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Bom Karma... ou não!

domingo, abril 19, 2015

O LUGAR DA CULTURA?



Sempre achei que muitas das pessoas que estão à frente de ministérios, secretarias de estado, gabinetes de desenvolvimento e de investigação e tantos outros serviços que nos interessam de uma forma ou outra, têm pouco ou nada a ver com os assuntos em questão. São cargos ocupados por inúmeros motivos; por colocação, por sugestão de amigos de amigos, por ascensão natural na carreira, etc. Não são, acredito eu, por interesse pessoal na matéria a ser trabalhada. Mais concretamente, acredito que no campo governativo, os políticos são as piores pessoas para assegurarem os interesses da cultura. Um político carreirista lutar pelos interesses de quem produz e de quem consome cultura, é mais ou menos o mesmo que destinar um economista académico a uma vida de vendedor de bolas de Berlim nas praias da Nazaré.

Eu sei, é arrogância nivelar todos os políticos profissionais por um mesmo degrau de ignorância, de burrice e de desinteresse por todos os assuntos que não tenham a ver com economia, finanças, banca e politiquice pura e dura. Por outro lado, todos os dias, de há não sei quantos anos para cá, não vemos outra coisa que não seja um profundo desinteresse pelo estado da cultura em Portugal e pela qualidade de vida de quem a trabalha. Os profissionais da cultura em Portugal não são profissionais aos olhos dos outros. Cultura em Portugal ainda é, para muita gente, um hobby, uma coisa que se faz nas horas vagas. Os enfermeiros, os tipos do metro e os pilotos da TAP, esses sim, esses têm de lutar pelos seus direitos e têm de receber mais e trabalhar menos horas. Os actores, realizadores, encenadores e aquela gente toda das artes, esses já têm muita sorte em receber seja o que for para fazerem aquelas coisas que ninguém vai ver. Eu também acho que os enfermeiros e todos os outros profissionais de todos os sectores têm o direito, acima de tudo, a serem respeitados por aquilo que fazem. O respeito, esse, tem é de ser para todos.

A mais recente prova de que os políticos deste país se estão nas tintas para a cultura e que para eles a cultura e as artes são coisas muito estranhas e de que eles não percebem uma migalha de pão seco, é este fórum organizado pela secretaria de estado da cultura com o nome profético O Lugar da Cultura – no fim explico esta do profético. Durante três dias, Lisboa será palco de uma aturada discussão em torno da cultura e da sua «presença e relevância em Portugal», segundo palavras do próprio secretário de estado. Tudo muito bonito, não fosse o painel de oradores composto por economistas, directores e professores de várias universidades, outros ministros e secretários de estado, um delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, no Vaticano, um antigo presidente do Parlamento Europeu, o Imã da Mesquita Central de Lisboa, a vice-presidente da comunidade judaica em Lisboa, a presidente do INE e mais uns quantos outros que, segundo a organização do fórum, têm tudo a ver com a discussão em causa. Artistas? São muito poucos…

Se o objectivo é falar do lugar da cultura e a sua relevância no nosso país, começo por duvidar, então, do conhecimento que os convidados internacionais terão da nossa realidade cultural e artística. E se os artistas estivessem mais representados neste discussão acerca da sua relevância e lugar, não teria quaisquer problemas em que viessem uns quantos camones para botar faladura acerca de algo que, desconfio, sabem muito pouco. E é aqui, precisamente que reside o problema. 

É este, aliás, o problema. Em Portugal quem trata da cultura, quem lhe dá meios, quem olha pelos seus interesses, são políticos, economistas e teóricos dos mais diversos quadrantes, que se convidam uns aos outros para as conferências, fóruns e debates que organizam. Esta gente vai a conferências por um preço e faz disso uma carreira, que começa ou acaba na publicação de um paper numa revista muito conceituada. Pelo meio fica a dita conferência, com honorários não tão de saldos quanto isso, estadia em hotel de cinco estrelas e jantares de gala. E nada, como diriam os espanhóis. Daqui não resulta nada, muito menos para os artistas e profissionais (a sério) da cultura em Portugal.

Este fórum, como tantos outros, é um passeio de vaidades, um ninho de amiguismos, sem real interesse ou preocupação pelo assunto em debate, sem vontade se mudar seja o que for. É uma tremenda perda de tempo e de dinheiro, um novo-riquismo de quem gosta muito de brincar à gente crescida, que organiza eventos internacionais e gosta de gritar «também somos civilizados!»

Portugal é um país triste porque é ridículo. É um país triste porque, como muitos outros, é conduzido por gente que se veste como um bancário. Num país como este, a resposta à pergunta – que nem no fórum é uma pergunta – qual o lugar da cultura? é simples: não sei, mas sei que não é em Portugal.


Pequeno comentário: de acordo com informações recolhidas pelo jornal Público, este fórum terá custado aos cofres da secretaria de estado da cultura cerca de 140 mil euros. Esses 140 mil euros davam para muita coisa na cultura, mas a verdade é que a secretaria de estado da cultura e o seu secretário, não se preocupam lá muito com a cultura. Para ele e para os outros como ele, é este o lugar evidente da cultura: num cantinho, bem longe da vista, como quem arruma aquele kit de fondue que recebeu pelo casamento e para o qual não tem a mais pequena utilização. Não era necessário gastar 140 mil euros num fórum para nos provar o que já sabemos.