O MIRÓ AOS TRAMBOLHÕES NO CAIXÃO
Vamos cá esclarecer uma coisa: acho totalmente execrável que
o Governo queira vender as obras do Miró porque estão para ali arrumadas a um
canto, não têm serventia nenhuma e até dão para fazer uns trocos à boa laia
da onda de sites de leilões de tudo e mais um par de botas que de há uns anos
para cá inundou a internetosfera.
Esclarecida que está a minha posição relativamente a este
assunto, apetece-me dizer e digo que me parece igualmente nojento o
aproveitamento político que daqui retiraram os restantes partidos políticos com
assento parlamentar e que mais não fizeram do que juntar-se à legião de internautas que não sabem quem é o Miró, não imaginam a importância do
artista e nem nunca sequer viram um quadro dele e se viram foi numa t-shirt ou
caneca que alguém lhes trouxe das férias em Barcelona.
Juntos, políticos e navegadores do Facebook formaram mais
uma vez o bando de abutres esfomeados constantemente à espera que a presa (o
Governo) se fira de morte para lhe darem as últimas bicadas. É triste e
patético ver esta cambada erguer a voz irada por uma causa que não conhece e
que em boa verdade nem lhe interessa minimamente. Os partidos da oposição
estão tão preocupados com os quadros de Miró como os participantes da Casa dos
Segredos estão arreliados com a dívida externa do país. Não lhes diz nada. Nunca
disse. Nem dirá, mesmo que o assunto se resolva e os quadros continuem a fazer
parte do espólio cultural de um Portugal que se está nas tintas para a cultura.
É claro que me preocupa descobrir (porque, confesso, não
sabia) que temos uma quantidade relevante de telas de um dos mais importantes
artistas plásticos da história a ganhar pó num armazém qualquer. Preocupa-me
mais, no entanto, saber que temos também uma quantidade alarmante de políticos,
que existem para defender os nossos interesses, e uma quantidade insana de
cidadãos, que se deviam preocupar todos os dias com os seus interesses, que se
limitam a esperar sentados por um tropeção do Governo para se lembrarem das
suas preocupações e interesses.
Não vendam os quadros de Miró. Guardem-nos bem
acondicionados, protegidos do pó assassino e do calor e do frio e da humidade
excessivos e bem distantes do desinteresse generalizado que esta gente tem pela
arte e pela cultura.
O Miró não merece todo este reboliço insultuoso. Não merece
ser tratado com o desapego governamental típico de quem vê cifrões em vez de
pinceladas. Merece ainda menos, garantidamente, ser arma de arremesso de quem
não tem armas para atacar quem nos quer mal.
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