kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

quarta-feira, janeiro 29, 2014

O MENINO DA GELATINA DE MORANGO (NÃO É CRONISTA COISA NENHUMA)




Pensava eu que não teria de falar novamente de um tal senhor Nuno Ferreira quando, para meu sincero espanto, o biltre volta a sair de debaixo do calhau onde habita para voltar a presentear o mundo com a sua imensa parvoíce. A crónica que o rapaz tinha escrito aqui há uns dias, e em que destilava todo o seu desprezo pelos jovens Calimeros deste país, foi um sucesso tremendo e alvo das mais ásperas e enojadas reacções por parte de quem teve o azar de a ler. Pois o menino não esteve de modas e decidiu escrever um novo texto ­– recuso-me a chamar-lhe crónica – para dessa forma justificar e explicar o que havia vociferado dias antes e, ao mesmo tempo, atirar umas quantas farpas aos seus detratores.

Com este novo escarro Nuno Ferreira comprova definitivamente algo de que eu havia demonstrado suspeitar no texto que publiquei neste mesmo blog: o rapaz é tão cronista como eu sou engenheiro termonuclear e só publica no P3 por ser primo, sobrinho ou namorado de alguém com as chaves da redacção. Porque um cronista escreve o que escreve, defende o que defende e aguenta as potenciais reacções negativas com o nobre silêncio de quem, correcto ou errado, acredita verdadeiramente no que diz. Ser cronista é de homem de barba rija ou de mulher segura de si própria. Nuno Ferreira claramente não se qualifica como nenhum destes. É um espirro de gente, uma criatura rastejante que quis ser cronista por achar sexy escrever num órgão de comunicação social e a quem deram a password de um computador simplesmente pela natureza das suas amizades ou relações familiares.

O mais triste em todo este episódio trágico-cómico chamado Nuno Ferreira é a posição de um órgão de comunicação que, por mais que defenda que trata tudo por tu, se quer sério e idóneo. Permitir a um cronista um texto da natureza deste último assinado pelo jovem Nuno não coloca o P3 do seu lado nem lhe atribui a característica de advogado do assalariado nem tão pouco justifica a perda de leitores – como alguns deixaram bem claro nas respostas ao referido texto. Diz muito, no entanto, acerca do nível de quero-lá-saber de quem manda na política editorial daquele site noticioso.

E é pena. Num panorama jornalístico já de si tão pobre e feio e em que abundam os correios da manhã e os jornais de notícias, com as suas constantes poças de sangue alheio, má escrita e tendências clubísticas e partidárias, era importante um órgão de comunicação como o P3 parecia querer ser. Para ser o que queria, o P3 tinha de demonstrar um critério de qualidade bem mais forte. Para ter essa qualidade, necessitava o P3 de recorrer a profissionais do jornalismo (e não só) que tivessem realmente atributos interessantes e algumas particularidades chamativas. Não é o caso e muito menos é o caso do Nuno Ferreira. Não só pelo que escreveu quando falou dos tais Calimeros, mas também pela pouca qualidade da sua escrita, o desinteresse dos temas que decide abordar e a atitude nada consentânea com um verdadeiro cronista.

Mas, justiça seja feita, há uma coisa que o Nuno Ferreira conseguiu com esta demonstração triste de sobranceria, arrogância e má educação: a partir de hoje, e independentemente das ameaças de abandono que inúmeros leitores prometeram ao P3, muito vão ser lidas as crónicas deste rapaz. Significa isso que o P3 vai ter mais visitantes diários e isso é realmente o que interessa a uma empresa de prestação de serviços mais ou menos jornalísticos. O quê, pensavam que era um jornal digital? Que divertido, nada disso! Da mesma forma que o CM não é um jornal, que o JN é um jornal a meio caminho de um folhetim piroso ­– escrito às três pancadas e desesperadamente a necessitar de um batalhão de revisores – e que o Público é cada vez mais uma sombra triste do que já foi. Pudera que a imprensa escrita esteja em crise há uma pancada de anos: é só um reflexo da crise no ensino universitário e da fábrica de incapazes em que a universidade portuguesa se tornou. Caramba, mais um bocadinho e via-me forçado a concordar com o senhor Nuno Ferreira…

domingo, janeiro 26, 2014

A ESTUPIDEZ ACADÉMICA




Esta crónica não é sobre praxes. Esta crónica também não é sobre os seis do Meco. Esta crónica não é de todo sobre a histeria mediática em torno das praxes e dos seis do Meco. Esta crónica é sobre a estupidez. Assim, simplesmente.

Só acredita quem quer que a morte dos seis estudantes às mãos do mar do Meco se deveu a um ritual de praxe mal calculado e a uma dose de azar acima de uma escala à sorte. Só acredita quem quer porque as evidências chegam para perceber que estudantes trajados dificilmente estariam a ser praxados por colegas hierarquicamente superiores ­– hierarquia essa a que voltarei mais tarde. Mas que os estudantes trajados estavam no Meco com o propósito de um cerimonial directamente ligado ao espírito académico, disso só duvida quem quiser. Não custa perceber, na verdade, que tudo passaria por ser um ritual de subida de nível, de entrada num círculo ainda mais restrito na cadeia de comando; tudo seria, muito provavelmente, um teste, uma prova, um exame nada académico e acima de tudo muito pouco inteligente, a brincar aos marines numa praia na madrugada fria de um Inverno chuvoso, tal e qual os filmes, romantizado o suficiente para parecer ser ainda mais importante, ainda mais honroso, ainda mais dramático. O mar fez-lhes a vontade.

E portanto, a praxe para este desastre não foi chamada. Para este não foi. Já o foi para outros, alguns com desfechos igualmente dramáticos, outros nem por isso mas de outra forma, e por outros motivos, graves. Estes seis morreram não por causa de uma praxe mas por causa do mesmo espírito académico que justifica a existência dessas actividades de integração, boas-vindas, aprendizagem e educação – palavras não minhas mas de dementes que, como os seis do Meco, acreditam na causa académica ao ponto de brincarem com a sorte como se se quisessem oferecer ao mar em sacrifício. O mesmo espírito que impõe sem forçar um silêncio em forma de pacto, que cria traços de seita, de culto, em miúdos que mal têm idade para apertarem sozinhos os cordões dos sapatos e que acham que conhecem o conceito de bando porque leram os livros da série Uma Aventura…  

A praxe no Meco não teve culpas. A culpa foi única e simplesmente dos que morreram e do que se salvou, sabe-se lá porquê, sabe-se lá como. Foi culpa deles porque a culpa de quem acredita nas baboseiras académicas e se submete às praxes, aos rituais de humilhação mais ou menos públicos e, lá está, ao espírito académico, é exclusivamente sua.

O espírito académico é a demonstração mais irracional – porque me recuso a acreditar que seja consciente – da estupidez humana. Uma estupidez que fica em cada um anos após o fim da vida universitária, como tem sido comprovado pela torrente de alarvidades que têm vindo a público na forma de indignação de quem foi praxado e sobreviveu. De quem defende a praxe, de quem acredita piamente que esta tem o objectivo nobre e elevado de integrar todos os que passam por ela; de os ensinar a ser mais adultos, mais importantes, melhores do que os outros, os selvagens, ou medricas, ou meninos da mamã que lhe fugiram e quiseram ser diferentes. A praxe não serve coisa nenhuma. não tem nenhum outro objectivo que não o do pretexto. Pretexto para o autoritarismo, pretexto para o exercício de um poder que não se teria de qualquer outra forma, pretexto para sentir a adrenalina da autoridade repressiva e violenta, pretexto para a farra, para a bebedeira até desmaiar  que é, ela própria, um pretexto para mais um chorrilho de bestialidades diversas – e um belo pretexto para se ser integrado numa hierarquia, com promoções e subidas na carreira, como provavelmente não se volta a ter na vida. Uma hierarquia que só existe na mente iludida de quem acredita numa ilusão fraquinha, num mau truque de mágico de feira, e cuja fragilidade só sobrevive graças à fé cega de quem não tem inteligência para relativizar mesmo as mais básicas dúvidas. 

Na verdade, os boçais académicos que escolhem passar pelo ritual de praxe, só o fazem para serem legitimamente os herdeiros do ritual do ano seguinte. Se fazem o que fazem, se suportam o que suportam, é para poderem ser eles os responsáveis pela tortura dos que se seguirem, preferencialmente, e porque já terão aprendido como se faz, com ainda mais arrogância e autoridade, com requintes de maior malvadez e agressividade. Com maior prazer sádico.

A estupidez académica faz acreditar cegamente na praxe. Faz acreditar que é boa para os recém-chegados alunos, que os ajuda, que os faz crescer, ser mais adultos, mais responsáveis, e isso significa, por exemplo, assinar cegamente um pacto de silêncio de meninos empoleirados numa casa na árvore a dispararem fisgas aos pássaros pousados nos ramos. A estupidez académica não tem limites, durante ou após a vida de estudante. E é uma estupidez tão grave, tão profundamente enraizada nos cérebros dos estúpidos académicos, que os tolda e os torna inconscientemente ignorantes da própria história da tradição que tão ferozmente defendem. Cegos pela força da lavagem cerebral, estes brutos acreditam que a praxe é uma tradição secular, que sempre foi assim, que é algo cujo peso histórico justifica que se lute contra os bárbaros que lhe querem um fim. Estupidificados pela promessa de um Olimpo universitário pleno de prazeres carnais e regado a hidromel, estes energúmenos perdem todo o discernimento e a capacidade de perceber que mentem a cada palavra que vomitam; que não são mais do que fedelhos a brincar aos generais, bandos de cães abandonados que queriam a pinta de se ser lobo e que estão constantemente a um passo bem curto, tamanho 36, de se fecharem numa quinta, encherem os copos de leite e veneno, trocarem uns quantos tiros com a polícia local e encerrarem a festa com um belo incêndio.

É esta estupidez que faz salivar os órgãos de comunicação social, já de si peritos em ser-se estúpido. Fá-los salivar da mesma forma que mais uma notícia de um cão que atacou alguém, da Miss Mundo que se espalhou ao comprido na passerelle, do futebolista que rasgou os calções e nos brindou com uma olá sorridente do seu par de testículos não depilados ou da apresentadora de televisão que de tanto se rir largou um sonoro e sempre hilariante gás intestinal. É a mesma estupidez que nos presenteia com directos consecutivos em torno de um autocarro que caiu de uma ponte, dos bombeiros a desmaiarem em cima das chamas de Verão e do funeral do Eusébio. Para os órgãos de comunicação social a importância de tudo isto é a mesma. É dinheiro a entrar pela porta. São milhares de olhos colados ao papel ou ao vidro, sedentos de sangue que lhes alimente a estupidez. E é a mesma estupidez.

Quanto aos boçais académicos? Não tenho pena deles. Não tenho pena dos que rastejam, dos que passam horas de joelhos, dos que são insultados, espancados, metidos em merda até à boca, dos que vão para casa a cheirar a mijo e lixo e não tenho pena das que são violadas em coma alcoólico. Como não tenho pena dos seis do Meco. Porque tudo isto é o espírito académico que eles abraçam no primeiro dia de aulas. É isto que tão ardentemente desejam e é com tudo isto que sonham naquelas semanas que antecedem o início da sua vida universitária.


Tenho pena, isso sim, dos que ficam à beira-mar a pensar no que tudo poderia ter sido, e em como foram facilmente convencidos pela baba do orgulho de que tudo isto era bom para os filhos, de que a vida académica era mesmo assim e em como nem sabiam de metade do que ali se passava e em como era bom saber o que aconteceu naquela praia. Em como era mesmo bom saber o que aconteceu naquela praia, e o motivo que os levou ali e porque é que estavam tão perto do mar de Inverno que nunca é de confiar. E em como nunca se vão convencer de que os seus filhos eram estúpidos e de que foi a estupidez académica a que muitos chamam de espírito académico a responsável por terem ido morrer a uma praia, numa madrugada fria de Inverno a muitos quilómetros de uma sala de aulas. 

sábado, janeiro 25, 2014

OS CALIMEROS, OS «EMIGRANTES NORMAIS» E UM CRONISTA DE MERDA ou A CRÓNICA EM PORTUGAL JÁ NÃO É O QUE ERA ou O NUNO FERREIRA É MESMO ESTÚPIDO






Caro Nuno Ferreira,

Longe vão os tempos em que a crónica em Portugal tinha ao seu serviço nomes do calibre de um Camilo Castelo Branco, um Jorge de Silva Melo, de um Saramago ou de um Manuel António Pina. A morte dos nossos grandes nomes da escrita deixa um vazio que tem vindo a ser ocupado por rapazotes e raparigas que todos juntos não davam um escritor médio a fugir para o suportável. Nomes como Nilton – ironicamente o meu corrector automático não reconhece tal nome e sugere-me Milton, imagina –, José Diogo Quintela, Margarida Rebelo Pinto, Ricardo Araújo Pereira e outros, são o que podemos ver hoje em dia em artigos de opinião e crónicas em diversos órgãos de comunicação de um país que já teve demasiados prémios Nobel da literatura para termos de levar com esta gente que, sim senhor, sabe usar um teclado, mas que mais valia que o usasse apenas e somente para teclar buscas de sinónimos na internet.

Mas não. O sucesso desta gente abre portas que nada têm a ver com as carreiras que os tornaram famosos muito simplesmente porque hoje, mais do que nunca, é obrigatório vender jornais e com eles publicidade. E, vê lá tu, há mesmo quem queira saber o que esta gente pensa e acha de tudo e mais alguma coisa e esteja disposto a pagar por um jornal para ler meia dúzia de linhas pagas a preço de ouro de qualquer um destes fulanos. É assim a vida.

E portanto, quanto a estes famosos que alguém inventou serem cronistas, não há grande segredo. Ou seja, há realmente um motivo, por muito pouco digno que seja, para terem uma coluna, um quadrado ou uma página em nome próprio num jornal ou revista. Mas depois há casos como o teu. Não és famoso por seres comediante ou por venderes muitos livros a donas de casa desesperadas, não és um nome grande da literatura portuguesa e, ou muito me engano, ou não és uma referência da sociologia, do comentário político ou económico ou membro activo de um qualquer think tank de um qualquer assunto vital para a humanidade. E no entanto és dono e senhor de um espaço de opinião em nome próprio num órgão de comunicação. Está bem que não é um grande órgão, quanto a isso acho que não restam grandes dúvidas. Mas que podia ser um pequeno órgão e, como diz o povo, trabalhador, lá isso podia.

A tua última criação, de seu nome Já não há pachorra para os Calimeros, foi escrita com o coração, não tenho dúvidas quanto a isso. Foi um pedaço de escrita que te deu imenso prazer em escrever e é sincera e honesta e é precisamente isso que me deixa tão apoquentado. Porque, meu bom amigo Nuno, é-me preocupante que alguém com uma mentalidade tão mesquinha e indisfarçadamente arrogante possa vomitar impropérios e falsidades com a cumplicidade e placidez dos responsáveis pelo espaço editorial que te está reservado. No limite, o teu e o deles é um ânimo leve violento e que incomoda mesmo os mais distraídos.

Mas vamos por partes. A tua crónica começa com uma tua constatação de que eu duvido imensamente. Dizes tu, pequeno Nunito, que «não há semana em que [o jovem Calimero] não apareça a dar entrevistas na televisão ou a ser retratado por jornalistas que adoram dar palco aos coitadinhos a quem foi amputado o futuro e que se vêem agora forçados a refazer a vida noutras paragens». Pois bem, eu tenho por hábito dedicar especial atenção ao jornalismo nacional e sou levado a crer que, para dares um cunho especial ao que vais escrever a seguir ao primeiro parágrafo, para criares todo um ambiente que favoreceria, mesmo que por momentos, o assunto da tua crónica, te viste obrigado a inventar um facto. Um facto que te é impossível provar mas que, ao leitor despreocupado, poderá parecer verosímil o suficiente. E isso dá-te um tremendo jeito, não dá, rapaz Nuno? Deixa-me ser ainda mais claro: é mentira que todas as semanas algum jornal ou canal de televisão dê destaque ao tipo de jovens que a ti te provocam tamanha urticária. E mentir é feio, mesmo que isto não seja jornalismo a sério, mesmo que seja somente uma opinião pessoal.

No teu segundo parágrafo revoltas-te contra o Calimero por este, segundo o que tu sabes de fonte segura, vociferar contra o Portugal que «não lhe deu as oportunidades que ele merecia». Não te chateiam, contudo, os ­– como é que lhes chamas? – «emigrantes normais», os tais com quem tu gostas de te dar, por estes serem ambiciosos e saírem de Portugal por acharem que é um país pequeno de mais para eles. Esta razão não te chateia e, no entanto, não está tão longe assim da que os Calimeros usam para procurar uma vida melhor para lá das fronteiras. E não te chateias porque és um arrogante da mais fina apanha, que privilegia quem emigra para ser responsável de recursos humanos em Luanda e assim ganhar dez vezes mais do que ganharia em Lisboa. Tu preferes o engenheiro que foi ganhar 20 mil euros para o Dubai. Esses, tu preferes porque és um cagão insuportável, que olha por cima do nariz para quem não tem um emprego de luxo, numa cidade de luxo, com despesas de luxo pagas sem discussão.

De resto, e com toda a certeza da justiça devida, todas as características, todas as razões e objectivos que achas serem sinais de fraqueza nos emigrantes Calimeros, existem também nos tais «emigrantes normais» teus compinchas. As saudades de casa, o amargo de boca de um país pequeno de mais ou que não lhes deu as oportunidades que achavam merecer, a vontade de receber mais e de ter uma vida melhor e a «boa vidinha que Portugal oferece» e que fica para trás juntamente com a família e os amigos, tudo isto é condição natural de quem emigra, seja para lavar escadas em Parri, seja para ocupar um gabinete panorâmico numa torre árabe ultramoderna.

E a tua arrogância autista fica bem patente e é comprovada de uma assentada por um parágrafo que, como todos os outros, traz a tua assinatura. Quando dizes que «a choradeira desta gente é alimentada pelo mito que o país investiu milhões a formar a melhor geração que Portugal viu nascer. E que agora a desperdiça e a enxota para fora da zona de conforto. “É a fuga de talentos”, dizem alguns jornais» estás a esquecer-te, de propósito, acredito eu, de todos os que, legitimamente, escolheram o campo da investigação para fazer carreira e foram traídos por um país que lhes puxou o tapete de forma demasiado cruel para não parecer uma brincadeira de gosto reprovável. A choradeira destes é tão legítima como a escolha profissional que fizeram. E é uma choradeira que não respeitas e tratas com o desdém típico de quem – e isto é só um palpite – está de acordo com as decisões deste governo.

És estúpido, Nuninho, desculpa que to diga. És orgulhosamente imbecil e indisfarçadamente estúpido. E burro. Porque só alguém sem os clássicos dois dedos de testa é capaz de se contradizer a cada parágrafo que escreve. Queres um exemplo? «Estes Calimeros têm por isso duas opções: ou ficam, acordam para vida e se adaptam. Ou vão sonhar para outro lado. Emigrando para países onde as suas valências sejam sustentadas por quem consuma e lhes pague o mundo de fantasias onde eles querem viver». Mais uma vez o teu generoso conselho vale para os Calimeros como vale para os «emigrantes normais» que tu tanto admiras e invejas. Todos querem poder sonhar, todos almejam concretizar a sua carreira de sonho e todos, mas mesmo todos, querem um mundo, que não é de fantasia, onde possam viver. Nem mais, nem menos.

Por exemplo, eu também gostava muito de poder escrever crónicas e ser pago para isso. Ser pago para navegar a internet em busca de palavras caras como parvenu e conceitos elaboradíssimos como evolução vulgar de Lineu. Nesse sentido invejo-te, admito. Invejo-te e questiono-me, presumivelmente condicionado pela inveja que te tenho. E questiono-me relativamente à forma como chegaste a essa posição tão desejada de cronista. Tenho uma forte sensação – mais uma vez admitindo que possa ser resultado da forte inveja que me domina – que foi pela porta da amizade. Já se sabe como funciona, amigo conhece amigo e a magia acontece. Só que não acontece a todos. Eu, por exemplo, não tenho nenhum amigo no P3 que me dê o privilégio de lá trabalhar. Eu não tenho amigos desses, como não os têm todos os Calimeros que tu desprezas e muitos dos «emigrantes normais» que apaixonadamente compreendes e defendes. E como não temos, somos humildes e queixinhas e temos saudades do que achávamos que iam ser as nossas vidas e sentimos pena de nós próprios por não termos tido uma oportunidade. Mas também temos a noção exacta da sorte que temos, da culpa que temos e da responsabilidade que tínhamos e continuamos a ter.

Tu não. Tu pairas bem acima de tudo isso, de todo esse lamaçal de emoções mundanas, pois tu és um cronista do P3. Tens um espaço com o teu nome, Nuninho, e uma fotografia estilosa a acompanhar, em fato impecavelmente preto e camisa virginalmente branca, como que saído da pandilha do Ocean’s Eleven, todo tu estilo, todo tu garbo e confiança, olhos, sorriso e pose em conformidade com o sucesso alcançado. Apesar disso tudo, vai por mim: pega na gelatina de morango e mete-a no sítio de onde te vêm as ideias e os pensamentos e que com toda a certeza não é o cérebro. 

quinta-feira, janeiro 16, 2014

REFERENDO PARA A LEI DA CO-ADOPÇÃO: SERVIÇO PÚBLICO PARA OS RETRÓGRADOS



Vamos por partes: quem é favor da lei da co-adopção por casais homossexuais, é-o por um sem número de razões, algumas interessantes, outras, como a preocupação pelas crianças que aguardam pela sua vez nos orfanatos, uma parvoíce que não serve para outra coisa que não disfarçar a falta de coragem em assumir as suas verdadeiras razões. Quem é contra a co-adopção por casais homossexuais é-o por uma única razão: ser homossexual é errado, logo, ser filho de homossexuais é errado e um perigo. Qual perigo? O perigo de contágio, como se a homossexualidade fosse uma doença pegajosa e contra a qual não há vacina possível.

São estes os argumentos de um lado e do outro de uma barricada que será ainda maior caso a lei de co-adopção vá a referendo nacional. Uma barricada que representa uma luta desigual porque desigual é a força dos argumentos a favor e contra. Os argumentos de quem é contra são mais fortes e, receio, em maior número. São argumentos de uma mentalidade a que o carimbo retrógrada já não faz jus. São argumentos de pessoas que muito provavelmente ainda acham que os pretos não deviam poder andar de autocarro e que deviam estudar em escolas só para eles; de quem ainda acredita que uma mulher para sair do país devia ser obrigada a obter o devido consentimento do senhor seu esposo; de quem está convencido de que os comunistas ainda comem criancinhas ao pequeno-almoço e que matam velhotes com uma acertada injecção atrás da orelha. São argumentos de quem não tem argumento a não ser o do preconceito e da falta de inteligência. São argumentos de quem, em boa verdade, acha, acredita e está convencido de que sentir amor ou desejo sexual por alguém do mesmo sexo é errado. Errado aos olhos de quem? Aos olhos de quem manda na sua maneira de pensar mesmo que isso lhes seja inconsciente: deus todo-poderoso, que sabe tudo e está em toda a parte; que vê tudo, ouve tudo e julga tudo. O mesmo deus que faz destas pessoas animais sem esqueleto e sem um cérebro a que possam chamar seu. No que diz respeito a independência de pensamento, até as lesmas lhes dariam valiosas lições.

São estas pessoas que acham, acreditam e estão convencidas de que uma criança adoptada por um casal homossexual não tem outro caminho que não seja o da paneleirice; que não tem como não se tornar num deles, um maricas desavergonhado, que atenta contra o pudor em cada passo que dá, que envergonha os valores da família em cada palavra que diz e que muito provavelmente cresce ensinado a difundir os mesmos valores dos panascas dos seus pais e a transmiti-los a outras crianças incautas e desprotegidas.

No entanto, dos dois lados da barricada estão dois grupos de pessoas que não conseguem e parecem não querer ver que o único motivo porque se devia estar a discutir a lei da co-adopção é o dos direitos humanos. Porque em Portugal existem humanos que não têm os mesmos direitos que todos os outros simplesmente porque sentem amor ou desejo sexual por alguém do mesmo sexo. Não há mais argumentos, apenas este. Somos não sei quantos milhões de portugueses que, pela simples definição de sermos todos humanos e, logo, todos iguais, devíamos gozar dos mesmos direitos, sem excepções, sem regras. Esta é a única discussão a ter, sem disfarces, sem preconceitos e acima de tudo sem a merda da mentalidade judaico-cristã a criar ruído de fundo.

Estes são os dois lados de uma barricada que só vai ficar ainda maior com um referendo nacional. Um referendo nacional que não tem razão de existir quando precisamente o que está em cima da mesa é tornar Portugal num país mais justo e com direitos e oportunidades para todos independentemente da sua religião, cor ou raça, sexo e sexualidade. O mesmo Portugal que tanto se orgulhou de ser o primeiro do mundo a prever na sua constituição a abolição da pena de morte, por exemplo. Esta lei não tem discussão. Esta lei não deve ser referendada. Deve ser proposta em Assembleia da República e aprovada, independentemente das crenças dos deputados. Porque é a felicidade dos cidadãos que está em causa; é a sua liberdade enquanto indivíduos. A mesma liberdade que todos os partidos gostam muito de cuspir boca fora quando lhes convém e quando é altura de eleições. Recordar constantemente o país do 25 de Abril não os faz pensar nestas questões exactamente porque o 25 de Abril não lhes diz verdadeiramente coisíssima nenhuma.

Levar a referendo a lei da co-adopção é um magnífico lavar de mãos de quem nos devia governar com justiça e sabedoria. Levar a referendo uma lei que olha pelos direitos e liberdades dos cidadãos do meu país é mais estúpido, ilógico e desnecessário do que referendar uma lei que fechasse numa cave bem funda os  retrógrados endemoninhados que vivem como se isto ainda fosse o jardim do Salazar. Nessa lei eu votava sim mil vezes.

domingo, janeiro 12, 2014

A GRAVIDADE NÃO PERDOA

Desconfiei sempre do que se dizia ser o filme do ano, algo nunca visto em cinema e o principal candidato para a corrida a tudo o que é prémios da indústria cinematográfica. Desconfiei sempre porque todas as imagens de Gravity que foram sendo libertadas aos poucos para criar curiosidade, ansiedade e vontade de o ver nunca surtiram efeito em mim. Porque sinceramente sempre me pareceu um filme como outro qualquer e porque nunca consegui sequer imaginar qual seria o grande segredo que o revelaria realmente como a experiência inesquecível de que tanto se falava. 

Agora que o vi, o que posso dizer é que não só as minhas desconfianças tinham razão de ser como não consigo perceber toda a histeria em torno de um objecto banal, corriqueiro, sem segredo ou novidade e que não tem peso suficiente para conquistar os prémios que se antevêem.

Gravity é o regresso à realização do Alfonso Cuarón que nos trouxe duas obras, essas sim, inesquecíveis, Y Tu Mamá También e Children of Men. Seis anos depois deste último, o realizador mexicano propôs-se a trabalhar uma premissa interessante e com os meios de que obrigatoriamente necessitava para o fazer: dois astronautas são os únicos sobreviventes de um acidente em pleno espaço e por lá ficam à deriva lutando contra todas as adversidades e contra as escassas hipóteses da vida lhes correr bem e regressarem à terra.

E pronto, o filme basicamente é isto. E é só isto porque nada nele tem qualquer tipo de profundidade dramatúrgica. As personagens não têm tempo para criarem seja que dimensão dramática for, o argumento é escasso em situações que nos permitam acompanhá-los na sua luta e no seu desespero e o filme mais não é que uma sucessão de incidentes, soluções mais ou menos improvisadas, efeitos especiais iguais a tantos outros e que por essa razão já não nos surpreendem ou nos fazem pensar na velha dúvida mágica que durante tantos anos andava a par com os desenvolvimentos tecnológicos do cinema: «como é que eles fizeram isto?»

Vendo o filme de fio a pavio há uma sensação desconfortável de que falta ali filme. Ou seja, de que tudo é demasiado rápido, escasso e curto para chegar a fazer mossa no espectador. Por outras palavras, é o próprio filme a matar todas as suas potenciais intenções, a não permitir que entremos nele, a impedir-nos de sentir o que aquelas pessoas sentem, a comover-nos com elas e a torcer para que tudo corra bem. É um filme preguiçoso, comodista e feito à pressa, como se quisesse dizer ao mundo «olha mãe, sem mãos» e se espetasse mesmo ao fundo da rampa da garagem.

O final do filme é, ironicamente, uma súmula bastante realista de tudo o que se passa na hora e meia anterior. A última cena lembra-nos como a gravidade nos vence mesmo que não nos apercebamos; lembra-nos de que tudo o que sobe tem de cair, de que somos empurrados para a terra e de que nada podemos contra a sua força. Assim é Gravity, um filme que só subiu ao patamar mais alto na mentira habitual do marketing e que começa a cair ao fim dos seus dez primeiros minutos para se estatelar sem contemplações num último plano parolo e em que todos os elementos presentes – banda sonora, interpretação e argumento – atingem o seu nível mais baixo.


Dito de outra forma, é inevitável ver no título do último filme de Cuarón, uma previsão do que se vai assistir na sua hora e meia: a um filme banal, sem novidade, sem interesse e que só tem um sentido, o descendente.