kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

quarta-feira, outubro 16, 2013

OS CHATOS DOS MANIFESTANTES

Não me lembro de alguma vez os portugueses terem sido famosos por pedirem licença para reclamarem. Nunca soube de casos de portugueses e portuguesas que pediram autorização para mandarem alguém, português ou portuguesa, para aquele sítio desagradável de que todos parecem conhecer a localização. Portugal e os portugueses não são um bom exemplo da boa educação do «não se importa que?» ou do »seria muita maçada se eu?».

Ninguém alguma vez presenciou a seguinte situação:
«O senhor importa-se que lhe chame de cabrão?»
«Agora, agora não me dava grande jeito.»
«Peço imensa desculpa por o importunar, então. Obrigado, sim?»
«Ora essa, eu é que agradeço pela amabilidade»
«Bom dia»
«Bom dia também para si»

Os portugueses não perdem tempo quando o assunto é insultar alguém ou a sua mãe e muito menos tempo perdem para reclamar quando o serviço não é do seu agrado. Os famosos livros de reclamação, que tanto deleitam portugueses, não são uma forma de pedir licença para reclamar mas uma plataforma para impressão do nosso descontentamento.

Também não são conhecidos, os portugueses, por encontrarem formas inovadoras e criativas de se manifestarem. Cumprem à risca o ritual aparentemente sagrado de se manifestarem em filinha, passo de funeral e tarja colectiva na frente da corrida enquanto gritam cânticos de repúdio, sempre ao mesmo ritmo, sempre com a mesma melodia. E orgulham-se os portugueses que se manifestam desta forma arcaica de manifestação.

Os portugueses não aprenderam nada com esses outros portugueses que compõem as claques de futebol e que a cada craque, a cada triunfo, inventam novos slogans e cânticos e coreografias várias. Não aprenderam os chatos dos manifestantes a manifestarem-se como os bárbaros das claques, com o coração, levados pela emoção mais irracional e pelo calor dos acontecimentos.

Pois eu diria que o calor dos acontecimentos actuais deveria ter um reflexo directo no coração e na emoção e, logo, na forma como os portugueses se manifestam. Mas não. A resiliência histórica dos portugueses é tal, que os manifestantes mais ou menos encartados insistem em manter a velha forma de ordem unida pintada a cartazes mal amanhados e a palavras ocas gritadas sem tesão.

São chatos os manifestantes portugueses. Chatos e teimosos. Chatos, teimosos e cinzentos e moles dos queixos e limitados.
Toda esta história em torno da manifestação na ponte 25 de Abril vem comprovar isto mesmo. Alguém na CGTP pensou que de facto havia que fazer alguma coisa para dar cor às manifestações. Vai daí, o iluminado sindical sugeriu que, ao invés das habituais avenidas lisboetas, se usasse uma ponte que tem nome de golpe militar e ao mesmo tempo de liberdade nacional.

«Vai ser bonito, camaradas», terão dito.
«A ponte até é vermelha como os cravos, camaradas», terão respondido.
«Será que nos deixam fazer isso?» terá alguém perguntado muito ao longe na reunião. As palmas não permitiram resposta condigna…

E na verdade pouco importa se existem ou não condições de segurança ameaçadas pelos manifestantes e muito menos interessam as comparações de quem quer a ponte para reclamar com os maratonistas que aqui e ali a atravessam. Tudo isto é um jogo de meninos: um diz que é feito de ferro, o outro diz que lança água que o enferrujará; um diz que o pai é engenheiro numa grande empresa, o outro exclama que o pai É uma empresa e, não tarda, estão a medir os respectivos órgãos sexuais com uma guita.

Deviam os manifestantes gastar as suas energias a pensar em novas e mais efectivas formas de se manifestarem. Quem manda e decide e organiza, devia mesmo deixar os velhos hábitos de lado e fazer como nos países do terceiro mundo onde, a cada conflito civil se inventam novas formas de reclamar, umas mais violentas do que outras, silenciosas e pacíficas. Aqui os manifestantes fazem constantemente figura de urso. Querem acabar com as touradas mas ficam à porta da arena, a cem metros ou mais, onde os gritos ensaiados não importunam os marialvas, quando podiam pagar bilhete – um digno sacrifício pela luta – e manifestarem-se dentro da própria corrida. Podiam fazer isso, mas isso era incomodar muita gente e a coisa até podia acabar em pancadaria que os betos têm cavalos e bandarilhas e iPhones e sapatos de vela. Não, isso daria muito trabalho.

«Vamos manter a forma de sempre que sempre nos trouxe bons resultados, camaradas»
«Então mas da última vez aquele moço investiu contra nós de cavalo…»
«Exactamente, camarada, e a televisão filmou tudo e o povo viu até que ponto estamos dispostos a ir na nossa luta pelos…»

E tudo isto é estúpido.

Não entende, quem manda nos manifestantes, que as manifestações e os manifestantes são, ou deveriam ser, uma força da natureza, não controlada, organizada ou direccionada. Esquece-se, quem manda nas manifestações, que esse desejo de as comandar não é mais do que a mesma sede de poder e protagonismo que habitualmente as leva para a rua. Não se apercebe, o senhor da CGTP, que ainda agora assumiu a liderança da organização sindical e já demonstra os mesmos sintomas de preguiça e comodismo que afecta os políticos em funções. É ilusório, o papel deste senhor e de outros como ele. Parece que estão a fazer muito barulho, e muitas acções e discursos quando realmente o que estão a fazer é movimentos enérgicos com uma mão para poderem, com a outra, esconder a bolinha de ping-pong no bolso do casaco. 

Manifestem-se. Manifestemo-nos. Manifestemo-nos sempre e cada vez mais. Mas não outra vez da mesma forma. Continuarmos a luta nas ruas como esta tem sido feita de há 30 anos para cá é o mesmo que continuar a acreditar que um copo de água com açúcar e uma aguardente de golada servem para combater o diabetes.

E chateia, caramba!