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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, novembro 04, 2013

OS MEDIA (E ESTÁ TUDO DITO)

No Jornal de Notícias (JN) de hoje, dia 04 de Novembro, de todos os títulos que faziam a primeira página, havia um que pelo tamanho das letras mais se destacava: MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO GAY. Ao JN já não chega MORTO NO SHOPING ou MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO SEXUAL para ser suficientemente chamativo e MORTO NO SHOPING EM ENCONTRO HETEROSSEXUAL seria somente estapafúrdio. Como é estapafúrdio realçar a natureza do encontro sexual em causa de maneira a chamar mais gente à sua primeira página.

Mas é assim o recente JN, jornal que primava pela qualidade mas que há já algum tempo, em virtude da quebra nas vendas, digo eu, decidiu correr atrás de um estilo que tornou famoso e tão procurado um seu concorrente lisboeta, o famigerado Correio da Manhã que, por razões amplamente conhecidas, é o jornal diário com maior tiragem em Portugal. Fica mal ao JN enveredar pelo sangue e pelo escândalo de pacotilha na tentativa de conquistar – ou reconquistar – leitores. Fica mal pelo método adoptado; pela procura da polémica, pelo empolar de acontecimentos do dia-a-dia e pela notícia cor-de-rosa, tão do agrado de uma vasta e variada camada da população.

Nos dias em que tanto se tem falado de e repugnado com a forma como os media têm tratado o caso que opõe Bárbara Guimarães ao seu ainda esposo Manuel Maria Carrilho, importa discutir e perceber a diferença entre jornalismo e aquilo que canais de televisão e imprensa escrita fazem em Portugal. O que estes órgãos de comunicação fazem – e o que o JN fez na primeira página acima citada – não é jornalismo. Os assuntos que tratam são notícia, têm valor de notícia e são, na sua maioria, do interesse do público em geral. O caso da apresentadora da SIC e do ex-ministro da cultura não é uma excepção. Por muito que se tente disfarçar, coisas como as que se têm passado com as duas figuras públicas despertam a curiosidade mais mórbida e são um óptimo tema para intermináveis conversas de café.

Não é, portanto, o acontecimento que está em causa mas sim a forma como este é tratado pela comunicação social. É isso que repugna mesmo os mais desprovidos de escrúpulos e, embora não pareça, o que revolta muitos profissionais de jornalismo. E, repito, nada disto é jornalismo. Como poucos destes profissionais da comunicação são jornalistas. Têm curso, sim senhor, estudaram muito para conseguir uma carteira profissional, pois muito bem, mas não são jornalistas. Têm esse carimbo, mas o que exercem é a tão popular e segunda mais antiga profissão do mundo, a coscuvilhice; o diz que disse ou o quem ouve um conto acrescenta um ponto. Estes profissionais estão para os jornalistas como os paparazzi estão para os fotógrafos da agência Magnum. Cheiram sangue a uma distância considerável, são incansáveis, provocadores, manipuladores e, no limite, são óptimos na bela arte do exagero.

Os jornalistas desportivos fazem isso há muitos anos, mas a esses ninguém leva a mal e o pior que podem conseguir é fazer com que um adepto mais fervoroso fique doente dos nervos porque o seu clube afinal não contratou aquele astro da bola como o seu pasquim de eleição tinha avançado.
Que o jornalismo generalista tenha resvalado conscientemente para este tipo de trabalho é outra coisa bem diferente, com consequências mais graves e danosas para muitos dos intervenientes. Mesmo aqueles que, como a Bárbara e o Manuel Maria, usam ou evitam a imprensa conforme lhes dá jeito e, no presente caso, expõem a sua vida, ou uma visão da sua vida, de forma aparentemente tão fácil – pelo menos no caso do ex-ministro, que não parece ter vontade de se calar, tenha ou não tenha razão, seja ou não seja verdade tudo quanto lhe cai da boca para fora.

E claro, é deste tipo de coisas que o povo se alimenta e é com este nível de notícias que a comunicação social enche a despensa. Porque este alimento sobrevive uns quantos dias e dá para alimentar muitas bocas. E é por isso que Portugal ficou tão agarrado a todo o tipo de reality shows, e é por isso que de repente as bancas se encheram de revistas quase exclusivamente dedicadas às polémicas relacionadas com as vedetas mais ou menos famosas do nosso universo mediático e é também por isso que a imprensa dita respeitável decidiu ir atrás do método e tentar recuperar de anos seguidos a descer nas tabelas de vendas. Nada disto é complicado de entender, não é de engenharia termonuclear de que aqui se fala. Os jornais têm levado muita tareia nos últimos dez anos e perdem leitores como quem perde a virgindade na queima das fitas. Os canais de televisão passam a sua vida útil a ver quem consegue maiores audiências de maneira a terem mais anunciantes e a preços cada vez mais exorbitantes.

Ou seja, a guerra não é pela conquista de público pelo aprimorar dos conteúdos e por uma mais refinada qualidade mas antes pelo absoluto contrário: vamos ver quem é mais alarve, mais polémico, quem descobre mais sobre este segredo ou mais sobre aquela pouca vergonha; vamos ver quem mete mais o dedo em ferida alheia, quem explora melhor a história do desgraçadinho, quem faz chorar mais rápido. Vamos ter AVCs em directo, partos em prime time, acidentes terríveis ao vivo e a cores e vamos ver como é que a Bárbara Guimarães mete os putos no carro, se as nódoas negras estão à vista «uma recompensa para quem conseguir filmar a pisadura em close up», se ela tem um ataque histérico em frente às mesmas câmaras que a filmam enquanto ajuda o seu canal a meter mais uns quantos milhões ao bolso e se até não grita umas caralhadas que é para o povinho descobrir que ela afinal também diz umas asneirolas quando está mais aborrecida. Vamos mostrar ao povo que a Bárbara, a Babá, a princesa da SIC, leva no focinho tal e qual como aquela senhora do Lagarteiro, com quatro filhos todos delinquentes e que vive do rendimento mínimo.


Vamos ser jornalistas? Não que isso de lidar com notícias, factos e informações é uma seca. Não inventamos muito, mas pelo menos vamos colorir a coisa de outra forma que sempre tem mais piada.