A MORTE CEREBRAL DE UM SER FALANTE
Ouvi ainda há pouco as dissertações de Isabel Stilwell
relativamente à eutanásia e à morte assistida. Não tenho nada a dizer a quem
seja contra. Desde logo porque de todos os assuntos fracturantes este é, sem
dúvida, o mais difícil de abordar. Ninguém que não tenha passado por uma
situação como a que levou Britanny Maynard a marcar o dia da sua morte pode, em
absoluta justiça, dizer seja o que for sobre a sua decisão. E foi precisamente a
partir da morte da jovem americana que Stilwell puxou o assunto para o discutir
com Eduardo Sá no seu programa Os Dias do Avesso, na Antena 1. E sem sequer se
preocupar em demonstrar todo o seu repúdio pela sua decisão e o desprezo pelo
seu carácter, ao começar o discurso falando de Maynard como «aquela rapariga».
E
repito, não tenho nada contra quem é contra. Tenho, isso sim, e muito, contra
argumentos como os que aquela mulher que fala na rádio apresenta. Aquela mulher
que fala na rádio acha que a eutanásia é uma decisão egoísta que não respeita
nem se preocupa com quem cá fica. Aquela mulher acredita que Britanny Maynard (e
outros na sua situação) devia ter optado por se encharcar de medicamentos que
lhe atenuassem as dores e lhe dessem um resto de vida «digno». A mesma mulher
acha que era preferível a americana ter esperado mais uma semana na esperança de
que uma cura milagrosa (para um cancro terminal no cérebro) surgisse. Não há
muitas maneiras de dizer isto, mas vou optar pela mais suave: aquela mulher que
fala na rádio e escreve crónicas e livros tem o cérebro em pior estado do que o
de Britanny Maynard. Em pior estado e substancialmente mais pequeno do que o
cérebro de um adulto normal.
Aquela mulher que fala na rádio tem a liberdade
concedida de dizer ao mundo o que lhe passa pelo seu cérebro diminuto. É-lhe
dado tempo de antena para, no que muitos consideram função pública, discutir
assuntos que em princípio interessam à maioria do seu público. É este o jogo e
é com isto que temos inevitavelmente de levar. São estes os nossos
pensadores/comunicadores, que nos entram pela casa pela televisão, jornais e
rádio e que nos dão a conhecer o que lhes vai lá dentro. Mais uma vez, nada
contra eles, só contra argumentos que já não são deste século e que são bem
mais perigosos do que se pode à partida pensar.
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