OS CHATOS DOS MANIFESTANTES
Não me lembro de alguma vez os portugueses terem sido
famosos por pedirem licença para reclamarem. Nunca soube de casos de
portugueses e portuguesas que pediram autorização para mandarem alguém,
português ou portuguesa, para aquele sítio desagradável de que todos parecem
conhecer a localização. Portugal e os portugueses não são um bom exemplo da boa
educação do «não se importa que?» ou do »seria muita maçada se eu?».
Ninguém alguma vez presenciou a seguinte situação:
«O senhor importa-se que lhe chame de cabrão?»
«Agora, agora não me dava grande jeito.»
«Peço imensa desculpa por o importunar, então. Obrigado,
sim?»
«Ora essa, eu é que agradeço pela amabilidade»
«Bom dia»
«Bom dia também para si»
Os portugueses não perdem tempo quando o assunto é insultar
alguém ou a sua mãe e muito menos tempo perdem para reclamar quando o serviço
não é do seu agrado. Os famosos livros de reclamação, que tanto deleitam
portugueses, não são uma forma de pedir licença para reclamar mas uma
plataforma para impressão do nosso descontentamento.
Também não são conhecidos, os portugueses, por encontrarem
formas inovadoras e criativas de se manifestarem. Cumprem à risca o ritual
aparentemente sagrado de se manifestarem em filinha, passo de funeral e tarja
colectiva na frente da corrida enquanto gritam cânticos de repúdio, sempre ao
mesmo ritmo, sempre com a mesma melodia. E orgulham-se os portugueses que se manifestam
desta forma arcaica de manifestação.
Os portugueses não aprenderam nada com esses outros
portugueses que compõem as claques de futebol e que a cada craque, a cada
triunfo, inventam novos slogans e cânticos e coreografias várias. Não
aprenderam os chatos dos manifestantes a manifestarem-se como os bárbaros das
claques, com o coração, levados pela emoção mais irracional e pelo calor dos
acontecimentos.
Pois eu diria que o calor dos acontecimentos actuais deveria
ter um reflexo directo no coração e na emoção e, logo, na forma como os
portugueses se manifestam. Mas não. A resiliência histórica dos portugueses é
tal, que os manifestantes mais ou menos encartados insistem em manter a velha
forma de ordem unida pintada a cartazes mal amanhados e a palavras ocas gritadas
sem tesão.
São chatos os manifestantes portugueses. Chatos e teimosos.
Chatos, teimosos e cinzentos e moles dos queixos e limitados.
Toda esta história em torno da manifestação na ponte 25 de
Abril vem comprovar isto mesmo. Alguém na CGTP pensou que de facto havia que
fazer alguma coisa para dar cor às manifestações. Vai daí, o iluminado sindical
sugeriu que, ao invés das habituais avenidas lisboetas, se usasse uma ponte que
tem nome de golpe militar e ao mesmo tempo de liberdade nacional.
«Vai ser bonito, camaradas», terão dito.
«A ponte até é vermelha como os cravos, camaradas», terão
respondido.
«Será que nos deixam fazer isso?» terá alguém perguntado muito
ao longe na reunião. As palmas não permitiram resposta condigna…
E na verdade pouco importa se existem ou não condições de
segurança ameaçadas pelos manifestantes e muito menos interessam as comparações
de quem quer a ponte para reclamar com os maratonistas que aqui e ali a
atravessam. Tudo isto é um jogo de meninos: um diz que é feito de ferro, o
outro diz que lança água que o enferrujará; um diz que o pai é engenheiro numa
grande empresa, o outro exclama que o pai É uma empresa e, não tarda, estão a
medir os respectivos órgãos sexuais com uma guita.
Deviam os manifestantes gastar as suas energias a pensar em
novas e mais efectivas formas de se manifestarem. Quem manda e decide e
organiza, devia mesmo deixar os velhos hábitos de lado e fazer como nos países
do terceiro mundo onde, a cada conflito civil se inventam novas formas de
reclamar, umas mais violentas do que outras, silenciosas e pacíficas. Aqui os
manifestantes fazem constantemente figura de urso. Querem acabar com as
touradas mas ficam à porta da arena, a cem metros ou mais, onde os gritos
ensaiados não importunam os marialvas, quando podiam pagar bilhete – um digno
sacrifício pela luta – e manifestarem-se dentro da própria corrida. Podiam
fazer isso, mas isso era incomodar muita gente e a coisa até podia acabar em pancadaria
que os betos têm cavalos e bandarilhas e iPhones e sapatos de vela. Não, isso
daria muito trabalho.
«Vamos manter a forma de sempre que sempre nos trouxe bons
resultados, camaradas»
«Então mas da última vez aquele moço investiu contra nós de
cavalo…»
«Exactamente, camarada, e a televisão filmou tudo e o povo
viu até que ponto estamos dispostos a ir na nossa luta pelos…»
E tudo isto é estúpido.
Não entende, quem manda nos manifestantes, que as manifestações e os manifestantes são, ou deveriam ser, uma força da natureza, não controlada, organizada ou direccionada. Esquece-se, quem manda nas manifestações, que esse desejo de as comandar não é mais do que a mesma sede de poder e protagonismo que habitualmente as leva para a rua. Não se apercebe, o senhor da CGTP, que ainda agora assumiu a liderança da organização sindical e já demonstra os mesmos sintomas de preguiça e comodismo que afecta os políticos em funções. É ilusório, o papel deste senhor e de outros como ele. Parece que estão a fazer muito barulho, e muitas acções e discursos quando realmente o que estão a fazer é movimentos enérgicos com uma mão para poderem, com a outra, esconder a bolinha de ping-pong no bolso do casaco.
Manifestem-se. Manifestemo-nos. Manifestemo-nos sempre e cada vez mais. Mas não outra vez da mesma forma. Continuarmos a luta nas ruas como esta tem sido feita de há 30 anos para cá é o mesmo que continuar a acreditar que um copo de água com açúcar e uma aguardente de golada servem para combater o diabetes.
Manifestem-se. Manifestemo-nos. Manifestemo-nos sempre e cada vez mais. Mas não outra vez da mesma forma. Continuarmos a luta nas ruas como esta tem sido feita de há 30 anos para cá é o mesmo que continuar a acreditar que um copo de água com açúcar e uma aguardente de golada servem para combater o diabetes.
E chateia, caramba!
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