UMA HOUSE OF CARDS PELA ESCADA ABAIXO
Parece ser um problema incontornável das séries de
televisão, principalmente das made in USA: a dada altura tudo o que foi
construído com qualidade, rigor e critério, dispara escada abaixo aos
trambolhões e com estrondo. No caso da magnífica House of Cards a queda deu-se
à terceira temporada – o que parece dar razão à teoria de um amigo que defende
que as duas primeiras temporadas são escritas de uma vez para ver no que dá e
que a terceira, em virtude do sucesso das que lhe antecederam, é rabiscada a
correr muito para alimentar os fãs sedentos e aproveitar a onda positiva. No
caso de House of Cards, no entanto, isso pode não ser verdade, tendo em conta
os doze meses de intervalo entre a segunda e a terceira temporadas. e se não for verdade, então o acidente é ainda mais incompreensível.
E não havendo maneira de dizer isto de forma simpática,
permitam-me uma introdução suave: House of Cards continua a ser filmada com uma
mestria absoluta, bem escrita, interpretada por actores intocáveis no seu
trabalho e servida por uma banda sonora arrepiante de boa. O que é que falha? O
que não podia de modo algum falhar: o argumento.
A terceira temporada da série apadrinhada por David Fincher
é chata, desinteressante e desencantada consigo própria. Não tem energia, não
tem ritmo nem dinâmica; perdeu todo o veneno, os jogos de bastidores desceram
ao nível do mais simples humano e o suspense morreu. House of Cards é hoje mais
previsível que o pior episódio de Anatomia de Grey; é uma série rendida ao mais
comum dos clichés, chegando ao ponto de ressuscitar memórias de uma guerra fria
que ficou para sempre congelada na era Reagan. O duelo entre presidentes dos
EUA e da Rússia, que ocupa nesta terceira temporada um considerável pedaço da
intriga, chega a ser ridículo de tão bacoco e bafiento.
Não há como entender o que se passou no curto prazo – na
verdade anormalmente longo – que separa o que foi um dos maiores fenómenos da
produção televisiva americana deste objecto perfeitamente dispensável. É uma
queda brutal e que não deixa antever melhoras breves, especialmente se tivermos
em conta que a quarta temporada não foi sequer anunciada ao mundo. Por outro
lado, o mesmo já aconteceu com outras séries de igual ou maior valor. Breaking
Bad e Sons of Anarchy, só para não me alongar nos exemplos, tiveram temporadas
absolutamente aborrecidas e que não pareciam ir a lado nenhum e
sobreviveram-lhes, reinventaram-se e voltaram à boa forma inicial. É o que se
deseja a House of Cards. Que se esqueça rapidamente do trambolhão ou que se
esforce muito por o reconhecer para que o possa usar para se catapultar para
uma quarta temporada que nos permita, espectadores atentos, esquecer que houve
uma terceira.
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