OS SEBOSOS DO AURICULAR
O futebol, como qualquer outro desporto, é um fenómeno que
suscita em quem o assiste uma variedade considerável de emoções. De todas, a
mais comum e universalmente aceite como parte integrante do facto desportivo é,
precisamente, a emoção. Da emoção fazem parte a ansiedade, a incerteza e a
surpresa. Já se sabe, o grau destas emoções e sensações varia conforme o
desporto que se segue. No caso do basquetebol, por exemplo, já se sabe que muito
frequentemente vai haver cesto. Ou seja, independentemente da qualidade das
equipas envolvidas e do ritmo e dinâmica do jogo em questão, em mais de metade
dos ataques a bola laranja vai mesmo entrar no cesto e assim contar um, dois ou
três pontos. No futebol a coisa não se passa da mesma maneira, no entanto.
No futebol – e novamente, independentemente da qualidade das
equipas, da possível diferença de nível que as separa e das tácticas escolhidas
– é difícil prever com certeza se o golo vai surgir, sequer. Nunca sabemos se
não acabamos com um jogo de empate a zero de que nunca gostamos porque não nos
entusiasma. Mesmo se de um grande jogo se tratar, daqueles que nos deixa
cansados só de olhar e sem tempo para respirar, fundo ou raso. É essa uma das
magias do futebol, a imprevisibilidade quase absoluta, segundo a segundo, minuto
a minuto e jogo a jogo.
Para tratarem de nos estragar a maravilha de ver a bola e o
turbilhão de emoções que isso representa, foram criadas umas criaturas
absolutamente nojentas, feitas a partir da baba de caracol e do ranho dos
búfalos de água chineses e que se dedicam, de rádio de pilha na mão e auricular
na orelha, a gritar golo segundos antes dele se tornar realidade no ecrã. Às
vezes, um considerável número de segundos, diga-se. Ninguém gosta desta espécie
rastejante e nauseabunda, que suja tudo quanto toca com a sua gosma pestilenta
e asquerosa, mas também ninguém nunca se insurge contra o seu comportamento
desrespeitoso e respectivos efeitos nefastos. Nunca, até hoje.
Hoje, num café em Vila Nova de Gaia, reparei a dada altura e
com espanto, no aviso que, bem à vista de toda a gente e mesmo por baixo do
ecrã de plasma, alertava os potenciais nojentos para a total proibição de,
durante a transmissão de jogos de futebol, se fazerem acompanhar por qualquer
tipo de aparelho electrónico com a capacidade de, aproveitando a rapidez das
ondas de rádio, antecipar o que se vê na televisão. A mensagem era seca e
áspera como as mãos de um pedreiro mexicano de oito anos e ainda tinha o dom de
terminar dizendo aqui (nome do café) é assim!
Lindo, pensei, enquanto tentava beber o resto do café com o
sorriso aberto na cara – tarefa nada fácil, devo desde já dizer. Finalmente
fazia-se justiça e eu, frequente observador do futebol de café, sentia-me em
paz e por fim vingado de tantos e tantos anos de raiva mal contida contra os
sebentos anunciadores não encomendados do futuro próximo de um simples jogo de
futebol.
É isto a evolução, minhas senhoras e meus senhores. É isto a
civilização a chegar de rompante, forte e positiva, trabalhadora e abnegada. A olhar
pelo bem dos que nada podem contra a força da estupidez e do atrasadismo
mental, esse desporto tão em voga em alguns grupos de algumas sociedades.
Tantas leis se rabiscam e se assinam, tantas proibições e imposições se forçam
àqueles que são proprietários de cafés e restaurantes, e nunca nenhuma alminha
política se lembrou de legalizar a proibição de usar aparelhos electrónicos com
a capacidade de, aproveitando a rapidez das ondas de rádio, antecipar o que se
vê na televisão.
Portanto, e depois de me ter sentido inspirado como já não
me sentia desde que vi um filme do Bruce Lee aos doze anos, cabe-me agora
abraçar uma de três lutas: ou crio uma organização não governamental que pugne
pela acima referida proibição; ou abro um café totalmente vedado a esta espécie
de untuosos arautos; ou, em última análise, passo a meter-me no metro, a fazer
uma viagem de mais ou menos 10 minutos, e a ver todos os jogos de futebol neste
cafezito em Vila Nova de Gaia plantado.
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