JÁ ESTOU FARTO DE 2014
As poucas horas que faltam para sairmos de 2013 serviram já
para me recordar de tudo o que foi mau no ano que acaba. Nomeadamente, serviram
para me lembrar aquilo que mais vontade tenho de esquecer e que é a futilidade
dos outros. A futilidade e a vaidade e a sobranceria e a cagança e os atributos
auto-atribuídos e em nada justificados.
Estou farto dos candidatos a próximo grande comediante
português. Farto desses e dos que querem à força e porque têm uma câmara de
filmar e nenhuma qualidade chegar a novos Gato Fedorento da sua rua.
Estou farto, enjoadamente farto dos Gato Fedorento. E estou
muito farto das crónicas do Ricardo Araújo Pereira e de quem acha que ele é um
grande cronista.
Estou farto dos egomaníacos que criam páginas no Facebook
para, sem qualquer disfarce, darem asas ao seu umbigo vaidoso e nos dizerem que
não nos podemos esquecer de que na data tal eles vão estar aqui para uma
conferência, e de que nos devemos lembrar, ao almoço, ao jantar e ao deitar de
que eles são muito bons no que fazem. Estou farto de que nos enfiem vídeos pela
goela abaixo que, julgam eles, atestam a sua qualidade.
Estou farto dos que nos lembram várias vezes ao dia de que
amanhã não podemos perder aquele programa onde eles vão aparecer e que no dia
seguinte nos dizem «se não viram vejam agora» e publicam o vídeo com o excerto
onde eles apareceram, regra geral, a fazerem algum tipo de palhaçada sem jeito
ou piada.
Estou farto de ver os que realmente têm qualidade a fazerem o mesmo e de certa forma a incentivarem os outros, os rascas, a irem atrás.
Estou farto dos que vão atrás e se convencem de que na verdade estão «muito à frente, meu!»
Estou farto dos que se dizem fabulosos grupos de comédia e
que na verdade não passam de maus amadores, maus actores, maus copiões de algo
que facilmente se encontra na Wikipedia e que já foi feito, muito antes deles,
por centenas de outros grupos de duvidosa capacidade.
Estou farto dos que se dizem fotógrafos simplesmente porque
têm uma máquina fotográfica e uma meia dúzia de modelos de tasca em poses
labregas dispostas a fazerem figura de urso em vestes que podiam muito bem ter
saído de uma versão de periferia da Guerra dos Tronos.
Estou farto dos fadistas, neo-fadistas, cantores de new fado
e dos que acham que a sua fadista é a melhor do mundo e que todos os demais são
uma merda.
Estou farto do Pedro Abrunhosa, na exacta medida em que
estou farto das novas bandas e cantautores portugueses que tiveram a mesma
ideia de escrever letrinhas engraçadinhas e com rimas mais do que redondas. Sim,
estou bem farto dos Azeitonas.
Estou farto das frases espirituais, conselhos espirituais e
dos espirituais em geral. Fartos dos que nos impingem a sua política new age,
com os seus incensos, velas, reikis, sugestões ambientalistas e falsos bons
karmas.
Estou farto dos que escrevem «fizes-te» em vez de «fizeste».
Estou farto dos que se consideram bons o suficiente para
inventarem workshops e master classes que não existiam até eles as inventarem. Cursos
de escrita criativa. Cursos de dramaturgia. Cursos de como escrever um livro e
publicá-lo. Estou farto dos pseudo-encenadores que dizem sem vergonha nas fuças
que o pior do teatro são os actores.
Estou farto dos que usam a palavra «quimera».
Estou farto da sensação de que 2014 vai ser mais um ano
igual ao que passou e que vai ser uma continuação de tudo acima descrito e
pior.
Ainda 2014 não chegou e já não o posso ver à frente.
E escrevo tudo isto para alimentar os que estão fartos de
mim e para lhes agradecer o esforço em esgotar-me a pachorra e esvaziar-me a
visícula.
Bom ano!
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