O RIVOLI JÁ ESTÁ PARADINHO DURANTE MUITO TEMPO E DEPOIS JÁ ESTÁ EM MOVIMENTO MUITO LENTO DURANTE AINDA MAIS TEMPO E DEPOIS JÁ NÃO SE PASSA NADA DURANTE TEMPO A MAIS!
Alguém aqui anda a mentir a alguém, isso é certo. Ou os cronistas de dança andam a mentir aos leitores quando lhes dizem que espectáculo tal é muito bom, digno da visita, ou os ditos coreógrafos da cena da dança em Portugal andam a mentir ao Rivoli, ou, o mais terrível dos cenários, o Rivoli nos anda a mentir quando cria um programa chamado O Rivoli Já Dança! E em que temos a oportunidade de ver um espectáculo como Cyborg Sunday que é de tudo menos de dança. E já não é o primeiro deste ciclo, já que o objecto apresentado por John Romão – abjeto objecto, indigno de uma sala como o Rivoli – se apresentava mais como uma gigantesca performance e da qual estava também completamente ausente a linguagem da dança.
Tal e qual como acontece no exercício – recuso-me a
chamar-lhe espectáculo – de Dinis Machado e do NEC que foi apresentado ontem no
palco do Rivoli. Como proposta, Cyborg Sunday é aborrecido ao ponto de se sair
da sala com a sensação de que os seus 45 minutos de duração são exactamente o
tempo que tem a mais. Cinco actores em movimento não fazem de nenhum
espectáculo um espectáculo de dança. Cyborg Sunday é uma performance, isso sim,
em que cinco actores passam dez minutos no chão enquanto encadeiam texto,
outros vinte a deslocarem-se muito lentamente no espaço enquanto desenham
alguns, poucos e ainda mais lentos, movimentos com os braços enquanto continuam
a encadear texto, e finalmente mais quinze minutos a regressarem ao ponto de
partida, na mesma mecânica, à mesma velocidade, com o mesmo texto encadeado,
para, depois de se juntarem, trocarem (literalmente) de cabelos e voltarem a
sair para o espaço livre do palco. E o texto é naturalmente mau e mal dito porque surge mais ou menos em improviso, sem ordem marcada e, como não há milagres, não serve para ser pelo menos ele a prender a atenção do público.
É isto e isto não é dança, nem pouco nem mais ou menos, nem
moderníssima, nem pós-contemporânea, nem proto-futurista, nem para-avant garde.
É uma mentira. Um logro. É uma intrujice, não só como proposta de dança, mas acima
de tudo como objecto artístico. É algo que não devia existir, um aborto
artístico que deve ser ignorado e desprezado de maneira a que não volte a
acontecer nunca mais.
É claro, podemos discutir o nome O Rivoli Já Dança! e aquilo
que ele realmente representa. Podemos até acreditar que é só um nome que remete
para uma linguagem que já foi prato forte da ementa do Teatro Municipal e que
não significa obrigatoriamente ser este um evento dedicado exclusivamente à
dança. Podemos, é verdade. Mas fosse esse o caso e com certeza o programa não
estaria repleto de nomes ligados à coreografia, não é verdade?
E portanto,
voltamos ao início: alguém anda a enganar alguém. E eu acredito que é um grupo
de indivíduos apoiado por outro grupo de indivíduos que engana outro grupo de
indivíduos. Alguém dirá lóbi. Eu prefiro o conceito do colinho. Quem pode e tem
poder leva outros ao colo e eleva-os a um lugar e a uma condição que não
merecem, a salas que não merecem e a um público que não os merece – os escrivãos do jornal Público são, nesse sentido, exímios na arte de dar colo aos amigos.
O público de ontem não merecia aquele lixo. Não merecia e
manifestou-o da forma mais civilizada possível. O enfado nas caras de quem lá
esteve, nomeadamente nos elementos do quartel general do Rivoli, os aplausos
desapaixonados no fim e o ataque de riso durante o exercício de uma figura
eminente da Câmara Municipal do Porto foram manifestações de desagrado mais do
que suficientes. Não foi necessário recorrer à fruta podre e ainda bem: o Rivoli
não merece que se recupere tudo o que já fez parte de um passado cultural.
1 Comments:
At 18:13, ana said…
Concordo... em boa parte... e está bem escrito e descrito, incisivo: não tendo assistido a todos, alguns espectáculos foram realmente fracos... em especial o tal "exercício".
Ainda assim, não dá para desmerecer a iniciativa, a (suposta) oportunidade de uma oferta cultural diversificada, o apoio a projectos de jovens e mais experimentais: em teoria, seria muito bom... na prática, às vezes foi bastante fraco. Esse talvez seja um risco de uma plataforma mais aberta de programação cultural: haverá de tudo, inclusivamente de qualidade duvidosa. Ainda assim, é bem possível (senão provável) que haja de facto muito colinho... e será revoltante, ou no mínimo constrangedor, que os (supostos) promotores culturais legitimem trabalho que não corresponde ao mérito com que é vendido... mas isso a crítica e o público também ajudarão a afinar (espera-se).
Mas pensando bem, ainda que por vezes tenha sentido o tal "enfado", não me senti propriamente intrujada em nenhum momento, que os 2 euros (de passe) ou os 5 euros (de entrada individual) por espectáculo pudessem ser um desperdício ou um roubo. Mesmo quando foi fraco, percebia-se que poderia haver valor na ideia, na iniciativa, no projecto... ainda que o resultado final pudesse ficar aquém do seu potencial, ou que aquele não devesse ser o espaço ou o formato para essa experiência.
Espero programação melhor, obviamente. Ainda assim, empolada ou não, é bom ver novos projectos de volta ao Rivoli.
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