OS CALIMEROS, OS «EMIGRANTES NORMAIS» E UM CRONISTA DE MERDA ou A CRÓNICA EM PORTUGAL JÁ NÃO É O QUE ERA ou O NUNO FERREIRA É MESMO ESTÚPIDO
Caro Nuno Ferreira,
Longe vão os tempos em que a crónica em Portugal tinha ao
seu serviço nomes do calibre de um Camilo Castelo Branco, um Jorge de Silva
Melo, de um Saramago ou de um Manuel António Pina. A morte dos nossos grandes
nomes da escrita deixa um vazio que tem vindo a ser ocupado por rapazotes e
raparigas que todos juntos não davam um escritor médio a fugir para o
suportável. Nomes como Nilton – ironicamente o meu corrector automático não
reconhece tal nome e sugere-me Milton, imagina –, José Diogo Quintela,
Margarida Rebelo Pinto, Ricardo Araújo Pereira e outros, são o que podemos ver
hoje em dia em artigos de opinião e crónicas em diversos órgãos de comunicação
de um país que já teve demasiados prémios Nobel da literatura para termos de
levar com esta gente que, sim senhor, sabe usar um teclado, mas que mais valia
que o usasse apenas e somente para teclar buscas de sinónimos na internet.
Mas não. O sucesso desta gente abre portas que nada têm a
ver com as carreiras que os tornaram famosos muito simplesmente porque hoje,
mais do que nunca, é obrigatório vender jornais e com eles publicidade. E, vê
lá tu, há mesmo quem queira saber o que esta gente pensa e acha de tudo e mais
alguma coisa e esteja disposto a pagar por um jornal para ler meia dúzia de
linhas pagas a preço de ouro de qualquer um destes fulanos. É assim a vida.
E portanto, quanto a estes famosos que alguém inventou serem
cronistas, não há grande segredo. Ou seja, há realmente um motivo, por muito
pouco digno que seja, para terem uma coluna, um quadrado ou uma página em nome
próprio num jornal ou revista. Mas depois há casos como o teu. Não és famoso
por seres comediante ou por venderes muitos livros a donas de casa
desesperadas, não és um nome grande da literatura portuguesa e, ou muito me
engano, ou não és uma referência da sociologia, do comentário político ou
económico ou membro activo de um qualquer think
tank de um qualquer assunto vital para a humanidade. E no entanto és dono e
senhor de um espaço de opinião em nome próprio num órgão de comunicação. Está
bem que não é um grande órgão, quanto a isso acho que não restam grandes
dúvidas. Mas que podia ser um pequeno órgão e, como diz o povo, trabalhador, lá
isso podia.
A tua última criação, de seu nome Já não há pachorra para os Calimeros, foi escrita com o coração,
não tenho dúvidas quanto a isso. Foi um pedaço de escrita que te deu imenso
prazer em escrever e é sincera e honesta e é precisamente isso que me deixa tão
apoquentado. Porque, meu bom amigo Nuno, é-me preocupante que alguém com uma
mentalidade tão mesquinha e indisfarçadamente arrogante possa vomitar
impropérios e falsidades com a cumplicidade e placidez dos responsáveis pelo
espaço editorial que te está reservado. No limite, o teu e o deles é um ânimo
leve violento e que incomoda mesmo os mais distraídos.
Mas vamos por partes. A tua crónica começa com uma tua
constatação de que eu duvido imensamente. Dizes tu, pequeno Nunito, que «não há
semana em que [o jovem Calimero] não apareça a dar entrevistas na televisão ou
a ser retratado por jornalistas que adoram dar palco aos coitadinhos a quem foi
amputado o futuro e que se vêem agora forçados a refazer a vida noutras
paragens». Pois bem, eu tenho por hábito dedicar especial atenção ao jornalismo
nacional e sou levado a crer que, para dares um cunho especial ao que vais
escrever a seguir ao primeiro parágrafo, para criares todo um ambiente que
favoreceria, mesmo que por momentos, o assunto da tua crónica, te viste
obrigado a inventar um facto. Um facto que te é impossível provar mas que, ao
leitor despreocupado, poderá parecer verosímil o suficiente. E isso dá-te um
tremendo jeito, não dá, rapaz Nuno? Deixa-me ser ainda mais claro: é mentira
que todas as semanas algum jornal ou canal de televisão dê destaque ao tipo de
jovens que a ti te provocam tamanha urticária. E mentir é feio, mesmo que isto
não seja jornalismo a sério, mesmo que seja somente uma opinião pessoal.
No teu segundo parágrafo revoltas-te contra o Calimero por
este, segundo o que tu sabes de fonte segura, vociferar contra o Portugal que «não
lhe deu as oportunidades que ele merecia». Não te chateiam, contudo, os – como
é que lhes chamas? – «emigrantes normais», os tais com quem tu gostas de te
dar, por estes serem ambiciosos e saírem de Portugal por acharem que é um país
pequeno de mais para eles. Esta razão não te chateia e, no entanto, não está
tão longe assim da que os Calimeros usam para procurar uma vida melhor para lá
das fronteiras. E não te chateias porque és um arrogante da mais fina apanha,
que privilegia quem emigra para ser responsável de recursos humanos em Luanda e
assim ganhar dez vezes mais do que ganharia em Lisboa. Tu preferes o engenheiro
que foi ganhar 20 mil euros para o Dubai. Esses, tu preferes porque és um cagão
insuportável, que olha por cima do nariz para quem não tem um emprego de luxo,
numa cidade de luxo, com despesas de luxo pagas sem discussão.
De resto, e com toda a certeza da justiça devida, todas as
características, todas as razões e objectivos que achas serem sinais de
fraqueza nos emigrantes Calimeros, existem também nos tais «emigrantes normais»
teus compinchas. As saudades de casa, o amargo de boca de um país pequeno de
mais ou que não lhes deu as oportunidades que achavam merecer, a vontade de receber
mais e de ter uma vida melhor e a «boa vidinha que Portugal oferece» e que fica
para trás juntamente com a família e os amigos, tudo isto é condição natural de
quem emigra, seja para lavar escadas em Parri,
seja para ocupar um gabinete panorâmico numa torre árabe ultramoderna.
E a tua arrogância autista fica bem patente e é comprovada
de uma assentada por um parágrafo que, como todos os outros, traz a tua
assinatura. Quando dizes que «a choradeira desta gente é alimentada pelo mito
que o país investiu milhões a formar a melhor geração que Portugal viu nascer.
E que agora a desperdiça e a enxota para fora da zona de conforto. “É a fuga de
talentos”, dizem alguns jornais» estás a esquecer-te, de propósito, acredito
eu, de todos os que, legitimamente, escolheram o campo da investigação para
fazer carreira e foram traídos por um país que lhes puxou o tapete de forma
demasiado cruel para não parecer uma brincadeira de gosto reprovável. A choradeira
destes é tão legítima como a escolha profissional que fizeram. E é uma
choradeira que não respeitas e tratas com o desdém típico de quem – e isto é só
um palpite – está de acordo com as decisões deste governo.
És estúpido, Nuninho, desculpa que to diga. És orgulhosamente
imbecil e indisfarçadamente estúpido. E burro. Porque só alguém sem os
clássicos dois dedos de testa é capaz de se contradizer a cada parágrafo que
escreve. Queres um exemplo? «Estes Calimeros têm por isso duas opções: ou
ficam, acordam para vida e se adaptam. Ou vão sonhar para outro lado. Emigrando
para países onde as suas valências sejam sustentadas por quem consuma e lhes
pague o mundo de fantasias onde eles querem viver». Mais uma vez o teu generoso
conselho vale para os Calimeros como vale para os «emigrantes normais» que tu
tanto admiras e invejas. Todos querem poder sonhar, todos almejam concretizar a
sua carreira de sonho e todos, mas mesmo todos, querem um mundo, que não é de
fantasia, onde possam viver. Nem mais, nem menos.
Por exemplo, eu também gostava muito de poder escrever
crónicas e ser pago para isso. Ser pago para navegar a internet em busca de
palavras caras como parvenu e
conceitos elaboradíssimos como evolução
vulgar de Lineu. Nesse sentido invejo-te, admito. Invejo-te e questiono-me,
presumivelmente condicionado pela inveja que te tenho. E questiono-me
relativamente à forma como chegaste a essa posição tão desejada de cronista. Tenho
uma forte sensação – mais uma vez admitindo que possa ser resultado da forte
inveja que me domina – que foi pela porta da amizade. Já se sabe como funciona,
amigo conhece amigo e a magia acontece. Só que não acontece a todos. Eu, por
exemplo, não tenho nenhum amigo no P3 que me dê o privilégio de lá trabalhar. Eu
não tenho amigos desses, como não os têm todos os Calimeros que tu desprezas e muitos
dos «emigrantes normais» que apaixonadamente compreendes e defendes. E como não
temos, somos humildes e queixinhas e temos saudades do que achávamos que iam
ser as nossas vidas e sentimos pena de nós próprios por não termos tido uma
oportunidade. Mas também temos a noção exacta da sorte que temos, da culpa que
temos e da responsabilidade que tínhamos e continuamos a ter.
Tu não. Tu pairas bem acima de tudo isso, de todo esse
lamaçal de emoções mundanas, pois tu és um cronista do P3. Tens um espaço com o
teu nome, Nuninho, e uma fotografia estilosa a acompanhar, em fato
impecavelmente preto e camisa virginalmente branca, como que saído da pandilha
do Ocean’s Eleven, todo tu estilo,
todo tu garbo e confiança, olhos, sorriso e pose em conformidade com o sucesso
alcançado. Apesar disso tudo, vai por mim: pega na gelatina de morango e mete-a
no sítio de onde te vêm as ideias e os pensamentos e que com toda a certeza não
é o cérebro.
5 Comments:
At 17:19, Nelson Silva said…
Meu caro agradeço-te o tempo que dispensas-te na elaboração deste texto. Nunca li um texto tão "fino" e ao mesmo tempo temperadamente "grosso". Grande Abraço Nelson Silva
At 19:21, Mrs. D said…
Depois de ver isto tive de ir a procura da cronica original. E fiquei mesmo assim a modos que bem irritada... Eu poderia ser considerada por ele um 'emigrante normal' - vim-me embora para Inglaterra para integrar um departamento diferente na empresa onde trabalhava, vim antes dos Passos Coelhos e das Troikas etc e tal. Nem vim ganhar mais, vim 'a procura de mais oportunidades que felizmente trabalhei e consegui alcanca-las. Mas e' como dizes, isso nao faz absolutamente diferenca nenhuma no que custa ter de sair do pe da familia, ter de dar os gatos, estar sozinha e sem os mimos da familia quando se esta doente ou alguem que nos va buscar ao hospital quando somos internados... essas coisas que nao interessam nada na vida das pessoas. Tenho muita pena que tenha tido de sair do meu pais para poder crescer e ter oportunidades que la nunca teria...
E' ridiculo fazer a distincao entre uns e outros, toda a gente que sai vai ao mesmo, mais bem ou mais mal pago...
At 21:09, liberdade said…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
At 10:21, Unknown said…
Este Nuno e a sua gelatina de morango cada vez que abre a boca só sai mesmo textos sem nexo.
Excelente texto. Grande abraço
At 08:41, Anónimo said…
Meu Deus. Tanta raiva. Também ficas assim quando vês os palhaços no circo?
Enviar um comentário
<< Home