kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

sexta-feira, dezembro 19, 2014

O PRECONCEITO NÃO É SÓ UM PUNHO FECHADO ou «OS TAXISTAS NORMALMENTE ATÉ TRANSPORTAM GAYS E TRAVESTIS NOS TAXIS»



Isto é o que eu sei: uma cidadã meteu-se num táxi e acabou selvaticamente agredida por um profissional no desempenho das suas funções. Isto é, na verdade, a única coisa de que podemos ter certeza. As razões que levaram o taxista à agressão são as apontadas pela vítima da agressão, o que inevitavelmente lhes concede uma repentina condição de verdade absoluta. A versão do taxista agressor é substancialmente diferente e obviamente não consegue convencer tanta gente assim. Isto é o que sabemos. E provavelmente mais ninguém viu realmente nada revelador dos motivos que levaram um profissional a agredir violentamente uma cliente, porque mesmo os referidos colegas taxistas que terão assistido à triste cena, poderão apenas ter assistido comodamente às agressões sem saberem o que se passava e o porquê das mesmas e sem sequer se interessarem por nada disso. O que nós sabemos em relação a isso – e que me parece inquestionável – é que foram plácidas testemunhas de um homem a bater com agressividade e violência numa mulher no meio da rua. E sabemos que não mexeram uma palha para fazer fosse o que fosse. Assistiram, simplesmente. Como assistem calmamente os vizinhos, as autoridades e os funcionários de acção social a dezenas, centenas de casos de violência de homens sobre mulheres, muitos deles, quarenta, até agora, que resultaram na morte das vítimas. Ou seja, não surpreende a calma dos espectadores desta triste cena. É algo que aparentemente nos está no DNA.

E portanto, um profissional agride uma cliente e o que eu espero é que o profissional seja imediatamente suspenso enquanto decorre a investigação. O que eu espero é que o caso siga para tribunal e o profissional seja despedido, caso se prove que é um agressor, e que cumpra uma pena de prisão em conformidade com os crimes que cometeu. Isto é o que eu espero que aconteça. Não me interessam os motivos que o levaram à agressão, podiam ser muitos e nem por isso menos perigosos e preocupantes do que aqueles que a vítima alega. A vítima diz que foi agredida por ter beijado outra mulher, acusa o agressor de ser homofóbico e nós imediatamente saímos à rua e gritamos que o agressor é homofóbico e que o Governo despreza os homossexuais e que Portugal odeia gays. E parte disto, nós sabemos que é verdade. O Governo e os governantes e a classe política em geral não têm grande interesse pelos direitos dos homossexuais. Não é uma prioridade, não lhes ocupa a cabeça, não lhes tira o sono nem lhes rouba o apetite. É um não-problema, uma questão de menor relevo, um problema de terceira linha, muito atrás dos juros da dívida, da ida aos mercados, dos bancos em dificuldades e do material de guerra subaquático. Os paneleiros não interessam, podem esperar, nunca tiveram direitos, bem podem esperar mais uns quantos anos até os terem e o governo que vier a seguir que se resolva com eles.

E portanto, esta parte nós sabemos que sim, é verdade. A parte do agressor ser homofóbico e por isso ter feito o que fez eu não sei se é verdade. E não me interessa. Como já disse, o que me interessa é que um cidadão já não pode estar seguro em circunstância alguma e deve começar a ter medo dos taxistas, empregados de café, funcionários dos quiosques e caixas de supermercado. Porque longe vão os tempos em que os únicos que à noite nos podiam aviar com uns valentes sopapos eram os seguranças das discotecas, os namorados ciumentos e, claro, os ladrões que nos acompanhavam a casa. E é por isso que o que realmente me interessa nesta triste história da agressão de um taxista à sua cliente é a agressão e, para já, não os motivos da mesma.

Como me interessa este fenómeno imediato de levantar bandeiras e sair para a rua aos gritos contra a homofobia e de se organizarem manifestações, ao vivo e virtuais, em defesa da agredida e denunciando o preconceito por trás das agressões quando ainda nada foi provado e especialmente quando, e a não ser que o agressor o admita publicamente, dificilmente se conseguirá provar que o homem odeia homossexuais e lhes move uma caça implacável disfarçado de taxista.

E isto interessa-me porque gostava de ver toda esta energia aplicada a outras manifestações em defesa dos direitos dos homossexuais. Entristece-me que as dezenas de associações de defesa dos direitos dos homossexuais que rapidamente se mobilizaram para gritar contra este aparente caso de homofobia, não tenham a mesma capacidade de mobilização para diariamente se manifestarem contra o desprezo legal com que os homossexuais são tratados em Portugal. E entristece-me e preocupa-me, caso seja verdade que a agressão tenha acontecido por puro preconceito, que seja necessário um homossexual ser selvaticamente agredido para que estas dezenas de associações saiam do conforto dos seus escritórios para virem para a rua com cartazes.

Tudo isto me preocupa, e que me perdoe a agredida, porque o que lhe aconteceu não é o mais perigoso que podia acontecer a um homossexual em Portugal. O mais perigoso que podia acontecer, e aconteceu a um homossexual em Portugal, aconteceu nas centenas de comentários homofóbicos que pudemos ler por estes dias na rede social de referência; nos insultos à agredida, nos parabéns ao agressor, no desejo de que mais indivíduos pudessem ter a coragem do taxista e combater à porrada esse mal, essa vergonha, essa doença que é o amar outra pessoa do mesmo sexo. Isso é o que de mais perigoso acontece aos homossexuais em Portugal. E é ainda mais perigoso quando é pensado, embora não dito, por quem nos legisla e tem o poder de tornar a nossa vida mais justa e o nosso país mais justo e equilibrado. Contra esses, as dezenas de associações que saíram à rua e escrevem manifestos nas redes sociais, tudo por causa da agressão do taxista, não se manifestam assim lá muito.

Lá mais em cima afirmei não me interessarem os motivos da agressão do taxista para já. Para já porque para já me interessa que houve mais uma agressão de um homem a uma mulher e uma agressão de um profissional a uma cliente. Para já porque sou solidário com a vítima das agressões e porque espero ansiosamente que se perceba de uma vez por todas o que aconteceu e porquê. Isto tudo para já. Porque se se provar que a agressão foi movida por motivos homofóbicos, nesse dia acusarei as dezenas de associações de defesa dos direitos dos homossexuais e o governo de Portugal de serem cúmplices desta e de outras agressões, físicas, verbais e aos direitos de milhares indivíduos.


E para que fique bem claro, não é esta manifestação de solidariedade para com a vítima que me preocupa. O que me preocupa é o aproveitamento mediático de um caso tão violento. O que me preocupa é não existirem mais manifestações destas para com as vítimas que são vítimas todos os dias sem que para isso tenham de levar porrada.