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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

A CIRURGIA MEDIÁTICA



Muito se fala habitualmente do poder dos media; da sua tendência para a manipulação, para o exagero, para as abordagens mais ou menos tendenciosas de factos e notícias e para o interesse que os órgãos de comunicação têm nestes ou aqueles assuntos. Nunca se fala, contudo, nas empresas de assessoria de comunicação e no que elas fazem pelos seus clientes, muitos clientes, individuais ou colectivos, com necessidades particulares e com objectivos, também esses, nem sempre nobres ou dignos.

Esta semana ficámos a saber que à queixa-crime movida pelos pais das vítimas do Meco à Universidade Lusófona, a instituição respondeu com a contratação de um aliado de peso, ou seja, uma prestigiada empresa de consultoria estratégica que, segundo o Jornal de Notícias, movimenta um dos maiores volumes de negócio em Portugal.

O que é que isto significa, na verdade? Significa que até aqui toda a comunicação dita de crise relativa ao caso da praia do Meco era efectuada por um docente da universidade e que, agora que a conversa subiu de tom, convém trazer alguém habituado a nadar num mar infestado de tubarões. Algo do género muito obrigado pelos teus serviços, meu menino, mas agora temos de chamar os adultos, tá bem? Porque o assunto agora é sério e há que tratar com especial carinho da imagem da instituição, afectada que está com toda esta história dos que morreram ao serviço de uma praxe académica, ritual de passagem ou de promoção ou seja lá o que for que era aquilo.

Não significa isto, no entanto, que a Lusófona tenha culpas no incidente do Meco. Significa somente que a maior preocupação daquela instituição de ensino superior neste momento seja passar ao público atento que são uns porreiros, que fazem muito pela sua comunidade académica e que nada têm a ver com o que os seus estudantes fazem para lá dos limites físicos da universidade. E com legitimidade, diga-se. O assunto é demasiado sério e é coisa para arrastar uma organização, por muito venerada que seja, para um buraco sujo e feio e do qual dificilmente se regressa.

No entanto…

No entanto é difícil acreditar que a Universidade Lusófona não tenha conhecimento das prácticas levadas a cabo pelos seus excelsos alunos durante as praxes académicas. É muito difícil de engolir, especialmente, que a instituição fosse desconhecedora destes rituais balneares que resultaram, tragicamente, em seis vítimas mortais. E claro, a desculpa de que a responsabilidade do que acontece para lá dos portões da Lusófona não pode ser imputada à instituição por isso mesmo, por estar igualmente do lado de fora do edifício, conquista sempre alguns fervorosos adeptos, nomeadamente dentro da própria universidade. Mas não convence quem não tem uma ligação emocional à organização.

É impossível que, num meio de grandes dimensões como é uma universidade, mas em que tudo facilmente se sabe, afirmar desconhecimento por rituais que, ao fim de algumas horas mediáticas, eram já amplamente descritos por quem já tinha passado por eles ou por quem simplesmente sabia da sua existência, mesmo que não tivesse sido aluno da referida universidade. Duas semanas antes destes rituais serem referidos bombasticamente nos meios de comunicação, fiquei a saber por alguém que nunca sequer estudou em lisboa, que estas cerimónias eram recorrentes e que muito provavelmente teria sido um destes rituais a resultar na tragédia do Meco.

Mais uma vez, significa isto que a universidade Lusófona é culpada na morte dos seus seis alunos? Não. Significa que podia fazer algo relativamente às praxes e rituais ditos académicos que os seus alunos realizam fora da universidade? Não sei. Talvez. Não sei como, mas talvez. Significa que pode ser alvo de uma queixa-crime? Com certeza que sim. Quanto mais não seja para pôr os responsáveis por aquela instituição a pensar numa maneira de, uma vez por todas, acabar com as praxes ou, pelo menos, limitá-las a algo minimamente digno e que funcione verdadeiramente como um ritual de boas vindas aos caloiros, sem humilhações, sem faltas de respeito e acima de tudo sem demonstrações de um poder falso, que só existe na cabeça de quem tem somente mais uma matrícula.

A Universidade Lusófona tem a responsabilidade de acabar com este brincar às hierarquias e aos clubes secretos que leva a que os seus estudantes exercitem a sua criatividade na busca permanente de rituais que os façam sentir como nos filmes e nos livros que conhecem; que os façam sentir diferentes e melhores do que os outros, dos que conscientemente se decidem a não segui-los e a não fazer parte da comandita, do círculo fechado de autoeleitos.

Mas a principal preocupação da Lusófona, claramente, é ter um aliado comprado que desenhe uma estratégia de comunicação, que invente uma imagem favorável da organização, que passe boas energias a quem está atento a todos os desenvolvimentos do incidente na praia do Meco. Alguém que saiba o que fazer numa situação de crise, que seja capaz de vender o melhor da Lusófona e a abafar toda e qualquer notícia menos abonatória do bom nome do cliente. É para isto que serve uma assessoria de comunicação. Serve para servir de assessoria de imagem, assessoria estratégica, aliado cerebral, estratega militar, preparado para a pior das batalhas, munido das armas mais baixas e mais inteligentes, prontos a tudo, mercenários sem escrúpulos, bem treinados, experientes em intervenções rápidas, entrar e sair em cinco minutos, sem danos colaterais e, acima de tudo, sem baixas na equipa.

Os jornalistas esses, preguiçosos na sua demanda pelo facto real, esquecidos que estão de como se faz um trabalho de investigação, sequiosos pelo que der mais dinheiro ao patrão, permitirão que estes interesseiros assessores lhes empurrem tudo e mais alguma coisa pela garganta abaixo para poderem cagar notícias que interessam somente a todos os que fazem parte da fauna Lusófona. E este ecossistema feroz e imparável atropela-nos, leva-nos na enxurrada; baralha-nos, confunde-nos e engana-nos, engenhosamente ludibria-nos e convence-nos. Porque é um ecossistema assente num jogo jogado em campos de jogo muito distantes da nossa vista e do nosso conhecimento, nos bastidores, em salas de reunião e gabinetes em que só alguns podem entrar e em que a só uns quantos é permitido falar.

O que a Lusófona se prepara para começar a fazer, com a ajuda inestimável do mercenário, é uma cirurgia plástica mediática, que lhe limpe as feias estrias e lhe reduza as inestéticas gorduras abdominais. Que a faça parecer bem e eternamente jovem, que a torne bonita para além de qualquer dúvida. Se estivermos atentos ao desenrolar dos acontecimentos em torno da Lusófona vamos poder assistir em primeira mão e com todo o esplendor à força dos assessores de comunicação. 

Se não tivermos cuidado e o devido distanciamento, ainda acabamos a sentir uma irresistível vontade de nos matricularmos na Lusófona e a sermos praxados até à inconsciência.