BOYHOOD: A VIDA ABORRECIDA DE UM RAPAZ
Muito se tem falado e muito mais se vai falar ainda desse
filme Boyhood e do trabalho do seu realizador, Richard Linklater. Chegada a
época dos prémios da indústria cinematográfica, e tendo em conta o hype em
torno de Boyhood, é previsível, a esta distância, que o filme vá limpar um
grande número de estatuetas. É inevitável.
E compreendo a histeria provocada pelo filme e compreendo,
porque também a senti, a enorme curiosidade que ele provoca em quem ainda não o
viu. Não é normal, e pelo que sei nunca terá acontecido, um filme demorar doze
anos a realizar. Não por questões orçamentais ou técnicas, mas por questões de
argumento. Ou melhor, Boyhood demorou doze anos a realizar por vontade de
Linklater; porque queria acompanhar o crescimento de um rapaz e o envelhecimento
dos que o rodeiam de forma natural, sem prostéticas caricatas, sem artifícios, com
a realidade do passar do tempo. E isso é obra. E isso leva-nos incontornavelmente
à questão como foi possível?
É de facto impressionante, a premissa do filme e a coragem e
paciência e organização de Linklater. Alguns dirão que foi uma sorte que os
actores se mantivessem agarrados ao projecto e que nada surgisse como obstáculo
à conclusão do trabalho. Pode até ser, mas a perseverança da uma equipa
apostada em levar até ao fim um projecto desta dimensão é realmente o grande
segredo de Boyhood. E isto tudo merece que se pense em Boyhood, que se veja o
filme e que se volte a pensar nele e em como foi possível ser feito.
E tudo acaba aqui, também. Porque é este, na verdade, o
único trunfo de Boyhood e o seu único motivo de interesse. Por outras palavras:
como projecto artístico e documental – porque acaba por o ser – o filme de
Richard Linklater fica para sempre, e de forma inteiramente justa, na história
do cinema. Como filme, tem toda uma série de falências que fazem com não possa
ser ainda maior.
A começar precisamente pelo argumento, escasso e
desinteressante ao ponto de por vezes se tornar aborrecido. O que até seria
admissível se este Boyhood fosse somente um documentário acerca do crescimento
daquele rapaz. Não é. É uma obra de ficção que espelha uma certa realidade que
não é real. Presumo, a esta altura, que Linklater tenha sido influenciado pela
série documental The Up Series, da Granada Television, em que um grupo de
quatorze crianças era acompanhado a cada sete anos por uma equipa de televisão,
mostrando ao mundo como era crescer na Inglaterra. Essas histórias são reais, por
muito desinteressantes que possam ser, e esse é o seu único e importante
interesse. E é um interesse antropológico, sim, mas que alimenta o voyeurismo
que há, mais ou menos, em todos os espectadores. Boyhood não tem nada disto. É um
híbrido que fica a meio caminho entre qualquer coisa e outra coisa qualquer.
E depois há os actores, em ritmo sonolento, sem rasgo, sem
energia e dos quais somente Ethan Hawke parece realmente querer contribuir com
alguma qualidade. O seu trabalho é bom, sólido, credível e emocionante. Todos os
restantes passam o filme a dormir em pé e a arrastar-nos com eles para uma
dormência que a dada altura começa a chatear profundamente. E aqui apetece-me
dizer que, ao contrário de tudo o resto, não consigo compreender a histeria em
torno de Ellar Coltrane, o actor principal, e de quem se tem dito e escrito as
maiores maravilhas. Coltrane, um não-actor, começa bem e acaba mal, mostrando a
quem vê, que as suas capacidades de interpretação não existem realmente e que
em miúdo – provavelmente porque se sentia mais motivado a participar neste
projecto – era-lhe mais fácil fazer de conta. Mas admito: fazer um filme destes
num esquema tão complexo como o que Linklater escolheu, pode muito bem provocar
problemas no trabalho dos actores e na forma como se relacionam com os seus
personagens. Ainda assim, é um elenco aborrecido e que não nos empolga.
E pouco mais há a dizer sobre Boyhood. Porque pouco mais
Boyhood tem para nos dar. É um filme importantíssimo, um marco na história,
forte candidato a todos os prémios de cinema e a ser eleito rapidamente como
filme-culto de uma geração. Algo a que Richard Linklater, de resto, não é
estranho. O início da sua carreira elegeu-o como porta voz de uma desalinhada
geração de jovens americanos. A sua trilogia Before Sunrise, Before Sunset e
Before Midnight tornou-o o realizador de eleição de uma geração de novos
intelectuais românticos. O que leva à segunda questão incontornável: e a
seguir a isto, o que fará Linklater e a que geração apontará?
Para além disto, Boyhood é um filme longuíssimo, aborrecido, nada emocionante, nada empolgante e que no fim me deixou exactamente no ponto em que estava quando o comecei a ver. Mas ainda me questiono: como foi possível? E é por isso que tenho por ele e por aquela gente o maior respeito.
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