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Bom Karma... ou não!

terça-feira, outubro 28, 2014

A PUNHETA



Sempre admirei Pier Paolo Pasolini. Não gosto de nenhum filme seu e o teatro que escreveu não me provoca overdoses de vontade de o ir a correr encenar. Esclarecida que está a minha posição relativamente ao artista italiano, apetece-me dizer o seguinte: espero sinceramente que Jorge Louraço Figueira estivesse bêbedo (ou que tenha um retorcido humor nórdico) no momento em que apelidou John Romão de “o representante de Pasolini na terra”. Eu, que não estou morto, dei trambolhões dentro do meu caixão, pelo que só posso imaginar que o falecido PPP, depois de ter andado às cabeçadas às tábuas do seu invólucro, encontrou forma de sair de lá de dentro e se encontra já a caminho do Porto para uma pequena conversa com o escritor/jornalista/cronista/crítico do Público.

A crónica/crítica/peça precisamente intitulada (lá está) O representante de Pasolini na terra, escrita por Louraço no Público do passado dia 27 e em que o autor discorre acerca de Teorema, o novo espectáculo daquele encenador português, é um bom exemplo da dupla-dupla punheta, uma práctica muito corrente entre críticos e encenadores deste país e que há anos é o miolo da relação da imprensa portuguesa com as suas artes performativas.

Passo a explicar: a primeira punheta é o espectáculo levado a cena por um determinado criador e que mais não é do que uma masturbação egoísta e solitária de um grau de intelectualísse insuportável. Punheta número um.

Punheta número dois, o texto que lhe é dedicado por um jornalista embevecido e deslumbrado, ajoelhado perante o trabalho inalcançável pelo comum dos mortais, com acesso exclusivo a quem tiver cartão do clube dos hipsters da intelligentsia do lobby da teatrice burgueso-lisboeta. Punheta número dois, portanto.

Punheta número três, o acto isolado de quem, como Jorge Louraço, escreve uma crítica enquanto sonha com uma carreira literária de sucesso e cantarola baixinho o I’m a lumberjack and I’m ok dos Monty Python.

É esta a nata da crítica de teatro em Portugal. Indivíduos que escolhem o que querem ver, sobre o que querem falar, que assumidamente dizem não a uma série de espectáculos, encenadores, companhias e festivais de teatro e gritam sim a uns quantos eleitos; que assim almejam atingir um estatuto de exclusividade de estrela da crítica, que querem ser temidos, que querem entrar no foyer do Rivoli e ouvir o seu nome repetido centenas de vezes em sussurro por quem os reconhece e a quem é melhor fazer todas as vontades na esperança de que possam descer à terra e assistir a um ensaiozito de dez minutos e escarrar umas quantas postas da mais fina literatura nas páginas dos jornais mais respeitados. São estes os nossos críticos de teatro, indivíduos que queriam muito era ter uma carreira na literatura, venderem milhares de cópias e serem chamados para conferências pelo mundo fora.

São estes os punheteiros da crítica em Portugal, o par perfeito para todos os punheteiros do teatro português. É este o casamento de capa de revista cor-de-rosa que alimenta o teatro e as artes performativas de um país que do que menos precisava era destes ecossistemas fedorentos. O espectáculo de John Romão? Permitam-me recorrer ao português mais curto e assertivo para vos falar dele: o espectáculo de John Romão é uma bela merda!