PEQUENA «CRÓNICA DO BOM MALANDRO»
Desculpem
a apropriação do título alheio, mas não consegui resistir ao grau de
adaptabilidade que este comportava.
Porque
numa altura em que somos bombardeados diariamente com promessas e garantias de
milagrosas oportunidades de tudo e mais não sei o quê, a única coisa que me
veio à cabeça foi o «bom malandro» que nos deu Mário Zambujal e que em boa
verdade serve para muita situação e para muita gentinha.
A
internet e as redes sociais são o meio ambiente perfeito para esta espécie de fungos
proliferar. Subitamente, temos hordas de next
big things em todo o sortido de áreas. Ele é grupos de comédia de improviso
que mais não são do que uma cópia má de uma cópia de uma cópia; ele é
humoristas que se dedicam a fazer covers
de textos de humoristas consagrados; ele é aspirantes a músicos de bar rasca
que não perceberam que não são mais do que aspirantes a rascas; ele é páginas
de fotógrafos – e arrepia-me chamar esta gente de fotógrafo – que não passam
de devaneios de quem não faz a mínima ideia do que está a fazer; ele é
formadores de teatro, escrita criativa e dramaturgia de quem nem sequer vale a
pena falar; e ele é canais de televisão na internet que pura e simplesmente não
têm razão de existir.
A
última gota começou a chegar à borda do copo aqui há uns dias quando vi (lá
está) numa rede social um anúncio para uma formação em «Ilusionismo
Linguístico» por Pedro Chagas Freitas. Segundo a propaganda, Chagas inventou
este método para terminar de uma vez com os problemas de pontuação e explica
isso mesmo num texto que se presume ser da sua autoria e que se fosse alvo da
revisão por quem realmente percebe da coisa seria retalhado, rasurado e
mutilado. Porquê? Porque tem problemas de pontuação.
Na
altura ri-me. Gabei, até, a coragem do vendedor de milagres e a falta de
vergonha na cara. Hoje a coisa atingiu o limite do suportável e já não tive
vontade nenhuma de me rir e a falta de vergonha na cara transformou-se
impiedosamente na mais pura e desavergonhada cara de pau. O mesmo Pedro Chagas
Freitas vem agora propor uma formação a que deu o nome de ESCREVA UMA GRANDE
OBRA E PUBLIQUE-A IMEDIATAMENTE. E a propaganda explica: com a Oficina de Romance, é possível escrever, com acompanhamento passo
a passo, o seu livro – e publicá-lo logo de seguida. Tudo isto em apenas 12
semanas e sem ter de sair de casa: a Oficina realiza-se completamente online. Mas
atenção: os lugares são limitados. Inscreva-se já. E realize, em pouco tempo, o
seu sonho.
Oficina de Romance
Duração: 12 semanas
Periodicidade: semanal (60m)
Destinatários: escreventes dos 16 aos
116 anos
Custo: 257 euros
E ninguém me
consegue convencer de que «tudo isto» não é mais do que um hábil vendedor de
banha de cobra, que já nem sequer é cobra, mas uma lagartixa de fundo de
quintal, que não tem vergonha do que faz nem de como ganha dinheiro. E quanto a
isso, mérito seja dado a quem o merece. Esta gente que, como Pedro Chagas
Freitas, se decidiu a fazer fosse o que fosse para vencer na vida, tornar-se
mais ou menos famoso e ganhar uns cobres, é que está certa. Está certa porque
há sempre quem caia na patranha e se decida a pagar para ver um espectáculo ou
para ter uma formação inacreditável do género daquelas em que aparentemente
Pedro Chagas Freitas se especializou. Ou inventou, segundo a propaganda.
E estas
pessoas, que se vendem como a grande coisa e que não passam de aspirantes a
qualquer coisa desde que dê dinheiro, fazem-me lembrar das famosas Delícias do
Mar, que durante muito tempo foram vendidas como sendo caranguejo e que na
verdade nunca foram mais do que uma espécie de pescada foleira que ninguém quer
de qualquer outra maneira. São malandros, mas nem sequer chegam a ser bons. Em nada, absolutamente nada.
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