Uma semana de campanha eleitoral e o resultado está à vista:
o PS de Sócrates é uma farsa bem montada pelos assessores de imprensa, autênticos cirurgiões plásticos. O PSD de Coelho é uma sucessão de erros estratégicos, tiros no pé e equívocos partidários. O CDS é a habitual histeria anti-tudo e mais alguma coisa. Já ninguém tem paciência para a política em desuso do PC, feita de ranchos folclóricos, músicas revolucionárias e de um líder que tem de ler os discursos para se engasgar menos.
Louçã tenta, mas não consegue, disfarçar que não é de todo um homem do povo, mas sim um economista puro e duro, com um discurso por vezes demasiado técnico.
Os restantes partidos são demasiado cómicos, ridículos ou insignificantes para fazerem a real e necessária diferença.
Por isso, a demagogia estende-se ao povo, desprovido de memória ou conhecimento efectivo dos programas e da história real dos partidos e que se esqueceu há muito de que o voto não é um dever, é um direito. E de que esse direito deve ser respeitado, desde logo, pelos políticos.
Entretanto, a RTP ataca o universo dos reality shows com uma farsa que caricatura o formato que revolucionou a programação televisiva. A coisa chama-se O Último a Sair e é uma ideia de Bruno Nogueira, supostamente.
E sinceramente parecia-me ser uma boa ideia, não só pelo objectivo proposto, como pelos convidados/«concorrentes» - é louvável, a presença do ínfame Batatinha, por exemplo. E, no entanto, nada resulta neste programa que tinha um potencial ilimitado. E não funciona porque começa logo com o mal de que todos os produtos humorísticos portugueses padecem: O Último a Sair é um programa humorístico sem piadinha nenhuma. Porque é um produto RTP. Porque é um produto de um canal português, na verdade. Porque não arrisca mais do que lhe é permitido. Porque quer, disfarçadamente, ser politicamente correcto, quando se lhe pedia precisamente o contrário.
Dez pontos à RTP por ter aceite uma proposta inovadora - e que, no rascunho pouco ou nada teria a ver com a política do canal mais quadrado cá do burgo - mas falta a vermelho pela má concretização de um produto que, bem feito, era coisa para fazer história.
Ao ponto a que chegamos. Eleições à porta e as previsões começam a apontar para uma vitória do homem que, até aqui, ninguém parecia querer no poder. E porquê? Porque a alternativa é uma anedota sem graça. Perder as eleições para Sócrates será, para Passos Coelho, a maior das humilhações. Porque perder para o político Sócrates, vil e reles Sócrates, é prova inegável da pouca qualidade do programa apresentado pelo líder do PSD e do nível de credibilidade que este goza junto do eleitorado.
Poderia ser mais ou menos evidente que Passos Coelho será Primeiro Ministro, sim. Um dia, claro, não agora. A verdade é que sabendo que o homem concorre pelo PSD - o maior ninho de víboras com sede de poder na realidade política nacional - é mais provável que seja rapidamente substituído, caso perca realmente as eleições de dia 5, do que levar um voto de confiança da parte do mobiliário clássico lá do partido. Passos Coelho, por estes dias, é verdadeiramente um homem encostado à parede.
E por culpa própria. Já famoso pela quantidade absurda de tiros no pé durante a sua curta carreira como líder do maior partido da oposição, Coelho não quis deixar a fama esmorecer e tratou de continuar a colecção de erros tácticos no arranque da campanha eleitoral. Para além do já badalado "eu sou o candidato mais africano de todos", que deixou no ar uma dúvida de cariz fortemente sexual, Passos Coelho vem agora anunciar ao mundo que vai extinguir o Ministério da Cultura. Diz o candidato que a cultura portuguesa passa a ser matéria de secretaria de Estado, controlada directamente por Passos Coelho Primeiro Ministro.
Portanto, sosseguem, maluquinhos da cultura, artistas e produtores culturais, o Passos Coelho é a vossa salvação. Porquê? Porque claramente é um homem da cultura, sensível, preocupado, conhecedor da importância que a cultura tem no bem-estar do povo. Ou então... preocupem-se maluquinhos da cultura, artistas e produtores culturais, o Passos Coelho é daqueles que acredita que quaisquer meia dúzia de euros investida num evento cultural é dinheiro deitado ao lixo.
E é este o cenário político português, exactamente igualzinho ao que estava antes da crise, antes da queda do Governo, antes do FMI. É assim que vai estar, independentemente do resultado das eleições. Os nomes já pouco importam. Especialmente porque nada podem contra os maus princípios, a falta de inteligência e de cultura e os interesses pessoais dos políticos que - e ainda há quem acredite nisto? - nos representam e olham pela nossa vida.
Ainda mal começou e a SIC já conseguiu arruinar a melhor hipótese que tinha de começar a lutar com a TVI, ombro a ombro, pelas audiências. O programa Peso Pesado, versão tuga do original The Biggest Looser, é um lixo. Assim, sem mais. É mal realizado, mal filmado, mal iluminado, mal sonorizado; a Júlia Pinheiro não pertence ali e os professores são tudo menos telegénicos.
O que é que se safa? Como sempre, os concorrentes. Mas é pouco, pese embora sejam concorrentes com uma cubicagem diferente dos habituais reality shows da nossa televisão. O programa tem tudo menos entretenimento, é mole, arrastado, lento e contraria tudo o que representa. Um exemplo: vinte minutos do programa americano representam cinco finalistas a serem confrontados com o seu eu do passado, um série de exercícios, uma pesagem eliminatória e a chegada a casa da concorrente eliminada. Isto tudo, com comentários pelo meio, claro. Vinte minutos da versão portuguesa, transmitida ao mesmo tempo, diga-se, representam dois concorrentes e um cozinheiro que lhes ensina a cozinhar salmão...
A SIC descobriu a fórmula perfeita para tornar difícil tudo o que é fácil. Para além de que tudo o que produz denota desorganização e desespero. O canal de Carnaxide quer chegar a algum lado, mas sem saber como nem com quem.
Tem sido hábito recorrente, em Portugal, a procura da next big thing da música nacional. Entre fadistas mais ou menos enfant terrible, e artistas pop mais ou menos pop, a caça lá vai continuando, com a certeza de que todos os anos, aparecerá uma nova estrela. Com o aparecimento da nova estrela, surgem também um sem número de sintomas recorrentes: promessa de sucesso, dentro e fora de portas, exageros dos media, e músicas que parecem encomendadas para todo o tipo de anúncios, principalmente para redes de telemóveis e internet.
A nova big thing da música portuguesa, parece ser a moça que dá pelo nome de Aurea e que, nem de propósito, começou a dar realmente nas vistas com um anúncio (lá está) da Sapo. É claro, isto é uma opinião, mas as músicas de Aurea cheiram a carne requentada, sem sabor, e são chatas e absurdamente entediantes. No entanto, a magia da televisão e o poder da publicidade, facilmente põem o mais vulgar artista nos píncaros da fama e da popularidade, e disso, mais uma vez, tirou proveito uma cantora que vai desaparecer do panorama com a mesma velocidade com que surgiu. Certinho.
Ler uma entrevista a Aurea, é perceber o que vai dentro daquela cabeça e que, infelizmente, lhe sai pela boca fora. Diz a cantora que descobriu a música soul com James Brown e James Morrison, e os blues ao ouvir Joss Stone e John Mayer. A vontade imediata que sinto é a de sentar a moça ao colinho, encher-lhe as fuças de bolachadas e explicar-lhe que é muito bom conhecer James Brown, mas que devia rapidamente trocar a dieta hipercalórica e pegajosa de Morrison, Mayer e Stone, pela verdadeira soul food. Que era incomparavelmente melhor conhecer pessoas como Aretha Franklin, Marvin Gaye, Otis Redding, ou Muddy Waters, Willie Dixon e Howlin' Wolf .
Mas isso não interessa nada. O público já está rendido à menina sexy, com voz de cana rachada que canta descalça - numa manobra de marketing de uma originalidade a toda a força. Por outro lado, a esmagadora maioria do público português não saberia o que são a soul e os blues nem que fossem atropelados duas vezes por eles. O que vale é que para o ano já ninguém se vai lembrar de Aurea, quanto mais não seja, porque vai surgir outra fadista pós-moderna, cantor pop sucedâneo do insuportável David Fonseca, ou banda híbrida de raízes tradicionais e heavy metal satânico.
Como não podia deixar de ser, o panorama noticioso, hoje, não podia ser dedicado a outra coisa que não a morte de Bin Laden. Como não podia deixar de ser, também, a minha curiosidade me levou a comprar o Público. Na última página o diário dedica espaço à opinião de diversas personalidades, mais ou menos conhecidas do público em geral. Algo que leio normalmente, nem que seja para falar mal.
Desta feita, o comentador chama-se Pedro Lomba e é jurista. A opinião, claro, sobre Osama Bin Laden e o seu assassinato. De entre muitas coisas, apetece-me destacar, desde logo, o regozijo de Lomba pela morte do homem mais procurado do planeta. Ok, é uma opinião, e dificilmente se pode censurar uma opinião, especialmente quando esta é encomendada e autorizada pelo órgão de comunicação em causa. O que choca aqui, é a forma como o autor expõe a sua saliva odiosa. Pode ser só impressão minha, mas parece-me excessivo cuspir "e agora que o corpo deste fanático foi justamente morto e, porventura menos justamente, atirado ao mar, para desgosto dos que já se lembraram de dizer que nenhum homem se pode congratular pela morte de outro, é provável que o mito e a especulação sobre Bin Laden continuem por mais algum tempo".
Eu cá não sei, mas da última vez que vi, Portugal tinha sido o primeiro país no mundo a prever a abolição da pena de morte. Ficámos todos a saber que Pedro Lomba, jurista, provavelmente não concorda com o feito nobre, justo e bem intencionado dos nossos antepassados. Pedro Lomba, jurista, é obviamente a favor da pena capital. Não sei, mas fiquei com a impressão que não é boa publicidade para um diário da dimensão do Público, pagar a um senhor para este publicar num espaço privilegiado que é a favor da pena de morte e que ficou imensamente feliz com a morte de um homem, mesmo que de um terrorista como Bin Laden.
Por outro lado não posso deixar de ficar contente por, pela primeira vez, termos perante os nossos olhos a prova indiscutível de que os homens da lei em Portugal também podem ser retrógrados e preconceituosos e que, ao sermos judicialmente avaliados por eles, corremos sérios riscos de sermos entalados.
A terminar o seu artigo de opinião, Pedro Lomba, jurista, ainda dispara mais uma parvoíce de todo o tamanho, desta vez com a ajuda do escritor Paul Berman: "É o nosso lado que está a ganhar, a Al-Qaeda está a perder". Seria melhor explicar ao Lomba, que dos atentados atribuídos à organização terrorista, até ontem liderada por Bin Laden, resultaram 4395 mortos, milhares de feridos e alguns milhares de milhões de dólares em prejuízos materiais. Para além do que provocaram às economias e sociedades dos países atingidos, e que, claro, é impossível contabilizar.
É de mim, ou a morte de um homem - mesmo que a de Bin Laden, mesmo que a do líder responsável por esta gigantesca atrocidade - não chega para colmatar os danos causados? É assim tão significativo, o desaparecimento do homem mais perigoso do planeta? É assim uma baixa tão pesada nas intenções da Al-Qaeda? Será que Pedro Lomba, como os americanos, de resto, acredita mesmo nisso? Será que o jurista não percebe que Bin Laden não era mais do que um líder espiritual, fonte de inspiração para todos os terroristas-mártires das diversas células independentes da Al-Qaeda? Independentes, que actuam como e quando querem, e vão continuar a actuar.
Será que Lomba acredita piamente que algures nos países do médio oriente, todos os terroristas se juntaram para assistir à notícia da morte do seu líder e acabaram por concluir que era melhor desistirem da carreira de rebentar cenas para criarem uma ONG dedicada a ajudar criancinhas muçulmanas?
Existe outro real perigo e que está em pessoas como Pedro Lomba e nos media que, como o Público, propagam um grau de ignorância e precipitação de opinião graves. Graves porque são ideias que facilmente se disseminam e, como os ensinamentos de Bin Laden, podem fazer mal a muitas cabeças imberbes e mal construídas.
Outra fonte de entretenimento, tem sido o vídeo onde o vice-presidente da comissão política do PSD descreve as dificuldades de quem aufere dez mil euros por mês, e generosamente nos explica o que é, afinal, a classe média-baixa europeia. Nem vale a pena falar do vídeo em si. Vale, isso sim, perceber a discussão promovida pelas palavras do senhor Campos, especialmente numa plataforma como o Facebook.
Rapidamente, várias foram as vozes mais ou menos anónimas, que se levantaram para atacar o fiscalista e a sua teoria. Ao fazê-lo, incorrem no mesmo erro dos políticos, ou seja, teorizar. Teorizar e em demasia. Portugal precisa tanto de teorias, neste momento, como um cego precisa de óculos bi-focais. Do que Portugal precisa - e nunca vai ter, como é fácil de compreender - é de mais gente com responsabilidade a dizer o que tem a dizer com as palavras todas. Por exemplo, seria bom que algum deste opinion makers a soldo, tivesse o sangue frio para, num qualquer jornal nacional, afirmar, sem papas na língua, que o senhor Campos, vice-presidente da comissão política do partido que anda desesperadamente à caça do poder, é uma forte, refinada e desavergonhada besta. Que os restantes políticos, deputados e autarcas, pensam como ele, e que é por isso mesmo que esta merda não só não melhora, como apresenta fortes indícios de vir a piorar.
Em vez disso, o que temos são os tais anónimos, revoltadíssimos e ofendidos, e que perdem tempo a discutir estes assuntos com outros anónimos, alguns deles - e sei-o de fonte segura - que até recebem o seu ordenado das mãos do partido do Governo. Claro, têm direito à sua opinião, com revolta ou sem revolta. Mas a verdade, é que também esses contribuem para manter o país na pocinha de lama onde o enfiaram, já que não conseguem, nem lhes interessa, crackar o chip do partidarismo.
Diogo Leite Campos é uma besta, que faltou ao respeito de muita gente em poucos minutos de verborreia; que obviamente sabe que o que disse não faz sentido, nem no panorama nacional, nem no panorama europeu. Sabe disso, mas faz de conta que não sabe, para poder servir os lobbies que o servem e alimentam. É disto que a classe política e empresarial é feita e nós, que estamos fartos de o saber, preferimos espingardar por uns dias, para dar a entender que estamos atentos, e voltar ao mesmo do costume, para darmos a entender sei lá bem o quê.
Se morreu ou não, não sei. O que sei é que isto tudo me parece demasiado com um filme de argumento falível e muito mal amanhado.
Portanto, o homem mais procurado da história recente da humanidade é morto numa operação über-secreta e os yankees, normalmente adeptos de se vangloriarem dos seus feitos, nem sequer exibem aquele que seria o prémio maior da sua acção bélica pelo mundo. Para além disso, sedentos de vingança que estavam, desde que o 11 de Setembro deixou de ser mais um dia no calendário, seria quase irresistível humilhar a figura de Bin Laden. Não o fizeram, e isso ou é muito estranho, ou é uma viragem na mentalidade, política, filosofia e estratégia americanas. O que não me parece...
Mas ok, vamos esquecer que a foto publicada como sendo do cadáver do Bin é realmente falsa, e vamos convencer-nos de que o homem morreu mesmo e que a pressa em fazerem desaparecer o corpo, e logo nas profundidades do oceano, é standard procedure. Sendo assim, porquê tanta alegria à escala global? Será que estão convencidos daquela velha treta de cortar a cabeça à serpente e o diabo a quatro? Tontinhos. Quer-me parecer que a coisa vai piorar consideravelmente, mas isto sou eu a dizer, que nada sei.
Seja como for, a história já deu origem, pelo menos, a um episódio engraçado. Estava eu a tomar pequeno-almoço quando, fruto de uma típica conversa de café, alguém dispara "os americanos afogaram-no". Sempre servem para alguma coisa, estes acontecimentos.