DEVER CUMPRIDO?
A manifestação nacional de 15 de Setembro foi importante?
Foi.
Foi arrepiante ver tanta gente na rua? Sem dúvida.
Espanta-me e assusta-me, no entanto, o sentimento de dever
cumprido manifestado por tantos, em especial nas páginas do Facebook. É
perigoso, este sentimento tão português do “tá feito” que acaba sempre por nos
lixar mesmo sem darmos conta. A manifestação nacional impressionou, mas será
que serviu para aquilo que realmente importava? Não me parece. Assustou os
governantes? Não me façam rir. É uma manifestação sem o efeito de continuidade,
sem exercer mais pressão do que aquela que teve hoje. Ponto.
Como me assusta a rapidez com que tantos vieram criticar o
que se passou às portas da Assembleia da República. A urgência em se
desmarcarem do que aconteceu, em demonstrarem publicamente como são bem
comportados, bons cidadãos, «civilizados», uns gajos porreiros.
Assisto a tudo isto e pergunto-me:
Será que os que fizeram a primavera árabe eram todos
estudantes e desempregados?
Será que os que se revoltaram na Grécia eram todos
estudantes e desempregados?
Será que os que ocuparam Wall Street eram todos estudantes e
desempregados?
Será que os que fizeram a primavera árabe o fizeram sem
violência? E não foram aplaudidos pelo que fizeram porque estavam a libertar-se
de terríveis ditaduras? Será assim tão diferente a situação deles da nossa?
E quantas vezes na história foi a violência popular o
veículo para a deposição de ditaduras? E quantas vezes as aplaudimos como bons
espectadores que somos? Que orgulho é este que temos em ser pacíficos, herança
de uma revolução pacífica que em verdade nem foi feita por nós, povo?
Sou contra a violência. Sou contra a violência quando é
resultado de um bando de miúdos órfãos de uma revolução que nunca existiu, nem
na geração deles, nem da dos paizinhos. Não sou contra a violência, como não
sou contra a desobediência civil, quando acabam todas as outras hipóteses. E
acabaram-se as alternativas. Ou acham mesmo que o que fizemos no dia 15 de
Setembro vai ser suficiente? Acham mesmo que na próxima semana um novo
comunicado do Primeiro-ministro vai pôr tudo bem, como era no tempo das vacas
gordas? Acham mesmo?
Chateia-me, por um lado, o que se passou às portas da
Assembleia da República. Chateia-me ainda mais a hipocrisia de quem foi célere
a condenar sem saber realmente se foram miúdos com vontade de serem radicais e
disso se poderem gabar, ou se foi mesmo o desespero a atirar as pedras à
polícia. Chateia-me que no meio disto tudo se indignem com os estragos na bela
calçada, com o sinal de trânsito ou com a imagem que esses incidentes podem dar
ao belo exercício de liberdade e democracia que aconteceu no dia 15 de
Setembro. Que se chateiem com a hipótese desses acontecimentos mancharem o que
para muitos foi um belo e bem polido gritinho de revolta, um sair da rotina, um
dever cumprido e «bora lá a seguir com a vida, que revoluções não pagam
contas».
O que pensam fazer amanhã, exemplares cidadãos, tão
criativos nos vossos cartazes manufacturados com graçolas e trocadilhos inteligentes?
Eu digo-vos. Vão fazer tudo o que não fizeram no dia 15 de Setembro. Vão à
praia, almoçar a casa dos sogros e falar das coisinhas fofinhas que os vossos
filhos fazem, e vão ver a bola e vão ao shoping.
E no entanto…
Se algum dia a violência e a desobediência civil conseguirem
o que as manifestações pacíficas não conseguiram, vocês vão ser os primeiros a
aplaudir esses malucos revolucionários que levaram nas ventas pela pátria. Até
lá, uma manifestação pacífica à moda do Gandhi de quinze em quinze dias não
resulta em rigorosamente nada. E se eu estiver enganado e para a semana o
Governo voltar atrás com a austeridade, desculpo-me publicamente. Mas não me
parece que isso vá acontecer.
1 Comments:
At 15:05, Anónimo said…
Palavras sábias! E passado um mês e meio, o saque continua, ainda vai a meio e já se alteram constituições... Enfim, eu irei lutar, insurgir, resistir, até que o meu punho não tenha dedos, pois recuso-me a viver num estado assumidamente floridiano onde se tem que prestar vassalagem a reformados ingleses.
João Faria,
Braga
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