OS CÃES MORDEM E A CARAVANA FICA SEM PERNAS
O dia 1 de Maio que se aproxima e o 25 de Abril em Portugal,
representam para a luta do povo o mesmo que o 25 de Dezembro representa para os
católicos: são dias simbólicos e nada mais do que isso. O dia 1 de Maio, o dia
do trabalhador, foi importante quando se deu. Hoje, é uma data que merece ser lembrada
e celebrada e que não merece, de modo algum, ser usada pelos revolucionários de
bolso para fazerem de conta que estão na luta. O dia 1 de Maio e o dia 25 de
Abril, nas mãos de políticos, sindicatos e adeptos dos partidos, são anedotas
mal contadas, daquelas que até teriam piada se não fossem arruinadas por quem
as diz.
No dia 1 de Maio, por exemplo, haverá manifestações
simbólicas, protestos simbólicos, passeatas simbólicas, reuniões simbólicas e
jantares simbólicos. Os sindicatos providenciarão um simbólico hastear das suas
bandeiras, distribuirão panfletos simbólicos e farão discursos simbolicamente
incendiários. No dia 1 de Maio, alguém algures não trabalhará e acreditará que
isso é uma forma de protesto. No dia 1 de Maio alguém trabalhará e será
achincalhado pelos que não trabalham, acusando-o de desrespeitar os valores
desse dia.
Os sindicatos, como os políticos e os adeptos dos partidos,
são maus comediantes que contam sempre a mesma piada mas que enchem o peito com
orgulho porque a contaram mais uma vez. Acham que fazem um grande serviço,
quando, na verdade, estão a contribuir para que o ecossistema criado para nos
espezinhar se mantenha vivo e de recomendável saúde. Esta gente está para o bem-estar
de um povo e de um país como os cientistas que fazem experiências em animais
estão para as marcas de cosméticos.
E se calhar está na altura de acabar com tanta simbologia,
com tanto folclore, com tantos postais ilustrados que de tão gastos que estão
se tornaram totalmente ilegíveis.
Se calhar está na altura de encontrar novas formas de luta. Novas
formas de manifestação.
Se calhar está na altura de acabarmos com greves que não são
mais do que simbólicas e com protestos que não reflectem nunca o que realmente
sentimos em relação aos que nos governam e às políticas que inventam para nos
lixar mais um bocadinho.
A ditadura do proletariado, tão do agrado dos adeptos de esquerda,
é a capacidade do povo em controlar o poder político. E já se sabe, há duas
maneiras de controlar o poder político: através de eleições, se quisermos
esperar o tempo entre dois actos eleitorais, e através da tomada do poder pela
força.
Proponho uma terceira: obrigar o poder político a desistir. A
desistir não só da cadeira do poder mas de toda a carreira política. Proponho sugar
toda a liberdade e paz de alma aos homens e mulheres que nos governam; não lhes
dar um só momento de descanso. Fazer com que se sintam de tal modo ameaçados,
que não consigam fazer a sua vida normal; que não consigam ir à mercearia da
esquina comprar pêras; que deixem de poder ir ao cinema com a família; que se
sintam obrigados a mudar de casa ou a sair à rua apenas na companhia de
seguranças. Proponho que os tornemos reclusos da vida que escolheram retirando-lhes
qualquer réstia de liberdade pessoal. Proponho que sejam pirateados até ao fim
dos seus dias; que vejam as suas contas bancárias reduzidas a zero, os seus
dados pessoais expostos, a sua vida completa e liminarmente destruída. Proponho
que os ameacemos a sério. Proponho que façamos com que tenham medo do seu povo.
Um político sem medo das consequências das suas decisões é o animal mais
perigoso à face da terra.
Se calhar está na altura de trocarmos o prato da balança que
está mais em baixo.
Se calhar está na altura de fazermos greves sem data marcada
e duração determinada e acima de tudo sem medo das suas consequências.
Se calhar está na altura de sairmos à rua e não sairmos dela
tão cedo.
Se calhar está na altura de confrontarmos os nossos
políticos cara a cara.
Se calhar está na altura de darmos menos importância ao
hastear de bandeiras e ao cantar de hinos.
Se calhar está na altura dos cães pararem de ladrar e
começarem a morder.
Se calhar já está na altura há muito tempo.
No Brasil foram semanas de manifestações porque o Governo
queria aumentar o preço dos transportes. Em Portugal um Primeiro-ministro foge
desavergonhadamente ao pagamento de impostos e a malta no café diz «que
vergonha».
Se calhar está na altura de deixarmos de ser portugueses.