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Bom Karma... ou não!

quinta-feira, novembro 06, 2014

A MORTE CEREBRAL DE UM SER FALANTE



Ouvi ainda há pouco as dissertações de Isabel Stilwell relativamente à eutanásia e à morte assistida. Não tenho nada a dizer a quem seja contra. Desde logo porque de todos os assuntos fracturantes este é, sem dúvida, o mais difícil de abordar. Ninguém que não tenha passado por uma situação como a que levou Britanny Maynard a marcar o dia da sua morte pode, em absoluta justiça, dizer seja o que for sobre a sua decisão. E foi precisamente a partir da morte da jovem americana que Stilwell puxou o assunto para o discutir com Eduardo Sá no seu programa Os Dias do Avesso, na Antena 1. E sem sequer se preocupar em demonstrar todo o seu repúdio pela sua decisão e o desprezo pelo seu carácter, ao começar o discurso falando de Maynard como «aquela rapariga». 

E repito, não tenho nada contra quem é contra. Tenho, isso sim, e muito, contra argumentos como os que aquela mulher que fala na rádio apresenta. Aquela mulher que fala na rádio acha que a eutanásia é uma decisão egoísta que não respeita nem se preocupa com quem cá fica. Aquela mulher acredita que Britanny Maynard (e outros na sua situação) devia ter optado por se encharcar de medicamentos que lhe atenuassem as dores e lhe dessem um resto de vida «digno». A mesma mulher acha que era preferível a americana ter esperado mais uma semana na esperança de que uma cura milagrosa (para um cancro terminal no cérebro) surgisse. Não há muitas maneiras de dizer isto, mas vou optar pela mais suave: aquela mulher que fala na rádio e escreve crónicas e livros tem o cérebro em pior estado do que o de Britanny Maynard. Em pior estado e substancialmente mais pequeno do que o cérebro de um adulto normal. 

Aquela mulher que fala na rádio tem a liberdade concedida de dizer ao mundo o que lhe passa pelo seu cérebro diminuto. É-lhe dado tempo de antena para, no que muitos consideram função pública, discutir assuntos que em princípio interessam à maioria do seu público. É este o jogo e é com isto que temos inevitavelmente de levar. São estes os nossos pensadores/comunicadores, que nos entram pela casa pela televisão, jornais e rádio e que nos dão a conhecer o que lhes vai lá dentro. Mais uma vez, nada contra eles, só contra argumentos que já não são deste século e que são bem mais perigosos do que se pode à partida pensar.