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Bom Karma... ou não!

sexta-feira, junho 08, 2012

STAND UP?

Ao longo dos anos, várias foram as ocasiões em que opinei neste blog acerca do estado do stand up comedy em Portugal. Muito por causa das minhas considerações, sou tido como um tipo difícil, esquisito, demasiado exigente e, nas palavras dos meus próprios irmãos, um hater. Assumo com orgulho todos os epítetos.

Volto ao assunto pela simples razão de que, provavelmente, nunca houve tanta gente em Portugal a fazer stand up. Nem na fase do Levanta-te e Ri havia esta quantidade absolutamente impressionante de homens e mulheres dispostos a subir a um palco para fazer rir as plateias de bares e salas de espectáculo. Quer isto dizer que o stand up não só sobreviveu às constantes ameaças de morte prematura como está a crescer a cada dia que passa? Longe disso

É verdade: os «comediantes» de stand up que estiveram na linha da frente desta arte do entretenimento continuam uma carreira com mais ou menos sucesso, e todos os dias surgem novos aspirantes como se tivessem sido plantados com adubo geneticamente alterado para um mais rápido florescimento. De novo a pergunta: quer isso dizer que... Não, não quer. Os comediantes que já andam aqui há uns anos limitam-se a repetir as rotinas de sempre ou a criar novas claramente desinspiradas, e os aspirantes, salvo honrosas e raríssimas excepções, são maus a todos os níveis.

Os primeiros, os veteranos, engordaram, anafaram, e aburguesaram-se. São estrelas de talk shows deprimentes e mal amanhados, actuam nos casinos e esqueceram-se de que o bar - e quanto mais refundido melhor - é o berço e o lar do stand up  e já não trabalham por qualquer punhado de tostões. São estrelas, vedetas do stand up, como se isso algum dia fosse imaginável no nosso país.

Os segundos, os aspirantes a qualquer coisa, resultam de dois universos bastante distintos. O primeiro universo é composto pelos que já perderam muitas horas a ver comediantes de stand up e querem copiar os ídolos. Quanto a estes nada contra. É legítimo o que os move. No entanto, acho sempre muito estranho que tenham visto tantos videos no You Tube mas que não conheçam os nomes incontornáveis da arte que querem agora dominar. Para além disso, e como já referi acima, são maus em muitos aspectos do stand up. Não sabem estar em palco, não sabem encarar o público, não definem um estilo ou uma personagem e usam frequentemente cábulas - sobre este último pormenor apetece-me dizer que o uso do copianço vale o mesmo que um actor de teatro subir a palco com o texto na mão de maneira a não falhar as deixas. Para além disso, quer parecer-me que o sinal maior de que o que fazem não resulta, é quando sobem a palco perante uma plateia constituída em grande número pelos seus amigos e nem esses se riem...

O segundo universo está pejado de actores e apresentadores de programas aparentemente humorísticos e que perceberam no stand up uma forma extra de ganhar uns cobres. Quanto a isso nada contra também. Exceptuando que os actores não conseguem deixar de ser actores - algo que colide de frente com o exercício de simplesmente conversar com um público - e os segundos não têm jeitinho nenhum para a coisa - não vai há muito tempo, um actor mais ou menos famoso participou num concurso de stand up só para ouvir o júri dizer "seria brilhante se o texto fosse teu. Mas és um bom actor".

Para além do exército de «comediantes» de stand up formado nos últimos anos, existe uma profusão verdadeiramente espantosa de cursos e concursos que não fazem mais do que criar e, pior do que isso, dar tempo de antena a comediantes que só podem ser chamados de comediantes quando devidamente acompanhados por « e ». E este fabrico maciço de intérpretes de stand up não faz mais do que construir mercado e destruí-lo ao mesmo tempo. Não nos podemos esquecer de que isto envolve pessoas que estão dispostas a pagar para ver alguém a fazer humor. Ora, se esse humor não faz rir quem paga, o resultado só pode ser um constante aproximar e afastar de público. Público esse que por causa de uns já não vai querer pagar para ver os outros. É um ecossistema tramado, mas que não pode ser acusado de ser injusto.

Outro fenómeno que subitamente surgiu e que ainda mais rapidamente proliferou foi o da comédia de improviso. De repente, e nomeadamente em Lisboa, apareceram não sei quantos grupos de «comediantes» apostados em fazer improv - nome de guerra - e que se limitam a repetir o que o grupo vizinho faz, sem tirar nem pôr. Esta repetição de rotinas é inevitável, porque todos os grupos vão beber à mesma fonte, ou seja, a exercícios básicos de aprendizagem teatral e que podem facilmente ser consultados em sites, como por exemplo, o da Wikipedia. Não é lá grande trabalho de pesquisa, não requer grandes habilidades ou trabalho de casa e resulta, invariavelmente, porque é um tipo de humor que depende muito do público graças à forte componente de interacção. Vai resultando, mas a maioria das vezes tem o mesmo triste fim que o stand up que se faz por cá: um longo, penoso e interminável exercício de vergonha alheia.

Sempre o disse e, infelizmente, volto a dizê-lo: em Portugal há dois bons comediantes de stand up. Gente que já cá anda há uns anos e que mantém um nível muito superior ao dos outros veteranos. Depois há os chico-espertos, tipos que se souberam mexer muito bem, que perceberam o lobby que vampiristicamente sobrevive com um pé na televisão, rádio e imprensa escrita, e com o outro na dinâmica das salas de espectáculo lisboetas, onde tudo é admitido sem grandes critérios de qualidade. São os Salvadores Martinhas, Vilões, Cordes, Boinas, Níltones e muitos mais da nossa praça. Gente que parou no tempo e/ou que se acha muito mais engraçada do que realmente é. Por fim há os emergentes. Destes há dois ou três realmente bons. O resto, lamento, é ruído de fundo, alimentado por quem organiza os cursos e concursos e que os convence (erradamente) de que têm qualidade e futuro.

Isto tudo para dizer que o stand up em Portugal é uma estranha mas necessária biodiversidade. São muito poucos os que realmente se safam, mas são todos os outros, os mauzinhos, que mantêm o hábito e que cada vez mais levam o stand up a salas e bares, mantendo-o vivo mas, infelizmente, a cheirar mal. Fazem bem em querer dar vida a uma arte que é muito mais do que simplesmente fazer rir. Pena é que o façam sem ferramentas, sem qualidade e, primordialmente, sem piadinha nenhuma.