FANTASPORTO: LONGA AGONIA PARA A MORTE?
Pequena introdução e enquadramento cronológico:
Em Abril do ano passado, cerca de dois meses depois do final
da 33ª edição do Fantasporto, o jornal Público noticiava o despedimento
colectivo de funcionários da Cooperativa Cinema Novo, responsável pela organização
do festival de cinema e punha a nu os valores auferidos pelas duas
sobreviventes ao temporal de demissões: 4500 euros brutos para a directora,
Beatriz Pacheco Pereira, e 2040 euros brutos para a secretária, Irene Pires.
Em Setembro do mesmo ano a revista Visão avançava com uma
extensa reportagem sobre o que parecia ser uma verdadeira história de terror: no
mês que se seguiu ao despedimento colectivo o ICA receberia uma denúncia
anónima que acusava a cooperativa de uma série de «eventuais ilegalidades
relativas ao funcionamento e organização do Fantasporto». A reportagem da Visão
era um chorrilho de suspeitas, acusações e de histórias dignas de um argumento de
David Mamet, tudo muito bem embrulhado em trocadilhos fáceis inspirados no
cinema de terror que durante muitos anos havia sido o combustível do Fantas.
Uma semana depois desta reportagem, a Visão voltava à carga e revelava mais
histórias mirabolantes do casal director do festival assim como uma espécie de
reacção de Mário Dorminsky e Beatriz Pacheco Pereira às acusações de que eram
alvo.
Sem querer entrar aqui em mais teorias da conspiração, a
verdade é que fazendo as contas e lendo o que se diz nas páginas da Visão, não
deixa de ser fácil concluir que alguém que trabalhava na Cinema Novo (e que
sabia mais do que era desejado pela direcção) não ficou muito satisfeito com a
forma como foi despedido e resolveu tornar público o que manteve em segredo
durante alguns anos. Significa isto que o que veio a público acerca da forma
como o Fantasporto era dirigido seja falso? De forma alguma. Significa apenas
que muito provavelmente os funcionários sabiam destas possíveis ilegalidades e
se mantiveram convenientemente calados durante demasiado tempo.
Por outro lado, nenhuma das suspeitas lançadas por essa
denúncia anónima se concretizou para já em facto indesmentível. O caso deverá
estar a seguir o seu caminho e, como se sabe, em Portugal isso significa alguns
bons anos de investigação, recolha de provas e etc. e tal. O que parece facto
consumado, no entanto, é que o Fantasporto poderá ter começado já a pagar a
factura de uma publicidade tão negativa. A edição deste ano teve uma divulgação
praticamente inexistente e uma cobertura mediática absolutamente miserável, que
se resumiu a não mais do que a atenção do Porto Canal e a uma pequena caixa com
a programação diária no Jornal de Notícias. Ou seja, fica a ideia de que tudo o
que foi dito em relação à gestão do festival afastou parceiros e desinteressou
público em geral, já que vozes do interior terão já desabafado acerca da fraca
adesão de espectadores na edição deste ano.
Não sei se é verdade ou não. Sei, porque durante muitos anos
fui espectador assíduo do Fantas, que os números avançados pela sua direcção
estavam longe de parecerem reais. As médias de ocupação de sala apresentadas
por Dorminsky ou por Beatriz Pacheco Pereira esbarravam sempre na impossibilidade
matemática que matinées com pouco mais de dez pessoas na plateia ofereciam. O que
me parece indiscutível, e que pode igualmente explicar a possível quebra nas
audiências do Fantasporto, é a qualidade em queda livre do que supostamente já
foi o maior e mais importante festival de cinema em Portugal. Ao longo dos
últimos anos foram cada vez menos os nomes sonantes da sétima arte a virem ao
Porto e cada vez mais os nomes que só eram verdadeiramente relevantes para os
directores que os convidavam, por exemplo. Os filmes, esses, eram na sua
maioria desinteressantes e já nem a capa de festival generalista (mal
esclarecida, diga-se) concedia ao Fantasporto a qualidade que o tornou numa
referência mundial quando ainda era somente um festival temático e que
satisfazia plenamente um público muito específico.
Foram muitos, de resto, os que anunciaram a sua morte quando
a sua direcção resolveu alargar a competição a mais do que filmes de terror e
do fantástico. A perda óbvia de uma identidade reconhecida, o afastamento mais
ou menos esperado de uma grande parte do seu público fiel – fiel porque ia
especificamente à procura de sangue e tripas – e a escolha dúbia de filmes a
concurso, marcaram o início do declínio, precipitadamente ou não, anunciado.
Passados todos estes anos de quebra constante, a marca
Fantasporto precisava de tudo menos do resultado que as notícias do ano passado
aparentemente provocaram. A descredibilização artística de um evento cultural é
coisa mais ou menos simples de resolver. A descredibilização da honra de quem o
dirige, essa, é algo para criar uma imagem negativa de que raramente existe
salvação. Em Portugal o povo julga por antecipação e muitas vezes sem
retrocesso. A suspeita vale mais do que qualquer decisão judicial e neste caso,
infelizmente, sejam ou não verdadeiras as acusações a Mário Dorminsky e a
Beatriz Pacheco Pereira, quem paga é o Fantasporto. E a cidade do Porto não
precisa mesmo nada de mais um festival moribundo. Já basta os que morreram sem nunca
terem passado por esta provação pública e que nos fazem tanta falta.
Isto numa altura em que um grupo de ex-funcionários da Cinema Novo anuncia a criação de uma nova associação cultural, a Replicantes, e
a programação de dois festivais de cinema para o Porto. António Reis, antigo
director (supostamente) do Fantasporto, diz que nada disto tem como objectivo
fazer concorrência ao festival de Dorminsky e Beatriz e que o principal
interesse da Replicantes é «investir no cinema com seriedade e
profissionalismo». Pessoalmente custa-me a crer que assim seja. Ou melhor, não
duvido das boas intenções de quem esteve tantos anos ligado ao único festival
de cinema da cidade. Não posso é deixar de ver nas palavras de António Reis uma
forte alfinetada no comportamento aparentemente ilegal dos seus comparsas à
frente do que também foi o seu Fantasporto. Por outro lado, sendo que um dos
festivais já anunciados pela Replicantes será dedicado à temática do
futebol(?), só posso imaginar que por esta altura o casal Dorminsky se esteja a
rebolar de riso com a perspectiva de concorrência festivaleira. Tendo em conta
o que por aí deverá vir, bem falta lhes faz quem lhes provoque uma boa
gargalhada.
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