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Bom Karma... ou não!

terça-feira, dezembro 09, 2014

BOYHOOD: A VIDA ABORRECIDA DE UM RAPAZ



Muito se tem falado e muito mais se vai falar ainda desse filme Boyhood e do trabalho do seu realizador, Richard Linklater. Chegada a época dos prémios da indústria cinematográfica, e tendo em conta o hype em torno de Boyhood, é previsível, a esta distância, que o filme vá limpar um grande número de estatuetas. É inevitável.

E compreendo a histeria provocada pelo filme e compreendo, porque também a senti, a enorme curiosidade que ele provoca em quem ainda não o viu. Não é normal, e pelo que sei nunca terá acontecido, um filme demorar doze anos a realizar. Não por questões orçamentais ou técnicas, mas por questões de argumento. Ou melhor, Boyhood demorou doze anos a realizar por vontade de Linklater; porque queria acompanhar o crescimento de um rapaz e o envelhecimento dos que o rodeiam de forma natural, sem prostéticas caricatas, sem artifícios, com a realidade do passar do tempo. E isso é obra. E isso leva-nos incontornavelmente à questão como foi possível?

É de facto impressionante, a premissa do filme e a coragem e paciência e organização de Linklater. Alguns dirão que foi uma sorte que os actores se mantivessem agarrados ao projecto e que nada surgisse como obstáculo à conclusão do trabalho. Pode até ser, mas a perseverança da uma equipa apostada em levar até ao fim um projecto desta dimensão é realmente o grande segredo de Boyhood. E isto tudo merece que se pense em Boyhood, que se veja o filme e que se volte a pensar nele e em como foi possível ser feito.

E tudo acaba aqui, também. Porque é este, na verdade, o único trunfo de Boyhood e o seu único motivo de interesse. Por outras palavras: como projecto artístico e documental – porque acaba por o ser – o filme de Richard Linklater fica para sempre, e de forma inteiramente justa, na história do cinema. Como filme, tem toda uma série de falências que fazem com não possa ser ainda maior.

A começar precisamente pelo argumento, escasso e desinteressante ao ponto de por vezes se tornar aborrecido. O que até seria admissível se este Boyhood fosse somente um documentário acerca do crescimento daquele rapaz. Não é. É uma obra de ficção que espelha uma certa realidade que não é real. Presumo, a esta altura, que Linklater tenha sido influenciado pela série documental The Up Series, da Granada Television, em que um grupo de quatorze crianças era acompanhado a cada sete anos por uma equipa de televisão, mostrando ao mundo como era crescer na Inglaterra. Essas histórias são reais, por muito desinteressantes que possam ser, e esse é o seu único e importante interesse. E é um interesse antropológico, sim, mas que alimenta o voyeurismo que há, mais ou menos, em todos os espectadores. Boyhood não tem nada disto. É um híbrido que fica a meio caminho entre qualquer coisa e outra coisa qualquer.

E depois há os actores, em ritmo sonolento, sem rasgo, sem energia e dos quais somente Ethan Hawke parece realmente querer contribuir com alguma qualidade. O seu trabalho é bom, sólido, credível e emocionante. Todos os restantes passam o filme a dormir em pé e a arrastar-nos com eles para uma dormência que a dada altura começa a chatear profundamente. E aqui apetece-me dizer que, ao contrário de tudo o resto, não consigo compreender a histeria em torno de Ellar Coltrane, o actor principal, e de quem se tem dito e escrito as maiores maravilhas. Coltrane, um não-actor, começa bem e acaba mal, mostrando a quem vê, que as suas capacidades de interpretação não existem realmente e que em miúdo – provavelmente porque se sentia mais motivado a participar neste projecto – era-lhe mais fácil fazer de conta. Mas admito: fazer um filme destes num esquema tão complexo como o que Linklater escolheu, pode muito bem provocar problemas no trabalho dos actores e na forma como se relacionam com os seus personagens. Ainda assim, é um elenco aborrecido e que não nos empolga.


E pouco mais há a dizer sobre Boyhood. Porque pouco mais Boyhood tem para nos dar. É um filme importantíssimo, um marco na história, forte candidato a todos os prémios de cinema e a ser eleito rapidamente como filme-culto de uma geração. Algo a que Richard Linklater, de resto, não é estranho. O início da sua carreira elegeu-o como porta voz de uma desalinhada geração de jovens americanos. A sua trilogia Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight tornou-o o realizador de eleição de uma geração de novos intelectuais românticos. O que leva à segunda questão incontornável: e a seguir a isto, o que fará Linklater e a que geração apontará?

Para além disto, Boyhood é um filme longuíssimo, aborrecido, nada emocionante, nada empolgante e que no fim me deixou exactamente no ponto em que estava quando o comecei a ver. Mas ainda me questiono: como foi possível? E é por isso que tenho por ele e por aquela gente o maior respeito.