O PRECONCEITO NÃO É SÓ UM PUNHO FECHADO ou «OS TAXISTAS NORMALMENTE ATÉ TRANSPORTAM GAYS E TRAVESTIS NOS TAXIS»
Isto é o que eu sei: uma cidadã meteu-se num táxi e acabou
selvaticamente agredida por um profissional no desempenho das suas funções. Isto é,
na verdade, a única coisa de que podemos ter certeza. As razões que levaram o
taxista à agressão são as apontadas pela vítima da agressão, o que
inevitavelmente lhes concede uma repentina condição de verdade absoluta. A versão
do taxista agressor é substancialmente diferente e obviamente não consegue
convencer tanta gente assim. Isto é o que sabemos. E provavelmente mais ninguém
viu realmente nada revelador dos motivos que levaram um profissional a agredir
violentamente uma cliente, porque mesmo os referidos colegas taxistas que terão
assistido à triste cena, poderão apenas ter assistido comodamente às agressões
sem saberem o que se passava e o porquê das mesmas e sem sequer se interessarem por nada disso. O que nós sabemos em
relação a isso – e que me parece inquestionável – é que foram plácidas
testemunhas de um homem a bater com agressividade e violência numa mulher no
meio da rua. E sabemos que não mexeram uma palha para fazer fosse o que fosse. Assistiram,
simplesmente. Como assistem calmamente os vizinhos, as autoridades e os
funcionários de acção social a dezenas, centenas de casos de violência de
homens sobre mulheres, muitos deles, quarenta, até agora, que resultaram na
morte das vítimas. Ou seja, não surpreende a calma dos espectadores desta
triste cena. É algo que aparentemente nos está no DNA.
E portanto, um profissional agride uma cliente e o que eu
espero é que o profissional seja imediatamente suspenso enquanto decorre a
investigação. O que eu espero é que o caso siga para tribunal e o profissional
seja despedido, caso se prove que é um agressor, e que cumpra uma pena de
prisão em conformidade com os crimes que cometeu. Isto é o que eu espero que
aconteça. Não me interessam os motivos que o levaram à agressão, podiam ser
muitos e nem por isso menos perigosos e preocupantes do que aqueles que a
vítima alega. A vítima diz que foi agredida por ter beijado outra mulher, acusa
o agressor de ser homofóbico e nós imediatamente saímos à rua e gritamos que o
agressor é homofóbico e que o Governo despreza os homossexuais e que Portugal
odeia gays. E parte disto, nós sabemos que é verdade. O Governo e os
governantes e a classe política em geral não têm grande interesse pelos
direitos dos homossexuais. Não é uma prioridade, não lhes ocupa a cabeça, não
lhes tira o sono nem lhes rouba o apetite. É um não-problema, uma questão de
menor relevo, um problema de terceira linha, muito atrás dos juros da dívida,
da ida aos mercados, dos bancos em dificuldades e do material de guerra
subaquático. Os paneleiros não interessam, podem esperar, nunca tiveram
direitos, bem podem esperar mais uns quantos anos até os terem e o governo que
vier a seguir que se resolva com eles.
E portanto, esta parte nós sabemos que sim, é verdade. A parte
do agressor ser homofóbico e por isso ter feito o que fez eu não sei se é
verdade. E não me interessa. Como já disse, o que me interessa é que um cidadão
já não pode estar seguro em circunstância alguma e deve começar a ter medo dos
taxistas, empregados de café, funcionários dos quiosques e caixas de supermercado. Porque
longe vão os tempos em que os únicos que à noite nos podiam aviar com uns
valentes sopapos eram os seguranças das discotecas, os namorados ciumentos e,
claro, os ladrões que nos acompanhavam a casa. E é por isso que o que realmente
me interessa nesta triste história da agressão de um taxista à sua cliente é a
agressão e, para já, não os motivos da mesma.
Como me interessa este fenómeno imediato de levantar
bandeiras e sair para a rua aos gritos contra a homofobia e de se organizarem
manifestações, ao vivo e virtuais, em defesa da agredida e denunciando o
preconceito por trás das agressões quando ainda nada foi provado e
especialmente quando, e a não ser que o agressor o admita publicamente, dificilmente
se conseguirá provar que o homem odeia homossexuais e lhes move uma caça
implacável disfarçado de taxista.
E isto interessa-me porque gostava de ver toda esta energia
aplicada a outras manifestações em defesa dos direitos dos homossexuais. Entristece-me
que as dezenas de associações de defesa dos direitos dos homossexuais que
rapidamente se mobilizaram para gritar contra este aparente caso de homofobia,
não tenham a mesma capacidade de mobilização para diariamente se manifestarem
contra o desprezo legal com que os homossexuais são tratados em Portugal. E entristece-me
e preocupa-me, caso seja verdade que a agressão tenha acontecido por puro
preconceito, que seja necessário um homossexual ser selvaticamente agredido
para que estas dezenas de associações saiam do conforto dos seus escritórios
para virem para a rua com cartazes.
Tudo isto me preocupa, e que me perdoe a agredida, porque o
que lhe aconteceu não é o mais perigoso que podia acontecer a um homossexual em
Portugal. O mais perigoso que podia acontecer, e aconteceu a um homossexual em
Portugal, aconteceu nas centenas de comentários homofóbicos que pudemos ler por
estes dias na rede social de referência; nos insultos à agredida, nos parabéns
ao agressor, no desejo de que mais indivíduos pudessem ter a coragem do taxista
e combater à porrada esse mal, essa vergonha, essa doença que é o amar outra
pessoa do mesmo sexo. Isso é o que de mais perigoso acontece aos homossexuais em
Portugal. E é ainda mais perigoso quando é pensado, embora não dito, por quem
nos legisla e tem o poder de tornar a nossa vida mais justa e o nosso país mais
justo e equilibrado. Contra esses, as dezenas de associações que saíram à rua e
escrevem manifestos nas redes sociais, tudo por causa da agressão do taxista,
não se manifestam assim lá muito.
Lá mais em cima afirmei não me interessarem os motivos da
agressão do taxista para já. Para já porque para já me interessa que houve mais
uma agressão de um homem a uma mulher e uma agressão de um profissional a uma
cliente. Para já porque sou solidário com a vítima das agressões e porque espero ansiosamente que se perceba de uma vez por todas o que aconteceu e porquê. Isto tudo para já. Porque se se provar que a agressão foi movida por motivos
homofóbicos, nesse dia acusarei as dezenas de associações de defesa dos
direitos dos homossexuais e o governo de Portugal de serem cúmplices desta e de
outras agressões, físicas, verbais e aos direitos de milhares indivíduos.
E para que fique bem claro, não é esta manifestação de
solidariedade para com a vítima que me preocupa. O que me preocupa é o aproveitamento mediático de um caso tão violento. O que me preocupa é não existirem
mais manifestações destas para com as vítimas que são vítimas todos os dias
sem que para isso tenham de levar porrada.