O LUGAR DA CULTURA?
Sempre achei que muitas das pessoas que estão à frente de
ministérios, secretarias de estado, gabinetes de desenvolvimento e de
investigação e tantos outros serviços que nos interessam de uma forma ou outra,
têm pouco ou nada a ver com os assuntos em questão. São cargos ocupados por
inúmeros motivos; por colocação, por sugestão de amigos de amigos, por ascensão
natural na carreira, etc. Não são, acredito eu, por interesse pessoal na
matéria a ser trabalhada. Mais concretamente, acredito que no campo
governativo, os políticos são as piores pessoas para assegurarem os interesses
da cultura. Um político carreirista lutar pelos interesses de quem produz e de
quem consome cultura, é mais ou menos o mesmo que destinar um economista
académico a uma vida de vendedor de bolas de Berlim nas praias da Nazaré.
Eu sei, é arrogância nivelar todos os políticos
profissionais por um mesmo degrau de ignorância, de burrice e de desinteresse
por todos os assuntos que não tenham a ver com economia, finanças, banca e politiquice
pura e dura. Por outro lado, todos os dias, de há não sei quantos anos para cá,
não vemos outra coisa que não seja um profundo desinteresse pelo estado da
cultura em Portugal e pela qualidade de vida de quem a trabalha. Os profissionais
da cultura em Portugal não são profissionais aos olhos dos outros. Cultura em
Portugal ainda é, para muita gente, um hobby, uma coisa que se faz nas horas
vagas. Os enfermeiros, os tipos do metro e os pilotos da TAP, esses sim, esses
têm de lutar pelos seus direitos e têm de receber mais e trabalhar menos horas.
Os actores, realizadores, encenadores e aquela gente toda das artes, esses já
têm muita sorte em receber seja o que for para fazerem aquelas coisas que
ninguém vai ver. Eu também acho que os enfermeiros e todos os outros
profissionais de todos os sectores têm o direito, acima de tudo, a serem
respeitados por aquilo que fazem. O respeito, esse, tem é de ser para todos.
A mais recente prova de que os políticos deste país se estão
nas tintas para a cultura e que para eles a cultura e as artes são coisas muito
estranhas e de que eles não percebem uma migalha de pão seco, é este fórum
organizado pela secretaria de estado da cultura com o nome profético O Lugar da
Cultura – no fim explico esta do profético. Durante três dias, Lisboa será
palco de uma aturada discussão em torno da cultura e da sua «presença e
relevância em Portugal», segundo palavras do próprio secretário de estado. Tudo
muito bonito, não fosse o painel de oradores composto por economistas, directores
e professores de várias universidades, outros ministros e secretários de
estado, um delegado do Conselho
Pontifício para a Cultura, no Vaticano, um antigo presidente do Parlamento
Europeu, o Imã da Mesquita Central de Lisboa, a vice-presidente da comunidade
judaica em Lisboa, a presidente do INE e mais uns quantos outros que, segundo a
organização do fórum, têm tudo a ver com a discussão em causa. Artistas? São
muito poucos…
Se o objectivo é
falar do lugar da cultura e a sua relevância no nosso país, começo por duvidar,
então, do conhecimento que os convidados internacionais terão da nossa realidade
cultural e artística. E se os artistas estivessem mais representados neste
discussão acerca da sua relevância e lugar, não teria quaisquer problemas em
que viessem uns quantos camones para
botar faladura acerca de algo que, desconfio, sabem muito pouco. E é aqui,
precisamente que reside o problema.
É este, aliás, o problema. Em Portugal quem
trata da cultura, quem lhe dá meios, quem olha pelos seus interesses, são
políticos, economistas e teóricos dos mais diversos quadrantes, que se convidam
uns aos outros para as conferências, fóruns e debates que organizam. Esta gente
vai a conferências por um preço e faz disso uma carreira, que começa ou acaba
na publicação de um paper numa
revista muito conceituada. Pelo meio fica a dita conferência, com honorários
não tão de saldos quanto isso, estadia em hotel de cinco estrelas e jantares de
gala. E nada, como diriam os espanhóis. Daqui não resulta nada, muito menos
para os artistas e profissionais (a sério) da cultura em Portugal.
Este fórum, como
tantos outros, é um passeio de vaidades, um ninho de amiguismos, sem real
interesse ou preocupação pelo assunto em debate, sem vontade se mudar seja o
que for. É uma tremenda perda de tempo e de dinheiro, um novo-riquismo de quem
gosta muito de brincar à gente crescida, que organiza eventos internacionais e
gosta de gritar «também somos civilizados!»
Portugal é um país
triste porque é ridículo. É um país triste porque, como muitos outros, é
conduzido por gente que se veste como um bancário. Num país como este, a
resposta à pergunta – que nem no fórum é uma pergunta – qual o lugar da cultura?
é simples: não sei, mas sei que não é em Portugal.
Pequeno comentário:
de acordo com informações recolhidas pelo jornal Público, este fórum terá
custado aos cofres da secretaria de estado da cultura cerca de 140 mil euros.
Esses 140 mil euros davam para muita coisa na cultura, mas a verdade é que a
secretaria de estado da cultura e o seu secretário, não se preocupam lá muito
com a cultura. Para ele e para os outros como ele, é este o lugar evidente da
cultura: num cantinho, bem longe da vista, como quem arruma aquele kit de
fondue que recebeu pelo casamento e para o qual não tem a mais pequena
utilização. Não era necessário gastar 140 mil euros num fórum para nos provar o
que já sabemos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home