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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

PORTUGAL E VENEZUELA: AMIGOS PARA SIEMPRE



Portugal e a Venezuela assinaram no passado dia 15 de Janeiro acordos de cooperação de 1600 milhões de euros para projectos de construção, portos, habitação social e indústria. Vista assim a coisa, não há quem possa dizer mal da parceria económica. À luz dos recentes acontecimentos naquele país da América Latina e da falta de reacção do governo português e dos demais partidos com assento parlamentar, no entanto, a negociata assume outras proporções.

Portugal foi conduzido à posição de amigo da Venezuela pela mão de José Sócrates e por meio de inúmeros negócios e trocas comerciais com o governo de Chávez. Chávez veio a Portugal, os nossos governantes e homens de negócio foram a Caracas, o ambiente era relaxado e engraçadito, as relações eram afáveis e ligeiras e a amizade entre os dois países ganhou contornos de solidez e consolidação eternas. Essa amizade economicista levou a que Portugal sempre fechasse os olhos às demonstrações de soberba ditatorial de um governo sábio na arte do populismo e às suspeitas de ilegalidades eleitorais que que conduziram Chávez ao poder e que levaram a que o grande amigo de Sócrates pudesse também ser um amigo da nossa nação.

Os partidos da nossa esquerda, esses, viram no presidente venezuelano tudo o que tanto apreciam: um homem forte, um justiceiro solitário que carrega em si o ódio ao capitalismo e o antiamericanismo absoluto e declarado. Sem medos, sem papas na língua, um símbolo da cartilha comunista, o que muitos comunistas queriam ser quando fossem grandes. Um novo Che do qual podiam fazer novos cartazes e pins para vender nas festas de Verão e nos comícios políticos. Por estas razões, também esses partidos fecharam os olhos e as bocas a muito do que Chávez fez de errado e aceitaram de bom grado a sua amizade.

Mas Chávez morreu. Por culpa dos americanos, disse-se. Para que a sua luta tivesse uma continuidade nos espíritos dos que o adoravam e o desculpavam, foram os americanos culpados pela sua morte. Assim se concedeu a Chávez algo que ele não teria de outra forma: o condão de ter morrido num campo de batalha virtual, em flagrante combate contra as forças do mal capitalista e imperialista. E morto o grande líder havia a necessidade de manter o discurso populista e encantatório das pequenas mentes dos de esquerda, sedentos por um novo anjo libertador, exímio na trombeta incendiária bolivariana.

E assim foi. O novo ocupante do trono venezuelano fez justiça ao que prometeu e foi ao encontro do que dele era esperado - não pelo povo venezuelano, mas pelos outros, os que vivem à custa deste sonho anticapitalista - e rapidamente tratou de se tornar famoso pelos excessos discursivos, pelas visões de passarinhos transportadores da verdadeira alma de Chávez, pelas aparições do eterno presidente e por uma série de medidas populistas, algumas a roçar o ridículo, e que não conseguem disfarçar uma intenção declarada: a de enganar os venezuelanos.

Mas os venezuelanos há muito tempo vinham demonstrando já não serem fáceis de enganar. A juventude da Venezuela sai hoje à rua, sem receios, e grita que não quer este tipo de governação. Já não queria aquando das eleições que Maduro venceu, mais uma vez, com métodos dignos do mais bacoco e impune dos totalitarismos. Mas, também nessa altura, os amigos da Venezuela foram amigos do governo da Venezuela e calaram-se.

Este comportamento dos nossos governantes e dos partidos da oposição reforça o lado negativo de se ser amigo de um governo violentamente repressivo. Ora, quando alguém se cala perante as atrocidades políticas e sociais como as que temos vindo a assistir na Venezuela, o amigo deixa de se chamar amigo para se passar a chamar cúmplice. Cúmplice calado. Cúmplice porque se cala, porque não reclama, porque não se mostra indignado com o comportamento do compincha. Portugal é um cúmplice. Mais do que um cúmplice, Portugal é algo que a língua inglesa presenteou com uma palavra plena de significado e repleta de informação e que encerra em si um atributo nada bonito: bystander.

Portugal é um bystander e de acordo com o dicionário da língua inglesa, bystander significa a person present but not involved; chance spectator; onlooker. Para além disso, e sem recurso a qualquer tipo de criatividade desenquadrada, a palavra bystander transmite impecavelmente a imagem de alguém que está ao lado de. Ou seja, não adiantando de modo algum que os nossos políticos concordam com o que se tem vindo a passar na Venezuela, e muito menos com os acontecimentos dos últimos dias, parece-me claro que é, sim, sua vontade olharem para o lado enquanto assobiam uma qualquer cançãozita pitoresca. Tudo para não ofender os nossos amigos do país que tantos Magalhães nos comprou.

Enquanto isso, enquanto Portugal e mais um sem número de países e organizações olham para o lado e assobiam para o alto, o governo do senhor Maduro continua a deitar pela janela os direitos básicos do povo que jurou servir, a inventar leis que melhor sirvam o seu populismo e a cometer crimes de todo o tipo e feitio. E, pela parte que me toca, não me sinto nem desiludido nem chocado com a falta de uma reacção à altura da parte de outras nações e organizações porque conheço bem o jogo político-económico que tão bem dominam. Sinto-me traído, como sempre me senti em situações idênticas, quando vejo o governo do meu país levar tão a sério aquela velha, gasta, empoeirada e ultrapassada máxima que diz que entre marido e mulher não se mete a colher. Especialmente quando o marido é nosso amigo e nos dá muito dinheiro a ganhar e quando a mulher nunca fez nada de especial por nós a não ser servir-nos os drinks quando vamos a casa do casal passar férias.

Quanto aos estudantes que por estes dias morrem nas ruas de Caracas, ficaria muito mais descansado se tivesse a certeza de que sabem que o mesmo Símon Bolívar tão idolatrado por Chávez, e sempre usado como arma política pelo falecido ditador, disse um dia aos colombianos as seguintes palavras: a minha última vontade é a felicidade da pátria. Se a minha morte contribuir para o fim do partidarismo e para a consolidação da União, baixarei em paz à sepultura.