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Bom Karma... ou não!

sábado, fevereiro 21, 2015

FOXCATCHER - O QUE ESTÁ PARA VIR



Foxcatcher é bom. É um bom filme de um realizador que não filma muito – desde 1998 assinou um documentário, uma curta documental e três longas-metragens – mas que consegue (quase) sempre atrair a atenção de público e crítica. O quase ali em cima refere-se a Moneyball, de 2011, obra muito aclamada mas que foi na verdade um desvio ao que parece ser a real assinatura de Bennett Miller. E que assinatura é esta? É uma de frieza quase clínica, tão evidente em Capote e agora neste Foxcatcher e que faz do seu um cinema de poucas falas, planos gélidos e quase fantasmagóricos, acompanhados por bandas sonoras que pairam sobre as imagens sem as incomodar, quase sem se fazer notar; preenchido por personagens com inúmeras camadas, nem todas evidentes mas quase nunca surpreendentes. O cinema de Miller é, por tudo isto, um caminho certo, com final anunciado, previsto e temido, mortal.

E por isso começo pelo final para dizer que por tudo isto, e ao contrário de tanta gente, não me desiludi com o final de Foxcatcher. Não por ser um espectador visionário, daqueles que pela experiência adquirida é capaz de adivinhar o final de um filme, mas porque Foxcatcher dedica hora e meia a mostrar-nos que aquilo, aquela história, não tem como acabar bem. É uma tragédia inevitável, uma espiral de violência implodida a cada curva e que deixa pelo caminho um rasto claro do que está para vir.

Este cinema, o de Bennett Miller, é construído de maneira a que todos os seus elementos nos conduzam para um mesmo fim. Como já referi anteriormente, o ambiente, a imagem e o som dos seus filmes trabalham em conjunto, são um só veículo em velocidade controlada, muito controlada, com um destino marcado e hora de chegada cumprida à risca. E é neste veículo que entram os actores – em Foxcatcher como em Capote, de 2005 – cumprindo escrupulosamente as regras do jogo, que existem, novamente, para que o seu propósito seja consumado.

Neste ponto não posso deixar de destacar a tremenda injustiça que tem sido todo o falatório em torno do desempenho de Mark Ruffalo e Steve Carrell – especialmente deste último – e o esquecimento claramente propositado de Channing Tatum, inquestionavelmente o melhor de tudo o que há de bom no filme. Tatum é magistral no desenho que faz de um homem também ele em constante implosão, em permanente contenção; um tímido bruto, uma infantil máquina de força dentro do corpo de um gigante com vergonha de abrir os braços ou de dar passadas mais largas. Tatum carrega o filme às costas porque é a sua personagem que carrega a tragédia anunciada às suas e é, mais uma vez e sempre, grandioso. É uma das interpretações do ano. Maior e melhor, desde logo, que a do seu colega, Carrell, que consegue a nomeação ao Óscar simplesmente porque a Academia adora uma boa transformação física. Transformação física que não foi capaz de detectar no corpo de Channing Tatum, essa sim realmente impressionante e que não necessitou de tanta prostética. Sem meias palavras: Tatum merecia a nomeação e concorria directamente contra Michael Keaton pelo boneco dourado.

Foxcatcher é bom. É um bom filme de um realizador que não filma muito mas que quando o faz, faz bem. E que leva o tempo que acha necessário para construir a sua carreira, da mesma forma que leva o tempo que considera útil para contar as histórias que lhe interessam. Este filme, espera-se, é o retomar do caminho começado em Capote e que sofreu um desvio tão esquecível como, percebemos agora, insignificante. Esperemos (ansiosamente) pelo próximo trabalho para perceber afinal para onde caminha Bennett Miller.