PORTUGAL E VENEZUELA: AMIGOS PARA SIEMPRE
Portugal e a Venezuela assinaram no passado dia 15 de
Janeiro acordos de cooperação de 1600 milhões de euros para projectos de
construção, portos, habitação social e indústria. Vista assim a coisa, não há
quem possa dizer mal da parceria económica. À luz dos recentes acontecimentos
naquele país da América Latina e da falta de reacção do governo português e dos
demais partidos com assento parlamentar, no entanto, a negociata assume outras
proporções.
Portugal foi conduzido à posição de amigo da Venezuela pela
mão de José Sócrates e por meio de inúmeros negócios e trocas comerciais com o
governo de Chávez. Chávez veio a Portugal, os nossos governantes e homens de
negócio foram a Caracas, o ambiente era relaxado e engraçadito, as relações
eram afáveis e ligeiras e a amizade entre os dois países ganhou contornos de
solidez e consolidação eternas. Essa amizade economicista levou a que Portugal sempre
fechasse os olhos às demonstrações de soberba ditatorial de um governo sábio na
arte do populismo e às suspeitas de ilegalidades eleitorais que que conduziram
Chávez ao poder e que levaram a que o grande amigo de Sócrates pudesse também
ser um amigo da nossa nação.
Os partidos da nossa esquerda, esses, viram no presidente
venezuelano tudo o que tanto apreciam: um homem forte, um justiceiro solitário
que carrega em si o ódio ao capitalismo e o antiamericanismo absoluto e
declarado. Sem medos, sem papas na língua, um símbolo da cartilha comunista, o
que muitos comunistas queriam ser quando fossem grandes. Um novo Che do qual
podiam fazer novos cartazes e pins para vender nas festas de Verão e nos
comícios políticos. Por estas razões, também esses partidos fecharam os olhos e
as bocas a muito do que Chávez fez de errado e aceitaram de bom grado a sua
amizade.
Mas Chávez morreu. Por culpa dos americanos, disse-se. Para que
a sua luta tivesse uma continuidade nos espíritos dos que o adoravam e o
desculpavam, foram os americanos culpados pela sua morte. Assim se concedeu a Chávez
algo que ele não teria de outra forma: o condão de ter morrido num campo de
batalha virtual, em flagrante combate contra as forças do mal capitalista e
imperialista. E morto o grande líder havia a necessidade de manter o discurso
populista e encantatório das pequenas mentes dos de esquerda, sedentos por um
novo anjo libertador, exímio na trombeta incendiária bolivariana.
E assim foi. O novo ocupante do trono venezuelano fez
justiça ao que prometeu e foi ao encontro do que dele era esperado - não pelo
povo venezuelano, mas pelos outros, os que vivem à custa deste sonho
anticapitalista - e rapidamente tratou de se tornar famoso pelos excessos
discursivos, pelas visões de passarinhos transportadores da verdadeira alma de
Chávez, pelas aparições do eterno presidente e por uma série de medidas
populistas, algumas a roçar o ridículo, e que não conseguem disfarçar uma
intenção declarada: a de enganar os venezuelanos.
Mas os venezuelanos há muito tempo vinham demonstrando já
não serem fáceis de enganar. A juventude da Venezuela sai hoje à rua, sem
receios, e grita que não quer este tipo de governação. Já não queria aquando
das eleições que Maduro venceu, mais uma vez, com métodos dignos do mais bacoco
e impune dos totalitarismos. Mas, também nessa altura, os amigos da Venezuela foram
amigos do governo da Venezuela e calaram-se.
Este comportamento dos nossos governantes e dos partidos da
oposição reforça o lado negativo de se ser amigo de um governo
violentamente repressivo. Ora, quando alguém se cala perante as atrocidades
políticas e sociais como as que temos vindo a assistir na Venezuela, o amigo
deixa de se chamar amigo para se passar a chamar cúmplice. Cúmplice calado. Cúmplice
porque se cala, porque não reclama, porque não se mostra indignado com o comportamento
do compincha. Portugal é um cúmplice. Mais do que um cúmplice, Portugal é algo que a língua inglesa presenteou com uma palavra plena de significado e
repleta de informação e que encerra em si um atributo nada bonito: bystander.
Portugal é um bystander e de acordo com o dicionário da
língua inglesa, bystander significa a
person present but not involved; chance
spectator; onlooker. Para além disso, e sem recurso a qualquer tipo de
criatividade desenquadrada, a palavra bystander
transmite impecavelmente a imagem de alguém que está ao lado de. Ou seja, não
adiantando de modo algum que os nossos políticos concordam com o que se tem
vindo a passar na Venezuela, e muito menos com os acontecimentos dos últimos
dias, parece-me claro que é, sim, sua vontade olharem para o lado enquanto
assobiam uma qualquer cançãozita pitoresca. Tudo para não ofender os nossos
amigos do país que tantos Magalhães nos comprou.
Enquanto isso, enquanto Portugal e mais um sem número de
países e organizações olham para o lado e assobiam para o alto, o governo do
senhor Maduro continua a deitar pela janela os direitos básicos do povo que
jurou servir, a inventar leis que melhor sirvam o seu populismo e a cometer
crimes de todo o tipo e feitio. E, pela parte que me toca, não me sinto nem
desiludido nem chocado com a falta de uma reacção à altura da parte de outras
nações e organizações porque conheço bem o jogo político-económico que tão bem
dominam. Sinto-me traído, como sempre me senti em situações idênticas, quando
vejo o governo do meu país levar tão a sério aquela velha, gasta, empoeirada e
ultrapassada máxima que diz que entre marido e mulher não se mete a colher.
Especialmente quando o marido é nosso amigo e nos dá muito dinheiro a ganhar e quando a mulher nunca fez nada de especial por nós a não ser servir-nos os drinks
quando vamos a casa do casal passar férias.
Quanto aos estudantes que por estes dias morrem nas ruas de
Caracas, ficaria muito mais descansado se tivesse a certeza de que sabem que o
mesmo Símon Bolívar tão idolatrado por Chávez, e sempre usado como arma política
pelo falecido ditador, disse um dia aos colombianos as seguintes palavras: a
minha última vontade é a felicidade da pátria. Se a minha morte contribuir para
o fim do partidarismo e para a consolidação da União, baixarei em paz à sepultura.
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