WHIPLASH: O HYPE É UMA CENA LIXADA
O argumento de Whiplash:
Acto 1
– Eu quero ser o melhor baterista da história!
– Eu sou o tipo certo para te ajudar nisso. Mas olha que vai
ser lixado, que eu sou um psicopata do pior.
– Na boa, eu aguento.
– Depois não digas que não avisei…
Acto 2
– Afinal és psicopata de mais e eu, que afinal também sou
psicopata, não aguento mais esta brincadeira.
– Eu avisei.
– Pois avisaste, mas ainda assim, arranjei maneira de te dar
cabo da vida, meu menino. E agora vou desistir da bateria, pronto.
Acto 3
(Reencontro num bar)
– Então e essa vida?
– Olha, fui despedido por ser psicopata.
– Não me digas!?
– É verdade, mas não faz mal, a culpa é dos outros que não
perceberam esta mensagem que te vou dizer agora para tu perceberes e me
ajudares a dar um fim digno a esta história.
Acto 4
Fim digno da história.
Este é o argumento de Whiplash, o filme que tem prometido
mundos e fundos e que na verdade não passa de uma obra vulgar.
Whiplash é o enésimo representante desse subgénero clássico
do cinema americano que é o filme de escola e/ou academia militar, dedicado à
vontade de ser o melhor, de superar todas as dificuldades e de se superar a sim
mesmo, às hierarquias, ao abuso de poder que realmente é uma ajuda para chegar
mais longe e à amizade e ao respeito improváveis que surgem das relações
complicadas entre líder/professor e aluno/instruendo e o que tudo isto
representa na sociedade americana. Já vimos isto tantas vezes e tantas vezes
mais bem feito, que não conseguimos deixar de olhar com desconfiança para os
epítetos de originalidade e frescura que tanta gente tem tentado colar ao filme
de Damien Chazelle.
Whiplash, esse nomeado a melhor filme do ano, é o esticar de
uma corda curta que servia (como serviu) para uma curta-metragem. Fazer um
filme de uma hora e quarenta com uma história tão escassa é um encurtar de
caminho aos encontrões, com pouca informação, personagens redondos – e também
já vistos e revistos – e que, por essa mesma razão, escalam de uma forma muitas
vezes exagerada – a mudança de comportamento de Andrew (Miles Teller), por
exemplo, surge do nada, sem que nenhuma pista acerca da sua loucura obsessiva
nos tivesse sido previamente apresentada.
Ou seja, não se compreende a nomeação para melhor argumento
adaptado do ano. Porque não é um grande argumento (na qualidade e na dimensão),
porque não é um texto particularmente brilhante e porque é um aglomerado de
personagens chavão, tiradas mastigadas e situações cliché, mais uma vez, vistas
e revistas em centenas de outros filmes.
Mas depois há J. K. Simmons. E sobre ele tudo o que foi dito
foi bem dito. É um dos melhores segundas linhas que por aí tem andado e o facto
de só agora ter esta dose de reconhecimento é uma daquelas injustiças que não
tem grande explicação. Nem se pretende que tenha. Simmons é realmente
brilhante, neste como em outros trabalhos da sua longa carreira, e se no dia 22
levar a estatueta dourada para casa, não será de todo uma surpresa ou uma
injustiça – embora na minha opinião o melhor secundário do ano esteja noutro
filme concorrente aos Óscares.
Mas é Whiplash um mau filme? Não, não é e até se vê bastante
bem. É o filme que tantos andam por aí a apregoar? Nem de perto, nem de longe. É
até um filme bastante sincero, herdeiro fiel dessa tal cinematografia tão
querida aos americanos. Do que eu duvido é da sinceridade dos que tudo fizeram
para que estivesse ali, no topo da hierarquia cinematográfica de 2014. Não o
merece, como não merecia ser arma de arremesso de uma indústria que procura
desesperadamente por uma salvação que, por uma vez, ao menos, não passe pelos
blockbusters da Marvel.
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