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Bom Karma... ou não!

quarta-feira, dezembro 18, 2013

OS SEBOSOS DO AURICULAR

O futebol, como qualquer outro desporto, é um fenómeno que suscita em quem o assiste uma variedade considerável de emoções. De todas, a mais comum e universalmente aceite como parte integrante do facto desportivo é, precisamente, a emoção. Da emoção fazem parte a ansiedade, a incerteza e a surpresa. Já se sabe, o grau destas emoções e sensações varia conforme o desporto que se segue. No caso do basquetebol, por exemplo, já se sabe que muito frequentemente vai haver cesto. Ou seja, independentemente da qualidade das equipas envolvidas e do ritmo e dinâmica do jogo em questão, em mais de metade dos ataques a bola laranja vai mesmo entrar no cesto e assim contar um, dois ou três pontos. No futebol a coisa não se passa da mesma maneira, no entanto.

No futebol – e novamente, independentemente da qualidade das equipas, da possível diferença de nível que as separa e das tácticas escolhidas – é difícil prever com certeza se o golo vai surgir, sequer. Nunca sabemos se não acabamos com um jogo de empate a zero de que nunca gostamos porque não nos entusiasma. Mesmo se de um grande jogo se tratar, daqueles que nos deixa cansados só de olhar e sem tempo para respirar, fundo ou raso. É essa uma das magias do futebol, a imprevisibilidade quase absoluta, segundo a segundo, minuto a minuto e jogo a jogo.

Para tratarem de nos estragar a maravilha de ver a bola e o turbilhão de emoções que isso representa, foram criadas umas criaturas absolutamente nojentas, feitas a partir da baba de caracol e do ranho dos búfalos de água chineses e que se dedicam, de rádio de pilha na mão e auricular na orelha, a gritar golo segundos antes dele se tornar realidade no ecrã. Às vezes, um considerável número de segundos, diga-se. Ninguém gosta desta espécie rastejante e nauseabunda, que suja tudo quanto toca com a sua gosma pestilenta e asquerosa, mas também ninguém nunca se insurge contra o seu comportamento desrespeitoso e respectivos efeitos nefastos. Nunca, até hoje.

Hoje, num café em Vila Nova de Gaia, reparei a dada altura e com espanto, no aviso que, bem à vista de toda a gente e mesmo por baixo do ecrã de plasma, alertava os potenciais nojentos para a total proibição de, durante a transmissão de jogos de futebol, se fazerem acompanhar por qualquer tipo de aparelho electrónico com a capacidade de, aproveitando a rapidez das ondas de rádio, antecipar o que se vê na televisão. A mensagem era seca e áspera como as mãos de um pedreiro mexicano de oito anos e ainda tinha o dom de terminar dizendo aqui (nome do café) é assim!

Lindo, pensei, enquanto tentava beber o resto do café com o sorriso aberto na cara – tarefa nada fácil, devo desde já dizer. Finalmente fazia-se justiça e eu, frequente observador do futebol de café, sentia-me em paz e por fim vingado de tantos e tantos anos de raiva mal contida contra os sebentos anunciadores não encomendados do futuro próximo de um simples jogo de futebol.

É isto a evolução, minhas senhoras e meus senhores. É isto a civilização a chegar de rompante, forte e positiva, trabalhadora e abnegada. A olhar pelo bem dos que nada podem contra a força da estupidez e do atrasadismo mental, esse desporto tão em voga em alguns grupos de algumas sociedades. Tantas leis se rabiscam e se assinam, tantas proibições e imposições se forçam àqueles que são proprietários de cafés e restaurantes, e nunca nenhuma alminha política se lembrou de legalizar a proibição de usar aparelhos electrónicos com a capacidade de, aproveitando a rapidez das ondas de rádio, antecipar o que se vê na televisão.


Portanto, e depois de me ter sentido inspirado como já não me sentia desde que vi um filme do Bruce Lee aos doze anos, cabe-me agora abraçar uma de três lutas: ou crio uma organização não governamental que pugne pela acima referida proibição; ou abro um café totalmente vedado a esta espécie de untuosos arautos; ou, em última análise, passo a meter-me no metro, a fazer uma viagem de mais ou menos 10 minutos, e a ver todos os jogos de futebol neste cafezito em Vila Nova de Gaia plantado.