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Bom Karma... ou não!

quarta-feira, outubro 30, 2013

PEQUENA «CRÓNICA DO BOM MALANDRO»

Desculpem a apropriação do título alheio, mas não consegui resistir ao grau de adaptabilidade que este comportava.  

Porque numa altura em que somos bombardeados diariamente com promessas e garantias de milagrosas oportunidades de tudo e mais não sei o quê, a única coisa que me veio à cabeça foi o «bom malandro» que nos deu Mário Zambujal e que em boa verdade serve para muita situação e para muita gentinha.

A internet e as redes sociais são o meio ambiente perfeito para esta espécie de fungos proliferar. Subitamente, temos hordas de next big things em todo o sortido de áreas. Ele é grupos de comédia de improviso que mais não são do que uma cópia má de uma cópia de uma cópia; ele é humoristas que se dedicam a fazer covers de textos de humoristas consagrados; ele é aspirantes a músicos de bar rasca que não perceberam que não são mais do que aspirantes a rascas; ele é páginas de fotógrafos ­– e arrepia-me chamar esta gente de fotógrafo – que não passam de devaneios de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer; ele é formadores de teatro, escrita criativa e dramaturgia de quem nem sequer vale a pena falar; e ele é canais de televisão na internet que pura e simplesmente não têm razão de existir.

A última gota começou a chegar à borda do copo aqui há uns dias quando vi (lá está) numa rede social um anúncio para uma formação em «Ilusionismo Linguístico» por Pedro Chagas Freitas. Segundo a propaganda, Chagas inventou este método para terminar de uma vez com os problemas de pontuação e explica isso mesmo num texto que se presume ser da sua autoria e que se fosse alvo da revisão por quem realmente percebe da coisa seria retalhado, rasurado e mutilado. Porquê? Porque tem problemas de pontuação.

Na altura ri-me. Gabei, até, a coragem do vendedor de milagres e a falta de vergonha na cara. Hoje a coisa atingiu o limite do suportável e já não tive vontade nenhuma de me rir e a falta de vergonha na cara transformou-se impiedosamente na mais pura e desavergonhada cara de pau. O mesmo Pedro Chagas Freitas vem agora propor uma formação a que deu o nome de ESCREVA UMA GRANDE OBRA E PUBLIQUE-A IMEDIATAMENTE. E a propaganda explica: com a Oficina de Romance, é possível escrever, com acompanhamento passo a passo, o seu livro – e publicá-lo logo de seguida. Tudo isto em apenas 12 semanas e sem ter de sair de casa: a Oficina realiza-se completamente online. Mas atenção: os lugares são limitados. Inscreva-se já. E realize, em pouco tempo, o seu sonho.
Oficina de Romance
Duração: 12 semanas
Periodicidade: semanal (60m)
Destinatários: escreventes dos 16 aos 116 anos
Custo: 257 euros

E ninguém me consegue convencer de que «tudo isto» não é mais do que um hábil vendedor de banha de cobra, que já nem sequer é cobra, mas uma lagartixa de fundo de quintal, que não tem vergonha do que faz nem de como ganha dinheiro. E quanto a isso, mérito seja dado a quem o merece. Esta gente que, como Pedro Chagas Freitas, se decidiu a fazer fosse o que fosse para vencer na vida, tornar-se mais ou menos famoso e ganhar uns cobres, é que está certa. Está certa porque há sempre quem caia na patranha e se decida a pagar para ver um espectáculo ou para ter uma formação inacreditável do género daquelas em que aparentemente Pedro Chagas Freitas se especializou. Ou inventou, segundo a propaganda.

E estas pessoas, que se vendem como a grande coisa e que não passam de aspirantes a qualquer coisa desde que dê dinheiro, fazem-me lembrar das famosas Delícias do Mar, que durante muito tempo foram vendidas como sendo caranguejo e que na verdade nunca foram mais do que uma espécie de pescada foleira que ninguém quer de qualquer outra maneira. São malandros, mas nem sequer chegam a ser bons. Em nada, absolutamente nada.