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Bom Karma... ou não!

quarta-feira, março 19, 2014

FANTASPORTO: LONGA AGONIA PARA A MORTE?



Pequena introdução e enquadramento cronológico:
Em Abril do ano passado, cerca de dois meses depois do final da 33ª edição do Fantasporto, o jornal Público noticiava o despedimento colectivo de funcionários da Cooperativa Cinema Novo, responsável pela organização do festival de cinema e punha a nu os valores auferidos pelas duas sobreviventes ao temporal de demissões: 4500 euros brutos para a directora, Beatriz Pacheco Pereira, e 2040 euros brutos para a secretária, Irene Pires.

Em Setembro do mesmo ano a revista Visão avançava com uma extensa reportagem sobre o que parecia ser uma verdadeira história de terror: no mês que se seguiu ao despedimento colectivo o ICA receberia uma denúncia anónima que acusava a cooperativa de uma série de «eventuais ilegalidades relativas ao funcionamento e organização do Fantasporto». A reportagem da Visão era um chorrilho de suspeitas, acusações e de histórias dignas de um argumento de David Mamet, tudo muito bem embrulhado em trocadilhos fáceis inspirados no cinema de terror que durante muitos anos havia sido o combustível do Fantas. Uma semana depois desta reportagem, a Visão voltava à carga e revelava mais histórias mirabolantes do casal director do festival assim como uma espécie de reacção de Mário Dorminsky e Beatriz Pacheco Pereira às acusações de que eram alvo.

Sem querer entrar aqui em mais teorias da conspiração, a verdade é que fazendo as contas e lendo o que se diz nas páginas da Visão, não deixa de ser fácil concluir que alguém que trabalhava na Cinema Novo (e que sabia mais do que era desejado pela direcção) não ficou muito satisfeito com a forma como foi despedido e resolveu tornar público o que manteve em segredo durante alguns anos. Significa isto que o que veio a público acerca da forma como o Fantasporto era dirigido seja falso? De forma alguma. Significa apenas que muito provavelmente os funcionários sabiam destas possíveis ilegalidades e se mantiveram convenientemente calados durante demasiado tempo.

Por outro lado, nenhuma das suspeitas lançadas por essa denúncia anónima se concretizou para já em facto indesmentível. O caso deverá estar a seguir o seu caminho e, como se sabe, em Portugal isso significa alguns bons anos de investigação, recolha de provas e etc. e tal. O que parece facto consumado, no entanto, é que o Fantasporto poderá ter começado já a pagar a factura de uma publicidade tão negativa. A edição deste ano teve uma divulgação praticamente inexistente e uma cobertura mediática absolutamente miserável, que se resumiu a não mais do que a atenção do Porto Canal e a uma pequena caixa com a programação diária no Jornal de Notícias. Ou seja, fica a ideia de que tudo o que foi dito em relação à gestão do festival afastou parceiros e desinteressou público em geral, já que vozes do interior terão já desabafado acerca da fraca adesão de espectadores na edição deste ano.

Não sei se é verdade ou não. Sei, porque durante muitos anos fui espectador assíduo do Fantas, que os números avançados pela sua direcção estavam longe de parecerem reais. As médias de ocupação de sala apresentadas por Dorminsky ou por Beatriz Pacheco Pereira esbarravam sempre na impossibilidade matemática que matinées com pouco mais de dez pessoas na plateia ofereciam. O que me parece indiscutível, e que pode igualmente explicar a possível quebra nas audiências do Fantasporto, é a qualidade em queda livre do que supostamente já foi o maior e mais importante festival de cinema em Portugal. Ao longo dos últimos anos foram cada vez menos os nomes sonantes da sétima arte a virem ao Porto e cada vez mais os nomes que só eram verdadeiramente relevantes para os directores que os convidavam, por exemplo. Os filmes, esses, eram na sua maioria desinteressantes e já nem a capa de festival generalista (mal esclarecida, diga-se) concedia ao Fantasporto a qualidade que o tornou numa referência mundial quando ainda era somente um festival temático e que satisfazia plenamente um público muito específico.

Foram muitos, de resto, os que anunciaram a sua morte quando a sua direcção resolveu alargar a competição a mais do que filmes de terror e do fantástico. A perda óbvia de uma identidade reconhecida, o afastamento mais ou menos esperado de uma grande parte do seu público fiel – fiel porque ia especificamente à procura de sangue e tripas – e a escolha dúbia de filmes a concurso, marcaram o início do declínio, precipitadamente ou não, anunciado.

Passados todos estes anos de quebra constante, a marca Fantasporto precisava de tudo menos do resultado que as notícias do ano passado aparentemente provocaram. A descredibilização artística de um evento cultural é coisa mais ou menos simples de resolver. A descredibilização da honra de quem o dirige, essa, é algo para criar uma imagem negativa de que raramente existe salvação. Em Portugal o povo julga por antecipação e muitas vezes sem retrocesso. A suspeita vale mais do que qualquer decisão judicial e neste caso, infelizmente, sejam ou não verdadeiras as acusações a Mário Dorminsky e a Beatriz Pacheco Pereira, quem paga é o Fantasporto. E a cidade do Porto não precisa mesmo nada de mais um festival moribundo. Já basta os que morreram sem nunca terem passado por esta provação pública e que nos fazem tanta falta.

Isto numa altura em que um grupo de ex-funcionários da Cinema Novo anuncia a criação de uma nova associação cultural, a Replicantes, e a programação de dois festivais de cinema para o Porto. António Reis, antigo director (supostamente) do Fantasporto, diz que nada disto tem como objectivo fazer concorrência ao festival de Dorminsky e Beatriz e que o principal interesse da Replicantes é «investir no cinema com seriedade e profissionalismo». Pessoalmente custa-me a crer que assim seja. Ou melhor, não duvido das boas intenções de quem esteve tantos anos ligado ao único festival de cinema da cidade. Não posso é deixar de ver nas palavras de António Reis uma forte alfinetada no comportamento aparentemente ilegal dos seus comparsas à frente do que também foi o seu Fantasporto. Por outro lado, sendo que um dos festivais já anunciados pela Replicantes será dedicado à temática do futebol(?), só posso imaginar que por esta altura o casal Dorminsky se esteja a rebolar de riso com a perspectiva de concorrência festivaleira. Tendo em conta o que por aí deverá vir, bem falta lhes faz quem lhes provoque uma boa gargalhada.