kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

sexta-feira, fevereiro 28, 2014

AS INJUSTIÇAS (OU EU SOU MUITO TENDENCIOSO)



Antes era and the winner is. Hoje em dia diz-se and the Oscar goes to. Houvesse justiça no mundo do cinema e este ano o anúncio dos vencedores do Oscar seria algo do género não podendo ser para o The Hunt, o Oscar vai para…

Porque, convenhamos, não existe em nenhum dos doze nomeados a filme do ano uma obra mais impressionante do que The Hunt. Como não existe em nenhum dos nomeados a melhor actor principal uma interpretação ao nível da de Mads Mikkelsen e como não existe melhor realização do que a de Thomas Vinterberg. O resto são migalhas, prémios mais ou menos subjectivos, com certeza mais subjectivos do que estes três, quase factos de enciclopédia.

Mas The Hunt sofre dessa doença tão repulsiva à indústria americana que dá pelo nome de se não falas inglês estás lixado. Assim sendo, e como muitos antes dele, o filme dinamarquês fica limitado ao prémio para melhor filme em língua estrangeira que, mesmo esse e ao que tudo indica, está já reservado para o aparentemente xaroposo La Grande Belleza.

Fim da primeira parte

Segunda parte

Houvesse justiça no mundo do cinema e este ano o anúncio dos vencedores do Oscar para melhor filme, melhor actor, melhor actriz secundária, melhor argumento original e melhor realização teria um só destinatário: Nebraska.

Porque, convenhamos, não existe em nenhum dos onze restantes nomeados a filme do ano uma obra com tanta qualidade como o filme de Alexander payne. Mas Nebraska é um filme com todos os tiques do cinema indie americano, e isso, como se sabe bem, serve para despertar a curiosidade da indústria mas não chega para o levar aos prémios que merecia. E é uma pena, porque o filme contido, tão bem escrito, espécie de hino à dignidade e à tristeza resignada da velhice que é Nebraska, é seguramente o segundo melhor filme do ano que passou.

O problema destes dois filmes é que, acredito eu, não foram feitos com os olhos postos no (ainda) prémio mais apetecido pela indústria cinematográfica, que continua a privilegiar o mainstream e a sobrevalorizar tudo o que for feito com pompa e circunstância, elencos repletos de grandes nomes e realizadores dominantes.

E, mais uma vez, é uma pena enorme, porque já há uma série de anos que os filmes mais relevantes do ano surgem de produções americanas, sim, mas com orçamentos mais baixos, ou de países em que o inglês é somente aquela língua que se aprende na escola porque um dia pode vir a dar jeito se tivermos de viajar para o estrangeiro.

Fim 

Epílogo

Blue Jasmin, de Woody Allen, é um grande bocejo. É desinteressante, não chega a levantar voo, tem um dos piores argumentos saídos da mão do mestre, um elenco ainda mais baratucho do que é normal, desinteressado e em piloto automático e encabeçado por uma Cate Blanchett a imitar a melhor Gena Rowlands dos filmes de Cassavetes. A única coisa realmente boa de Blue Jasmin, e como não é raro à cinematografia de Allen, são os secundários. Fora isso, o filme é um grande salto para trás no que parecia ser o regresso de Woody Allen a um cinema maior e inquestionavelmente brilhante. Comparar Blue Jasmin a Midnight in Paris é tão justo como comparar Match Point a Crimes and Misdemeanors. O mesmo é dizer que seria comparar o mais interessante Woody ao mais entediante Allen. E pronto, tinha de tirar isto do sistema.

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

O VOTO E A PEDRA



E de repente o mundo das redes sociais acordou para o perigo do nacionalismo, do fascismo e do neonazismo. Por força dos que se tem passado na Ucrânia, vários são os que têm vindo para as páginas do universo digital preocupados com o que vai ser do mundo assim que estes movimentos assumam o poder. Para reforçar a sua consternação publicam ensaios, teses e teorias – da conspiração, muitas delas – acerca dos perigos do ressurgimento de tais forças no seio da Europa. Destes, alguns apoiaram a revolta de Kiev até que ficaram a saber, pasme-se!, que na Ucrânia também existem movimentos de extrema-direita.

Existem na Ucrânia como existem, há já alguns anos, em outros países da Europa de Leste. E bastante activos, diga-se. Como existem na Rússia, na Polónia, na Hungria e, em boa verdade, como existem no resto do continente, mesmo que mais ténues e pouco impressionantes. Como existem políticas de extrema-direita em governos como o da França, Espanha e, mais recentemente, da Suiça. Por opção ou por desconhecimento estes activistas das redes sociais acreditam que estes movimentos e partidos são financiados pela UE e pelos EUA, eternos interessados em desfazer quaisquer resíduos da antiga União Soviética e assim continuar a conquistar aliados comerciais. Esquecem-se, estes preocupados cidadãos, que um governo de extrema-direita dificilmente faria quaisquer acordos de aliança económica quer com os EUA, quer com a EU.

E não é mentira, de facto. Americanos e europeus continuam, hoje, a fazer tudo o que podem para desafiar o poder da Rússia, para deitar a língua de fora ao governo de Putin e dizer roubámos mais uma aldeia ao grande império enquanto se riem agarrados à pança capitalista. Tudo isto é verdade. O que preocupa, no entanto, é que ao dirigirem a sua atenção para estas teorias da conspiração se esquecem, ou ignoram, as verdadeiras razões – ou pelo menos as mais importantes – por trás deste crescimento da direita na Europa.

Porque também não é menos verdade que, em situações de grave crise económica, torna-se muito mais simples passar ideias fascistas e de extrema-direita a um povo que por força das dificuldades se torna mais permeável à alternativa política. Mesmo que a alternativa política seja abjeta e perigosamente odiável. Por falsos motivos financeiros, fica mais fácil justificar o ódio pelos emigrantes, esses ladrões de empregos, e leis antiaborto, esse sorvedouro de dinheiros públicos. Como se torna mais compreensível, por falsas razões de defesa da dignidade humana, limitar as liberdades religiosas aos muçulmanos, esses terroristas em potência e a quem não se pode confiar um metro quadrado de espaço público.

Como também não é menos verdade que a esquerda europeia tem sido totalmente ineficaz na conquista de credibilidade e que os sucessivos governos de esquerda e centro-esquerda não se conseguem livrar de uma forte responsabilidade na crise que atravessamos. Da mesma forma que não conseguem oferecer uma alternativa válida aos milhões de europeus desiludidos com o andar das coisas. Como não conseguem escolher líderes que motivem o povo, que se façam ouvir, que mostrem que podem ser diferentes de todo o lixo político que todos os dias aparece na televisão para falar aos cidadãos. Que não são mais um, igual a todos os outros que vieram antes.

E sim, a extrema-direita é sempre um perigo à espreita, hoje mais do que há uns anos. E sim, está a ganhar força, está a crescer e a conquistar cada vez mais seguidores. Mas o medo que tenho da extrema-direita é um medo quase irracional, quase sem razão, em parte porque não acredito ou não consigo acreditar, que os grandes horrores com que o fascismo e o nazismo marcaram a história da humanidade, possam voltar a acontecer num mundo aberto e hoje sempre exposto aos olhares de todos. E até posso ser ingénuo. E até podemos voltar a observar esses horrores em países ditos civilizados. A acontecer, o meu medo será então real e a minha preocupação desmedida. Até lá, prefiro concentrar os meus receios em países como a Espanha, a França, a Suíça e a Rússia e aos seus governantes preconceituosos e tão perigosos – porque já conseguiram pôr em práctica os seus preconceitos – como qualquer ideologia fascista, nacionalista ou nazi.

E até posso estar terrivelmente enganado, mas continuo a acreditar que o povo terá sempre a última palavra na democracia das coisas, o que me descansa, de alguma forma. Como teve, goste-se ou não, na Ucrânia. Porque, independentemente das forças políticas envolvidas na revolução de Kiev, o que sucedeu foi aquilo que muitas destas pessoas preocupadas com a extrema-direita tantas vezes defendem nas mesmas redes sociais: o povo saiu à rua e fez ouvir a sua voz. O problema é que, muito provavelmente, a orientação política deste povo não é do agrado de muitos e percebe-se porquê. Mas é esta a magia da democracia, não é? E a democracia cumpriu o seu papel na Ucrânia, a nós, agora, só nos resta amanharmo-nos com o resultado.

E se o povo for realmente um observador atento e sempre pronto a intervir, então talvez estes receios de políticas extremistas possam ser permanentemente um nado morto. Foi Lenine quem disse nós somos utopistas e não negamos de forma alguma que sejam possíveis e inevitáveis excessos individuais [dos governantes]; não negamos tão-pouco que seja necessário reprimir esses excessos. Mas primeiramente não é preciso para isso uma máquina especial, um aparelho especial de repressão. O povo armado se encarregará ele próprio dessa tarefa tão simplesmente, tão facilmente como qualquer multidão de homens civilizados, mesmo na sociedade actual, separa pessoas que se batem ou não permitem que maltratem uma mulher. E eu quero continuar a acreditar nisto. E se for pelo voto pois que assim seja. Se não, pela pedra. Como em Kiev.

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

PORTUGAL E VENEZUELA: AMIGOS PARA SIEMPRE



Portugal e a Venezuela assinaram no passado dia 15 de Janeiro acordos de cooperação de 1600 milhões de euros para projectos de construção, portos, habitação social e indústria. Vista assim a coisa, não há quem possa dizer mal da parceria económica. À luz dos recentes acontecimentos naquele país da América Latina e da falta de reacção do governo português e dos demais partidos com assento parlamentar, no entanto, a negociata assume outras proporções.

Portugal foi conduzido à posição de amigo da Venezuela pela mão de José Sócrates e por meio de inúmeros negócios e trocas comerciais com o governo de Chávez. Chávez veio a Portugal, os nossos governantes e homens de negócio foram a Caracas, o ambiente era relaxado e engraçadito, as relações eram afáveis e ligeiras e a amizade entre os dois países ganhou contornos de solidez e consolidação eternas. Essa amizade economicista levou a que Portugal sempre fechasse os olhos às demonstrações de soberba ditatorial de um governo sábio na arte do populismo e às suspeitas de ilegalidades eleitorais que que conduziram Chávez ao poder e que levaram a que o grande amigo de Sócrates pudesse também ser um amigo da nossa nação.

Os partidos da nossa esquerda, esses, viram no presidente venezuelano tudo o que tanto apreciam: um homem forte, um justiceiro solitário que carrega em si o ódio ao capitalismo e o antiamericanismo absoluto e declarado. Sem medos, sem papas na língua, um símbolo da cartilha comunista, o que muitos comunistas queriam ser quando fossem grandes. Um novo Che do qual podiam fazer novos cartazes e pins para vender nas festas de Verão e nos comícios políticos. Por estas razões, também esses partidos fecharam os olhos e as bocas a muito do que Chávez fez de errado e aceitaram de bom grado a sua amizade.

Mas Chávez morreu. Por culpa dos americanos, disse-se. Para que a sua luta tivesse uma continuidade nos espíritos dos que o adoravam e o desculpavam, foram os americanos culpados pela sua morte. Assim se concedeu a Chávez algo que ele não teria de outra forma: o condão de ter morrido num campo de batalha virtual, em flagrante combate contra as forças do mal capitalista e imperialista. E morto o grande líder havia a necessidade de manter o discurso populista e encantatório das pequenas mentes dos de esquerda, sedentos por um novo anjo libertador, exímio na trombeta incendiária bolivariana.

E assim foi. O novo ocupante do trono venezuelano fez justiça ao que prometeu e foi ao encontro do que dele era esperado - não pelo povo venezuelano, mas pelos outros, os que vivem à custa deste sonho anticapitalista - e rapidamente tratou de se tornar famoso pelos excessos discursivos, pelas visões de passarinhos transportadores da verdadeira alma de Chávez, pelas aparições do eterno presidente e por uma série de medidas populistas, algumas a roçar o ridículo, e que não conseguem disfarçar uma intenção declarada: a de enganar os venezuelanos.

Mas os venezuelanos há muito tempo vinham demonstrando já não serem fáceis de enganar. A juventude da Venezuela sai hoje à rua, sem receios, e grita que não quer este tipo de governação. Já não queria aquando das eleições que Maduro venceu, mais uma vez, com métodos dignos do mais bacoco e impune dos totalitarismos. Mas, também nessa altura, os amigos da Venezuela foram amigos do governo da Venezuela e calaram-se.

Este comportamento dos nossos governantes e dos partidos da oposição reforça o lado negativo de se ser amigo de um governo violentamente repressivo. Ora, quando alguém se cala perante as atrocidades políticas e sociais como as que temos vindo a assistir na Venezuela, o amigo deixa de se chamar amigo para se passar a chamar cúmplice. Cúmplice calado. Cúmplice porque se cala, porque não reclama, porque não se mostra indignado com o comportamento do compincha. Portugal é um cúmplice. Mais do que um cúmplice, Portugal é algo que a língua inglesa presenteou com uma palavra plena de significado e repleta de informação e que encerra em si um atributo nada bonito: bystander.

Portugal é um bystander e de acordo com o dicionário da língua inglesa, bystander significa a person present but not involved; chance spectator; onlooker. Para além disso, e sem recurso a qualquer tipo de criatividade desenquadrada, a palavra bystander transmite impecavelmente a imagem de alguém que está ao lado de. Ou seja, não adiantando de modo algum que os nossos políticos concordam com o que se tem vindo a passar na Venezuela, e muito menos com os acontecimentos dos últimos dias, parece-me claro que é, sim, sua vontade olharem para o lado enquanto assobiam uma qualquer cançãozita pitoresca. Tudo para não ofender os nossos amigos do país que tantos Magalhães nos comprou.

Enquanto isso, enquanto Portugal e mais um sem número de países e organizações olham para o lado e assobiam para o alto, o governo do senhor Maduro continua a deitar pela janela os direitos básicos do povo que jurou servir, a inventar leis que melhor sirvam o seu populismo e a cometer crimes de todo o tipo e feitio. E, pela parte que me toca, não me sinto nem desiludido nem chocado com a falta de uma reacção à altura da parte de outras nações e organizações porque conheço bem o jogo político-económico que tão bem dominam. Sinto-me traído, como sempre me senti em situações idênticas, quando vejo o governo do meu país levar tão a sério aquela velha, gasta, empoeirada e ultrapassada máxima que diz que entre marido e mulher não se mete a colher. Especialmente quando o marido é nosso amigo e nos dá muito dinheiro a ganhar e quando a mulher nunca fez nada de especial por nós a não ser servir-nos os drinks quando vamos a casa do casal passar férias.

Quanto aos estudantes que por estes dias morrem nas ruas de Caracas, ficaria muito mais descansado se tivesse a certeza de que sabem que o mesmo Símon Bolívar tão idolatrado por Chávez, e sempre usado como arma política pelo falecido ditador, disse um dia aos colombianos as seguintes palavras: a minha última vontade é a felicidade da pátria. Se a minha morte contribuir para o fim do partidarismo e para a consolidação da União, baixarei em paz à sepultura. 

A CIRURGIA MEDIÁTICA



Muito se fala habitualmente do poder dos media; da sua tendência para a manipulação, para o exagero, para as abordagens mais ou menos tendenciosas de factos e notícias e para o interesse que os órgãos de comunicação têm nestes ou aqueles assuntos. Nunca se fala, contudo, nas empresas de assessoria de comunicação e no que elas fazem pelos seus clientes, muitos clientes, individuais ou colectivos, com necessidades particulares e com objectivos, também esses, nem sempre nobres ou dignos.

Esta semana ficámos a saber que à queixa-crime movida pelos pais das vítimas do Meco à Universidade Lusófona, a instituição respondeu com a contratação de um aliado de peso, ou seja, uma prestigiada empresa de consultoria estratégica que, segundo o Jornal de Notícias, movimenta um dos maiores volumes de negócio em Portugal.

O que é que isto significa, na verdade? Significa que até aqui toda a comunicação dita de crise relativa ao caso da praia do Meco era efectuada por um docente da universidade e que, agora que a conversa subiu de tom, convém trazer alguém habituado a nadar num mar infestado de tubarões. Algo do género muito obrigado pelos teus serviços, meu menino, mas agora temos de chamar os adultos, tá bem? Porque o assunto agora é sério e há que tratar com especial carinho da imagem da instituição, afectada que está com toda esta história dos que morreram ao serviço de uma praxe académica, ritual de passagem ou de promoção ou seja lá o que for que era aquilo.

Não significa isto, no entanto, que a Lusófona tenha culpas no incidente do Meco. Significa somente que a maior preocupação daquela instituição de ensino superior neste momento seja passar ao público atento que são uns porreiros, que fazem muito pela sua comunidade académica e que nada têm a ver com o que os seus estudantes fazem para lá dos limites físicos da universidade. E com legitimidade, diga-se. O assunto é demasiado sério e é coisa para arrastar uma organização, por muito venerada que seja, para um buraco sujo e feio e do qual dificilmente se regressa.

No entanto…

No entanto é difícil acreditar que a Universidade Lusófona não tenha conhecimento das prácticas levadas a cabo pelos seus excelsos alunos durante as praxes académicas. É muito difícil de engolir, especialmente, que a instituição fosse desconhecedora destes rituais balneares que resultaram, tragicamente, em seis vítimas mortais. E claro, a desculpa de que a responsabilidade do que acontece para lá dos portões da Lusófona não pode ser imputada à instituição por isso mesmo, por estar igualmente do lado de fora do edifício, conquista sempre alguns fervorosos adeptos, nomeadamente dentro da própria universidade. Mas não convence quem não tem uma ligação emocional à organização.

É impossível que, num meio de grandes dimensões como é uma universidade, mas em que tudo facilmente se sabe, afirmar desconhecimento por rituais que, ao fim de algumas horas mediáticas, eram já amplamente descritos por quem já tinha passado por eles ou por quem simplesmente sabia da sua existência, mesmo que não tivesse sido aluno da referida universidade. Duas semanas antes destes rituais serem referidos bombasticamente nos meios de comunicação, fiquei a saber por alguém que nunca sequer estudou em lisboa, que estas cerimónias eram recorrentes e que muito provavelmente teria sido um destes rituais a resultar na tragédia do Meco.

Mais uma vez, significa isto que a universidade Lusófona é culpada na morte dos seus seis alunos? Não. Significa que podia fazer algo relativamente às praxes e rituais ditos académicos que os seus alunos realizam fora da universidade? Não sei. Talvez. Não sei como, mas talvez. Significa que pode ser alvo de uma queixa-crime? Com certeza que sim. Quanto mais não seja para pôr os responsáveis por aquela instituição a pensar numa maneira de, uma vez por todas, acabar com as praxes ou, pelo menos, limitá-las a algo minimamente digno e que funcione verdadeiramente como um ritual de boas vindas aos caloiros, sem humilhações, sem faltas de respeito e acima de tudo sem demonstrações de um poder falso, que só existe na cabeça de quem tem somente mais uma matrícula.

A Universidade Lusófona tem a responsabilidade de acabar com este brincar às hierarquias e aos clubes secretos que leva a que os seus estudantes exercitem a sua criatividade na busca permanente de rituais que os façam sentir como nos filmes e nos livros que conhecem; que os façam sentir diferentes e melhores do que os outros, dos que conscientemente se decidem a não segui-los e a não fazer parte da comandita, do círculo fechado de autoeleitos.

Mas a principal preocupação da Lusófona, claramente, é ter um aliado comprado que desenhe uma estratégia de comunicação, que invente uma imagem favorável da organização, que passe boas energias a quem está atento a todos os desenvolvimentos do incidente na praia do Meco. Alguém que saiba o que fazer numa situação de crise, que seja capaz de vender o melhor da Lusófona e a abafar toda e qualquer notícia menos abonatória do bom nome do cliente. É para isto que serve uma assessoria de comunicação. Serve para servir de assessoria de imagem, assessoria estratégica, aliado cerebral, estratega militar, preparado para a pior das batalhas, munido das armas mais baixas e mais inteligentes, prontos a tudo, mercenários sem escrúpulos, bem treinados, experientes em intervenções rápidas, entrar e sair em cinco minutos, sem danos colaterais e, acima de tudo, sem baixas na equipa.

Os jornalistas esses, preguiçosos na sua demanda pelo facto real, esquecidos que estão de como se faz um trabalho de investigação, sequiosos pelo que der mais dinheiro ao patrão, permitirão que estes interesseiros assessores lhes empurrem tudo e mais alguma coisa pela garganta abaixo para poderem cagar notícias que interessam somente a todos os que fazem parte da fauna Lusófona. E este ecossistema feroz e imparável atropela-nos, leva-nos na enxurrada; baralha-nos, confunde-nos e engana-nos, engenhosamente ludibria-nos e convence-nos. Porque é um ecossistema assente num jogo jogado em campos de jogo muito distantes da nossa vista e do nosso conhecimento, nos bastidores, em salas de reunião e gabinetes em que só alguns podem entrar e em que a só uns quantos é permitido falar.

O que a Lusófona se prepara para começar a fazer, com a ajuda inestimável do mercenário, é uma cirurgia plástica mediática, que lhe limpe as feias estrias e lhe reduza as inestéticas gorduras abdominais. Que a faça parecer bem e eternamente jovem, que a torne bonita para além de qualquer dúvida. Se estivermos atentos ao desenrolar dos acontecimentos em torno da Lusófona vamos poder assistir em primeira mão e com todo o esplendor à força dos assessores de comunicação. 

Se não tivermos cuidado e o devido distanciamento, ainda acabamos a sentir uma irresistível vontade de nos matricularmos na Lusófona e a sermos praxados até à inconsciência. 

quinta-feira, fevereiro 06, 2014

O MIRÓ AOS TRAMBOLHÕES NO CAIXÃO



Vamos cá esclarecer uma coisa: acho totalmente execrável que o Governo queira vender as obras do Miró porque estão para ali arrumadas a um canto, não têm serventia nenhuma e até dão para fazer uns trocos à boa laia da onda de sites de leilões de tudo e mais um par de botas que de há uns anos para cá inundou a internetosfera.

Esclarecida que está a minha posição relativamente a este assunto, apetece-me dizer e digo que me parece igualmente nojento o aproveitamento político que daqui retiraram os restantes partidos políticos com assento parlamentar e que mais não fizeram do que juntar-se à legião de internautas que não sabem quem é o Miró, não imaginam a importância do artista e nem nunca sequer viram um quadro dele e se viram foi numa t-shirt ou caneca que alguém lhes trouxe das férias em Barcelona.

Juntos, políticos e navegadores do Facebook formaram mais uma vez o bando de abutres esfomeados constantemente à espera que a presa (o Governo) se fira de morte para lhe darem as últimas bicadas. É triste e patético ver esta cambada erguer a voz irada por uma causa que não conhece e que em boa verdade nem lhe interessa minimamente. Os partidos da oposição estão tão preocupados com os quadros de Miró como os participantes da Casa dos Segredos estão arreliados com a dívida externa do país. Não lhes diz nada. Nunca disse. Nem dirá, mesmo que o assunto se resolva e os quadros continuem a fazer parte do espólio cultural de um Portugal que se está nas tintas para a cultura.

É claro que me preocupa descobrir (porque, confesso, não sabia) que temos uma quantidade relevante de telas de um dos mais importantes artistas plásticos da história a ganhar pó num armazém qualquer. Preocupa-me mais, no entanto, saber que temos também uma quantidade alarmante de políticos, que existem para defender os nossos interesses, e uma quantidade insana de cidadãos, que se deviam preocupar todos os dias com os seus interesses, que se limitam a esperar sentados por um tropeção do Governo para se lembrarem das suas preocupações e interesses.

Não vendam os quadros de Miró. Guardem-nos bem acondicionados, protegidos do pó assassino e do calor e do frio e da humidade excessivos e bem distantes do desinteresse generalizado que esta gente tem pela arte e pela cultura.


O Miró não merece todo este reboliço insultuoso. Não merece ser tratado com o desapego governamental típico de quem vê cifrões em vez de pinceladas. Merece ainda menos, garantidamente, ser arma de arremesso de quem não tem armas para atacar quem nos quer mal.