A CORJA E O RAMBO
Imaginem um país em que o Primeiro Ministro é apanhado a
fugir ao fisco, o anterior Primeiro Ministro está preso, acusado de fraude
fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais, diversos novos
inquilinos de câmaras municipais e juntas de freguesia denunciam variadíssimas
prácticas criminosas dos seus antecessores e em que o casamento entre os
tubarões do sector privado, nomeadamente da banca, e os políticos eleitos pelo
povo é um enorme charco de nojo. Imaginem que nesse país se descobrem as
ligações nada bonitas entre o Ministro da Defesa, os seus amigos e o seu
próprio gabinete de advocacia. Imaginem que o ministro, por exemplo, atribuiu a
construção dos drones portugueses a uma empresa gerida por um seu antigo
assessor; imaginem que em 2014 o gabinete de advocacia que pertence ao ministro
promoveu um seminário sobre oportunidades de investimento na Colômbia uma
semana antes do dito ministro visitar aquele país da América Latina em
representação do governo português; imaginem ainda que, três meses após uma
visita do ministro ao Perú, também ela oficial, que este gabinete anunciou um
novo parceiro, imagine-se, peruano.
Se ouvissem falar de um país onde coisas destas
acontecem, qual acham que seria a vossa opinião de tal país e, acima de tudo,
da sua classe política? Pois é assim que os outros olham para Portugal e para a
nossa classe política: um bando de corruptos em nada melhores do que aquelas
caricaturas de líderes de países fictícios que povoam o cinema de série B em
que heróis anti-fascistas combatem políticos rastejantes e capitalistas de
fundo de floresta tropical e lhes destroem o império munidos somente de uma
faca de cozinha e duas riscas pretas debaixo dos olhos para se disfarçarem na
vegetação.
Este é o nosso país e estas são as pessoas a quem
confiámos a condução da nossa vida. E confiamos nestas pessoas, seja lá pelo
tempo que for, porque durante gerações e gerações fomos convencidos de que era
realmente necessário e muito bom para nós escolhermos os nossos representantes.
A noção de representante, de líder que olha pelos nosso interesses,
impregnou-se no nosso DNA e existe hoje na forma de responsável de condomínio,
líder sindical, presidente da associação de pais, delegado de turma, presidente
de junta, presidente da câmara, ministros, presidente. Fomos convencidos disto.
Fomos convencidos de que era tudo no nosso maior interesse e estamos agora
lentamente – muito lentamente – a convencermos-nos de que é tudo uma grande
mentira nascida, cultivada e crescida numa grande verdade. Não é no nosso
interesse e não sei quando terá sido a última vez que realmente terá sido no
nosso interesse. Sei que já não é e sei que tão cedo não volta a ser.
Esta gente, esta corja, que compõe o tecido dos eleitos a
serem eleitos, dos que podem ser escolhidos para nossos representantes, é o
pior de qualquer sistema político e é decididamente o início do fim dos
sistemas políticos. Depois disto só a absoluta e total anarquia. Sem eles não
nos entendemos e com eles só ficamos pior, cada vez pior. Num incêndio destas
proporções só uma explosão é remédio, portanto, que haja uma explosão que nos
faça regressar a um tempo que se calhar nunca existiu, a um tempo de anarquia.
Porque isto, este sistema, conduzido por esta gente, perpetuado por esta gente,
não tem solução. E não tem solução porque é demasiado bom para esta gente o
recusar e tentar ser o que tanto esperamos e necessitamos e porque nós, os
verdadeiros responsáveis pela queda de um sistema, não os controlamos, não os
responsabilizamos e não reclamamos.
Esta gente é criminosa. São criminosos com licença para
matar, com autorização para roubar, com o direito atribuído por nós de nos
fazerem mal, de nos maltratarem, de nos colocarem no lixo, sem remorsos, sem
vergonha. E em criminosos eu não voto. Neste sistema eu não voto. Votarei, sim,
no dia em que um qualquer Rambo de faca de cozinha nos dentes e dois dedos
pretos debaixo dos olhos subir ao poder para explodir esta corja da face do
planeta. Nesse dia voto e levo comigo uma faca de pão que guardo na gaveta da
cozinha e que é bem perigosa e faz uns cortes bem lixados de curar. Nesse dia
sim.
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