«A BOLA DE OURO É PARA O MELHOR DO MUNDO, NÃO É PARA EXTRATERRESTRES»
Começo por pedir desculpa pelo uso não autorizado da frase
de um amigo para título desta crónica. A verdade é que por estes dias foi a que
de uma assentada definiu melhor o que é Cristiano Ronaldo e o que significa o
prémio em questão. Por isso também o meu obrigado ao Paulo Pereira, cronista
que sigo atentamente e que, regra geral, tem a assertividade bem afiada e
certeira. Como esta frase.
Se há coisa que Ronaldo diz e diz bem é que já não tem nada
a provar a ninguém. Como não deveria ter nenhum desportista ou profissional de
qualquer outra área. Mas o mundo é o que é e exige o que exige e nós,
espectadores, exigimos também, muitas das vezes sem nos darmos conta. Pela parte
que me toca, Ronaldo deixou de precisar de provar o seu valor desde aquele longínquo
– e nem por isso tão distante – jogo de inauguração do novo Alvalade em que os
derrotados saíram a ganhar porque ficaram com o puto. Desde aí que Ronaldo
cresceu, amadureceu e se tornou no melhor jogador que já vi em campo.
Mas nem todos pensam ou sentem a coisa da mesma maneira e a
verdade é que a cada novo passo, a cada novo centímetro crescido, grama de
força adquirido pelo miúdo, há sempre quem peça mais e mais e se desiluda mais
com cada vez menos. Sempre foi assim com os sagrados. Foi assim com Ali, foi
assim com Jordan, foi assim com Senna e Maradona e Federer, como foi assim e
será sempre assim com Ronaldo. De tal forma que cada mau jogo do capitão da
selecção é um jogo em que simplesmente não marcou golo. A época em que o
madeirense terminar com menos de 50 golos às costas será para sempre e para
quase todos a sua pior.
A culpa é dele. É dele por ter criado um tipo novo de
jogador; por ter redesenhado a cada ano, a cada época os seus próprios limites
e, em consequência, os limites de um atleta, de um futebolista e, em última
análise, de um ser humano, que deixa de o ser por aquilo que faz no exercício
da sua profissão. É sua, a culpa, por se ter permitido tornar num objecto de
estudo das mais diversas áreas: da motricidade, da física, da astrofísica e
porventura da robótica. Porque já não há como perceber ou justificar o que
Ronaldo faz em campo. E como não há forma de perceber ou justificar o que o
rapaz faz com a bola nos pés mas também longe da bola, longe do epicentro do
jogo mas ainda dentro do campo, procuram-se outras coisas que se possam
explicar com a má-língua da ignorância. Coisa que estão para lá das quatro
linhas que demarcam o jogo, longe das paredes que o encerram. Coisas que por
natureza deviam estar fechadas dentro da vida do homem que sem a camisola do
clube ou da selecção é só um homem e que, da mesma forma, não tem nada a provar
a ninguém e muito menos a explicar.
É culpa dele que gozem com ele, que lhe desejem a queda,
quanto mais estrondosa mais saborosa. É culpa dele e só dele que pessoas com
idade e posição para não o fazer tomem partido pelos concorrentes que só por
ilusão e cegueira dos outros concorrem com ele. é culpa dele que lhe queiram
ver um fim, por força nas pernas, por lesão ou por desistência de quem não
suporta mais a falta de apoio. Nunca será pelas pernas, certamente, e quem viu
ontem a impotência dos que por um milésimo de segundo pensavam que podiam
correr atrás ele, sabe que por essa razão Ronaldo nunca deixará de ser o
jogador que é. Poderá ser por lesão, eventualmente, que um corpo, qualquer
corpo, por mais preparado que esteja, por mais desafiador das leis da física
que seja, pode ser quebrado. Pela desistência, talvez? Não me parece. Porque enquanto
houver quem se dedique a minimizar o futebolista e a enxovalhar o homem, haverá
sempre outros tantos, no mínimo, a emocionarem-se com o que ele faz dentro do
jogo e a puxarem por ele, mais empolgada e ruidosamente do que os outros.
A culpa de Ronaldo ser melhor jogador que o melhor jogador
do mundo é dele e somente dele. A culpa de ainda existir quem não veja ou
queira ver isso é orgulhosamente assumida pelos próprios. E os próprios acabam
sempre a fazer figura de urso. Ontem houve muitos que se calaram ou que deram o
braço a torcer. Mas ontem, houve mais, muitos mais que não se calaram porque
não têm nada a provar ou a explicar a ninguém. E gritaram os golos marcados por
Ronaldo, e emocionaram-se porque foi ele quem os marcou. Porque, justiça seja
feita, de todos os jogadores no planeta é Ronaldo quem mais merece ir ao
mundial de 2014. Pelo que faz dentro de campo, pelo que fez ao futebol e acima
de tudo por todos os portugueses que o apoiam e ainda mais pelos que têm a
paciência de se sentarem nas mesas de café a ver um jogo de futebol em que o
que lhes interessa é ver o capitão a errar um drible, a perder uma bola ou a falhar
um golo feito.
Ronaldo merece mais do que qualquer outro a viagem ao Brasil
porque a culpa disto tudo é dele. É culpa dele ser o melhor jogador português
de todos os tempos. É culpa dele ainda haver quem discuta se isso é mesmo
assim. É culpa dele ter já ultrapassado o Eusébio na lista dos melhores
marcadores da selecção e ter os mesmo golos que o recordista Pauleta. É culpa
dele ter marcado mais de 50 golos por época nas últimas três épocas e de já ter
conseguido 24 numa época que ainda nem vai a meio. É culpa dele, tudo isto. E é
por isso que a Bola de Ouro de que tanto se tem falado não lhe serve. Fica-lhe
pequena.
E a culpa é dele.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home