A CIRURGIA MEDIÁTICA
Muito se fala habitualmente do poder dos media; da sua tendência
para a manipulação, para o exagero, para as abordagens mais ou menos
tendenciosas de factos e notícias e para o interesse que os órgãos de
comunicação têm nestes ou aqueles assuntos. Nunca se fala, contudo, nas
empresas de assessoria de comunicação e no que elas fazem pelos seus clientes,
muitos clientes, individuais ou colectivos, com necessidades particulares e com
objectivos, também esses, nem sempre nobres ou dignos.
Esta semana ficámos a saber que à queixa-crime movida pelos
pais das vítimas do Meco à Universidade Lusófona, a instituição respondeu com a
contratação de um aliado de peso, ou seja, uma prestigiada empresa de
consultoria estratégica que, segundo o Jornal de Notícias, movimenta um dos
maiores volumes de negócio em Portugal.
O que é que isto significa, na verdade? Significa que até
aqui toda a comunicação dita de crise relativa ao caso da praia do Meco era
efectuada por um docente da universidade e que, agora que a conversa subiu de
tom, convém trazer alguém habituado a nadar num mar infestado de tubarões. Algo
do género muito obrigado pelos teus
serviços, meu menino, mas agora temos de chamar os adultos, tá bem? Porque
o assunto agora é sério e há que tratar com especial carinho da imagem da
instituição, afectada que está com toda esta história dos que morreram ao
serviço de uma praxe académica, ritual de passagem ou de promoção ou seja lá o
que for que era aquilo.
Não significa isto, no entanto, que a Lusófona tenha culpas
no incidente do Meco. Significa somente que a maior preocupação daquela
instituição de ensino superior neste momento seja passar ao público atento que
são uns porreiros, que fazem muito pela sua comunidade académica e que nada têm
a ver com o que os seus estudantes fazem para lá dos limites físicos da
universidade. E com legitimidade, diga-se. O assunto é demasiado sério e é
coisa para arrastar uma organização, por muito venerada que seja, para um
buraco sujo e feio e do qual dificilmente se regressa.
No entanto…
No entanto é difícil acreditar que a Universidade Lusófona
não tenha conhecimento das prácticas levadas a cabo pelos seus excelsos alunos
durante as praxes académicas. É muito difícil de engolir, especialmente, que a
instituição fosse desconhecedora destes rituais balneares que resultaram,
tragicamente, em seis vítimas mortais. E claro, a desculpa de que a responsabilidade
do que acontece para lá dos portões da Lusófona não pode ser imputada à
instituição por isso mesmo, por estar igualmente do lado de fora do edifício, conquista
sempre alguns fervorosos adeptos, nomeadamente dentro da própria universidade.
Mas não convence quem não tem uma ligação emocional à organização.
É impossível que, num meio de grandes dimensões como é uma
universidade, mas em que tudo facilmente se sabe, afirmar desconhecimento por
rituais que, ao fim de algumas horas mediáticas, eram já amplamente descritos
por quem já tinha passado por eles ou por quem simplesmente sabia da sua
existência, mesmo que não tivesse sido aluno da referida universidade. Duas semanas
antes destes rituais serem referidos bombasticamente nos meios de comunicação,
fiquei a saber por alguém que nunca sequer estudou em lisboa, que estas
cerimónias eram recorrentes e que muito provavelmente teria sido um destes
rituais a resultar na tragédia do Meco.
Mais uma vez, significa isto que a universidade Lusófona é
culpada na morte dos seus seis alunos? Não. Significa que podia fazer algo
relativamente às praxes e rituais ditos académicos que os seus alunos realizam
fora da universidade? Não sei. Talvez. Não sei como, mas talvez. Significa que
pode ser alvo de uma queixa-crime? Com certeza que sim. Quanto mais não seja
para pôr os responsáveis por aquela instituição a pensar numa maneira de, uma
vez por todas, acabar com as praxes ou, pelo menos, limitá-las a algo
minimamente digno e que funcione verdadeiramente como um ritual de boas vindas
aos caloiros, sem humilhações, sem faltas de respeito e acima de tudo sem
demonstrações de um poder falso, que só existe na cabeça de quem tem somente mais
uma matrícula.
A Universidade Lusófona tem a responsabilidade de acabar com
este brincar às hierarquias e aos clubes secretos que leva a que os seus
estudantes exercitem a sua criatividade na busca permanente de rituais que os
façam sentir como nos filmes e nos livros que conhecem; que os façam sentir diferentes
e melhores do que os outros, dos que conscientemente se decidem a não segui-los
e a não fazer parte da comandita, do círculo fechado de autoeleitos.
Mas a principal preocupação da Lusófona, claramente, é ter
um aliado comprado que desenhe uma estratégia de comunicação, que invente uma
imagem favorável da organização, que passe boas energias a quem está atento a
todos os desenvolvimentos do incidente na praia do Meco. Alguém que saiba o que
fazer numa situação de crise, que seja capaz de vender o melhor da Lusófona e a
abafar toda e qualquer notícia menos abonatória do bom nome do cliente. É para
isto que serve uma assessoria de comunicação. Serve para servir de assessoria
de imagem, assessoria estratégica, aliado cerebral, estratega militar,
preparado para a pior das batalhas, munido das armas mais baixas e mais
inteligentes, prontos a tudo, mercenários sem escrúpulos, bem treinados,
experientes em intervenções rápidas, entrar
e sair em cinco minutos, sem danos colaterais e, acima de tudo, sem baixas
na equipa.
Os jornalistas esses, preguiçosos na sua demanda pelo facto
real, esquecidos que estão de como se faz um trabalho de investigação,
sequiosos pelo que der mais dinheiro ao patrão, permitirão que estes interesseiros
assessores lhes empurrem tudo e mais alguma coisa pela garganta abaixo para
poderem cagar notícias que interessam somente a todos os que fazem parte da
fauna Lusófona. E este ecossistema feroz e imparável atropela-nos, leva-nos na
enxurrada; baralha-nos, confunde-nos e engana-nos, engenhosamente ludibria-nos
e convence-nos. Porque é um ecossistema assente num jogo jogado em campos de
jogo muito distantes da nossa vista e do nosso conhecimento, nos bastidores, em
salas de reunião e gabinetes em que só alguns podem entrar e em que a só uns quantos
é permitido falar.
O que a Lusófona se prepara para começar a fazer, com a
ajuda inestimável do mercenário, é uma cirurgia plástica mediática, que lhe
limpe as feias estrias e lhe reduza as inestéticas gorduras abdominais. Que a
faça parecer bem e eternamente jovem, que a torne bonita para além de qualquer
dúvida. Se estivermos atentos ao desenrolar dos acontecimentos em torno da
Lusófona vamos poder assistir em primeira mão e com todo o esplendor à força
dos assessores de comunicação.
Se não tivermos cuidado e o devido
distanciamento, ainda acabamos a sentir uma irresistível vontade de nos
matricularmos na Lusófona e a sermos praxados até à inconsciência.
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