CARTA ABERTA AO BLOCO
Caríssimos bloquistas (bloqueiros, bloquentos ou bloquitos,
nunca sei bem),
A propósito do vosso recente ciclo de cinema, levado a cabo
nos quase extintos cinemas Trindade, e que de resto me pareceu conter uma
seleção bem interessante de filmes, vim a tomar conhecimento da mensagem de
divulgação/convocatória/chamada às armas escrita – ou pelo menos assinada –
pela vossa coordenadora, Catarina Martins, e do vídeo bastante mal amanhado,
diga-se, com o mesmo objectivo e em que podemos ver um senhor Soeiro a falar,
mais ou menos escorreitamente, sobre toda a iniciativa.
Pois bem, não perdendo de vista a boa ideia de realizar um
ciclo de cinema, parece-me no entanto importante realçar a forma da mensagem e o seu objectivo político nem por isso bem escondido – ou provavelmente
assumidíssimo.
Diz a Martins mesmo no final da sua mensagem que num país onde não existe Ministério da
Cultura, num Porto a quem os equipamentos culturais foram sendo sucessivamente
subtraídos nestes últimos 12 anos, numa cidade e num país onde a austeridade
nos morde as canelas e que todos os dias vê tanta gente partir, abrir o
Trindade por três dias é, em si mesmo, um ato de resistência. Complementando
esta ideia, o senhor Soeiro chama à iniciativa um acto de desobediência civil e é sobre estes termos tão fortes e
revolucionários que eu gostava de conversas com vossas excelências.
Ora bem, todos sabemos que as eleições europeias estão à
porta e que uma empreitada cultural desta natureza é uma fantástica
oportunidade de dar nas vistas, fazer passar uma espécie de mensagem e pelo
caminho conseguir uma preciosa e mui objectiva pré-campanha eleitoral. Todos os
partidos fazem pré-campanhas eleitorais; uns de uma forma, outros de outra,
todas elas mais ou menos desavergonhadas e o povo já está habituado a isso e já
nem repara nos objectivos disfarçados. O que aborrece nas mensagens de venham lá ao cinema do Bloco é a falsa
ideia de que indo faremos parte de uma revolução, de um acto de rebeldia, de
desobediência civil e que também nós seremos cúmplices soldados da resistência.
Pois muito bem, achei que vos devia dizer que há mais
rebeldia e desobediência civil num peão que atravessa a passadeira quando o
semáforo está verde para os carros. E em boa verdade nem precisava de vos dizer
algo que vocês sabem bem. O problema é que ainda há uns quantos que não
percebem isso e acreditam nas patranhas que os partidos lhes contam. O problema
é que é precisamente desse modo que se conseguem mais umas quantas pessoas e,
consecutivamente, mais uns quantos votos nas urnas. E todos sabemos o preço a
que está o quilo do voto por estes dias.
Lamento que tenha de ser assim. Lamento especialmente porque
ainda acredito que o Bloco e outros partidos (não todos) deste nosso país
político conseguiriam atrair gente aos seus objectivos e preocupações por força
de propostas válida, úteis e que realmente significassem uma alternativa e uma
mudança de rumo. Mas eu percebo, somos um partido jovem, de jovens e para os
jovens e há que procurar novas formas de cativar eleitores, que as mais
recentes eleições não nos sorriram lá muito, irra!
Ainda assim. Chamem as coisas pelos nomes próprios e deixem
lá o sonho de uma nova revolução de lado. Não vai acontecer, nem nas ruas, nem
nas urnas e muito menos no parlamento europeu. O povo que encheu (e ainda bem)
as sessões do vosso ciclo de cinema ainda gosta mais de pão e vinho do que de
pensar em coisas sérias, especialmente se não tiver de pagar para se entreter e
divertir.
Para terminar, parabéns (sinceros) pela iniciativa, desejos
de que esta se possa repetir, mas sem o discursinho rebeldo-revolucionário-insurgente.
É ridículo e não faz nada pela vossa vontade de serem levados a sério.
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