A MORTE ASSISTIDA DA COMÉDIA À PORTUGUESA
Já inúmeras vezes falei mal – ou critiquei negativamente
falando mal, com acidez e algum desprezo violento – o stand up que se faz em
Portugal e a comédia e os comediantes que por cá passeiam a sua falta de
classe. De classe e de qualidade. E resolvi voltar ao assunto por uma série de
acontecimentos, tristes, pese embora seja de comédia que se fale, e que
despertaram em mim o lado negro da minha vesícula.
Aqui há umas semanas voltei a sair de casa para ir assistir
a um espectáculo de stand up. O facto de ter um amigo em palco – e um amigo
cujo trabalho admiro e respeito – foi razão suficiente para me deslocar ao Hot
Five, um bar aqui do Porto, e a passar uma hora mergulhado na mais fedorenta
vergonha alheia, um presente do dono do bar e mestre-de-cerimónias, e de um dos
seus convidados, apresentado como o futuro do stand up em Portugal e alguém a
seguir com muita atenção. Pois bem, do mestre-de-cerimónias já sabia eu há muitos anos
não ter o mínimo jeito para a coisa. Não tem piada, não tem postura e comete
aquele erro típico de quem não tem jeito nem piada e que é refugiar-se nos
amigos que tem na sala. O convidado era ainda pior, pelo que não merece que eu
escreva mais do que isto.
Ou seja, dez anos, mais coisa menos coisa, desde que comecei
a seguir o stand up português, chego à conclusão de que nada mudou. E nada
mudou porque pura e simplesmente o stand up português teve sucesso. Inesperado,
para mim, mas sucesso. E de repente toda a gente queria fazer aquilo, custasse
o que custasse, fosse qual fosse o caminho. E foi por isso que surgiram
comediantes – embora me custe, e muito, chamar-lhes isso – que sem que nada o
fizesse esperar atingiram um glorioso patamar de fama e sucesso. Outros,
felizmente, desapareceram como se nunca tivessem existido. E ainda bem.
Ainda bem, sim senhor, mas se esses já não nos fazem mal,
outros há, os que atingiram o tal patamar, e outros que ainda vão a caminho de
o atingir, que continuam a infligir-nos um mal, dir-se-ia, irremediável. A culpa
é deles, claro está, mas é acima de tudo de uma indústria, a do entretenimento,
que se alimenta do que eles produzem, alimentando os papalvos que os continuam
a idolatrar.
Exemplo disso é o segundo acontecimento triste que referi no
primeiro parágrafo: o lançamento do livro Os Telefonemas do Nílton. E o que é
Os Telefonemas do Nílton? É tão somente um compêndio das famosas partidas
telefónicas que Nílton pregava aos mais incautos no Cinco Para a Meia Noite. E vai
vender? Vai, sim senhor, pois está claro que vai. Vai vender muito e serve,
desde logo e também, como exemplo de algo em que Portugal é campeão do mundo: a
capacidade de desencantar figuras públicas, famosos, ilustres, vips, divas,
opinion makers, spin doctors, etc, etc.
O que me leva direitinho ao terceiro acontecimento triste: a
tomada de conhecimento de algo verdadeiramente merdoso que dá pelo sugestivo
nome Pancas da Semana. E o que é isto? A resposta é-nos dada pelo canal +TVI! no
seu site: «Pancas da Semana, um programa
de humor da autoria de Alexandre Santos, um dos comediantes mais vistos do
youtube em Portugal. Depois de alcançar mais de 2 milhões de visualizações com
fenómenos como O Estrondo ou A Gunada, Alexandre Santos salta da internet e
chega de armas e bagagens ao +TVI para uma série repleta de skeches, paródias,
improvisos e personagens que lhe garantiram milhares de seguidores.» Portanto,
basta ser um sucesso no YouTube para rapidamente, num saltinho, chegar à
televisão e ter um programa só seu? Correcto. Mas se calhar aquilo tem piada, é
bem escrito, bem realizado e filmado, os actores são bons e… Não! É mentira! É tudo
mau! É mal escrito, é mal feito, não tem piadinha nenhuma e serve apenas para
nos tentarmos lembrar onde já vimos aquele sketch ou aquela piadola. Porque é
uma imitação rasca de uma imitação rasca de uma imitação rasca.
Mas ainda bem que existe. Ainda bem que existe para
percebermos de uma vez por todas tudo o que está mal com o humor em Portugal. Humor
esse que anda de um lado para o outro entre o lobby Produções Fictícias e
amiguinhos e os comediantes que (mais uma vez) estão dispostos a tudo para
terem sucesso. Estes, os do Pancas da Semana, e muitos, muitos outros, como a
psicóloga que achou imensa graça a fazer stand up e vai daí decidiu que ninguém
notava se ela se inspirasse um bocadinho na Sarah Silverman, dedicam-se a
coleccionar o que os outros fazem para se poderem inspirar neles o suficiente
para não serem acusados de plágio. Outros, que tinham qualidade no que faziam,
são hoje meros assalariados da RTP, paus para toda a obra mergulhados até aos
sovacos na banheira do lobby. Já para não falar naquele que francamente ainda
devia usar boina e que se acha tanta graça que decidiu começar uma carreira de
stand up – e a quem alguém devia dizer para parar já!
Tudo isto bem regado com o lixo que sai de uma das invenções
resultantes do fenómeno stand up em Portugal e que foram os cursos. Cursos de
stand up e de escrita criativa e de escrita humorística que não têm outra
utilidade que não a de cagarem a cada não sei quantos meses gente sem qualidade
que aprende a não mais do que acreditar piamente que afinal sempre tem o jeito
que a avozinha lhes dizia que tinham e que passam o resto das suas vidinhas
miseráveis a fazerem de uma simples ida a um bar ver a actuação de um amigo um
inferno na terra.
E isto não vai melhorar. Se para chegar a um canal de
televisão, mesmo que somente na televisão por cabo, basta ter sucesso nas redes
sociais, então nem imagino o que se segue. Sei que vai ser mau, porque se até
aqui não esteve nem perto de ser bom…
Quanto ao tal meu amigo que fui ver ao tal bar, demito-me de
falar aqui nele para não ser acusado (compreensivelmente) de falta de isenção. Mas
que é brilhante lá isso é. E a fazer uma coisa bem mais difícil e de uma
qualidade que não está ao alcance destes farsolas, que não só não o
compreendem, e por isso é que o levam a sério, como não o engolem nem com arroz
de tomate malandrinho.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home