A GRAVIDADE NÃO PERDOA
Desconfiei sempre do que se dizia ser o filme do ano, algo
nunca visto em cinema e o principal candidato para a corrida a tudo o que é
prémios da indústria cinematográfica. Desconfiei sempre porque todas as imagens
de Gravity que foram sendo libertadas aos poucos para criar curiosidade,
ansiedade e vontade de o ver nunca surtiram efeito em mim. Porque sinceramente sempre
me pareceu um filme como outro qualquer e porque nunca consegui sequer imaginar
qual seria o grande segredo que o revelaria realmente como a experiência
inesquecível de que tanto se falava.
Agora que o vi, o que posso dizer é que não só as minhas desconfianças
tinham razão de ser como não consigo perceber toda a histeria em torno de um
objecto banal, corriqueiro, sem segredo ou novidade e que não tem peso
suficiente para conquistar os prémios que se antevêem.
Gravity é o regresso à realização do Alfonso Cuarón que nos
trouxe duas obras, essas sim, inesquecíveis, Y Tu Mamá También e Children of Men.
Seis anos depois deste último, o realizador mexicano propôs-se a trabalhar uma
premissa interessante e com os meios de que obrigatoriamente necessitava para o
fazer: dois astronautas são os únicos sobreviventes de um acidente em pleno
espaço e por lá ficam à deriva lutando contra todas as adversidades e contra as
escassas hipóteses da vida lhes correr bem e regressarem à terra.
E pronto, o filme basicamente é isto. E é só isto porque
nada nele tem qualquer tipo de profundidade dramatúrgica. As personagens não
têm tempo para criarem seja que dimensão dramática for, o argumento é escasso
em situações que nos permitam acompanhá-los na sua luta e no seu desespero e o
filme mais não é que uma sucessão de incidentes, soluções mais ou menos
improvisadas, efeitos especiais iguais a tantos outros e que por essa razão já
não nos surpreendem ou nos fazem pensar na velha dúvida mágica que durante
tantos anos andava a par com os desenvolvimentos tecnológicos do cinema: «como
é que eles fizeram isto?»
Vendo o filme de fio a pavio há uma sensação desconfortável
de que falta ali filme. Ou seja, de que tudo é demasiado rápido, escasso e
curto para chegar a fazer mossa no espectador. Por outras palavras, é o próprio
filme a matar todas as suas potenciais intenções, a não permitir que entremos
nele, a impedir-nos de sentir o que aquelas pessoas sentem, a comover-nos com
elas e a torcer para que tudo corra bem. É um filme preguiçoso, comodista e
feito à pressa, como se quisesse dizer ao mundo «olha mãe, sem mãos» e se
espetasse mesmo ao fundo da rampa da garagem.
O final do filme é, ironicamente, uma súmula bastante
realista de tudo o que se passa na hora e meia anterior. A última cena lembra-nos
como a gravidade nos vence mesmo que não nos apercebamos; lembra-nos de que
tudo o que sobe tem de cair, de que somos empurrados para a terra e de que nada
podemos contra a sua força. Assim é Gravity, um filme que só subiu ao patamar
mais alto na mentira habitual do marketing e que começa a cair ao fim dos seus dez
primeiros minutos para se estatelar sem contemplações num último plano parolo e
em que todos os elementos presentes – banda sonora, interpretação e argumento –
atingem o seu nível mais baixo.
Dito de outra forma, é inevitável ver no título do último
filme de Cuarón, uma previsão do que se vai assistir na sua hora e meia: a um
filme banal, sem novidade, sem interesse e que só tem um sentido, o
descendente.
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