundo, a coscuvilhice; o diz que disse ou o quem ouve
um conto acrescenta um ponto. Estes profissionais estão para os jornalistas
como os paparazzi estão para os fotógrafos da agência Magnum. Cheiram sangue a
uma distância considerável, são incansáveis, provocadores, manipuladores e, no
limite, são óptimos na bela arte do exagero.
Os jornalistas desportivos fazem isso há muitos anos, mas a
esses ninguém leva a mal e o pior que podem conseguir é fazer com que um adepto
mais fervoroso fique doente dos nervos porque o seu clube afinal não contratou
aquele astro da bola como o seu pasquim de eleição tinha avançado.
Que o jornalismo generalista tenha resvalado conscientemente
para este tipo de trabalho é outra coisa bem diferente, com consequências mais
graves e danosas para muitos dos intervenientes. Mesmo aqueles que, como a
Bárbara e o Manuel Maria, usam ou evitam a imprensa conforme lhes dá jeito e,
no presente caso, expõem a sua vida, ou uma visão da sua vida, de forma
aparentemente tão fácil – pelo menos no caso do ex-ministro, que não parece ter
vontade de se calar, tenha ou não tenha razão, seja ou não seja verdade tudo
quanto lhe cai da boca para fora.
E claro, é deste tipo de coisas que o povo se alimenta e é
com este nível de notícias que a comunicação social enche a despensa. Porque este
alimento sobrevive uns quantos dias e dá para alimentar muitas bocas. E é por
isso que Portugal ficou tão agarrado a todo o tipo de reality shows, e é por
isso que de repente as bancas se encheram de revistas quase exclusivamente
dedicadas às polémicas relacionadas com as vedetas mais ou menos famosas do nosso
universo mediático e é também por isso que a imprensa dita respeitável decidiu
ir atrás do método e tentar recuperar de anos seguidos a descer nas tabelas de
vendas. Nada disto é complicado de entender, não é de engenharia termonuclear
de que aqui se fala. Os jornais têm levado muita tareia nos últimos dez anos e
perdem leitores como quem perde a virgindade na queima das fitas. Os canais de
televisão passam a sua vida útil a ver quem consegue maiores audiências de
maneira a terem mais anunciantes e a preços cada vez mais exorbitantes.
Ou seja, a guerra não é pela conquista de público pelo
aprimorar dos conteúdos e por uma mais refinada qualidade mas antes pelo
absoluto contrário: vamos ver quem é mais alarve, mais polémico, quem descobre
mais sobre este segredo ou mais sobre aquela pouca vergonha; vamos ver quem
mete mais o dedo em ferida alheia, quem explora melhor a história do
desgraçadinho, quem faz chorar mais rápido. Vamos ter AVCs em directo, partos
em prime time, acidentes terríveis ao
vivo e a cores e vamos ver como é que a Bárbara Guimarães mete os putos no
carro, se as nódoas negras estão à vista «uma recompensa para quem conseguir
filmar a pisadura em close up», se
ela tem um ataque histérico em frente às mesmas câmaras que a filmam enquanto
ajuda o seu canal a meter mais uns quantos milhões ao bolso e se até não grita
umas caralhadas que é para o povinho descobrir que ela afinal também diz umas
asneirolas quando está mais aborrecida. Vamos mostrar ao povo que a Bárbara, a
Babá, a princesa da SIC, leva no focinho tal e qual como aquela senhora do
Lagarteiro, com quatro filhos todos delinquentes e que vive do rendimento
mínimo.
Vamos ser jornalistas? Não que isso de lidar com notícias,
factos e informações é uma seca. Não inventamos muito, mas pelo menos vamos
colorir a coisa de outra forma que sempre tem mais piada.
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