AS BESTAS
Acompanhei há dias uma «conversa»
no Facebook entre alguém que amaldiçoava as pombas citadinas e uma série de
pessoas que claramente tinha arquivado, por falta de coragem ou oportunidade,
muito ressentimento contra as pequenas aves. Ao primeiro sinal de à-vontade, os
ressentidos aproveitaram o passo em frente de quem decidiu maldizer as pombas
da cidade e lá soltaram a migalha de pipoca que tinham na garganta e fizeram
correr um chorrilho de boçalidades ímpares – mas não surpreendentes.
A falta de sensibilidade das
pessoas citadinas é conhecida e já nem choca. O que choca, é a total falta de
escrúpulos de quem, na supracitada «conversa», exige sangue para evitar males
maiores. Por outras palavras, estamos a falar de pessoas citadinas que
basicamente querem a morte das pombas para estas não incomodarem mais; que
querem castigos para quem as alimenta – essas outras pessoas citadinas que aos
olhos das primeiras não fazem mais do que fornecer munições com que as pombas,
esses demónios, nos atacam roupas, carros e cabeças com mais ou menos pelo.
É uma chatice, não haja dúvida. As
pombas, de quem Lobo Antunes disse circularem de «mãos atrás das costas como chefes de repartição» são um flagelo, uma epidemia, um vírus que merecia o extermínio
em laboratório. São as pombas as responsáveis pelo que de pior se encontra nas
cidades, neste caso, na do Porto. E estes, envolvidos na dita «conversa», não
são mais do que cidadãos preocupados com a beleza e higiene da urbe, com o bem-estar
das estátuas e com a saúde das pinturas dos seus carros. Não são, no entanto,
preocupados com as ruas regadas a mijo e as manhãs de Domingo cobertas por
garrafas e copos de plástico. Isso não os preocupa nem os junta em movimentos
sociais de indignação. Para eles, aparentemente, essas manifestações fazem
parte da vida das cidades e não merecem reparo.
Ou então eu estou totalmente
errado e não tarda nada e estas pessoas citadinas, cidadãos apoquentados, vão
começar a exigir o extermínio de cães vadios, gatos de telhado e bêbedos que
mijam nas esquinas e portas de garagem. E já agora, porque parar por aqui? Porque
não exigir o extermínio dos pedintes, dos imigrantes que nos querem lavar os
vidros do carro nos semáforos, peixeiras de rua e putas velhas e feias? Vamos limpar
a cidade, minha gente, afinal temos milhares de turistas que querem gastar bom dinheiro
nos nossos restaurantes e lojas de souvenirs e que não estão para levar com
merda de pombo na cabeça. Temos de olhar pelo interesse da cidade, pelo greater good das pessoas citadinas. Temos
de ser civilizados e exigir o fim de tudo o que nos importuna.
Ou então…
As pessoas citadinas são uma bela
merda e não têm pejo em assumi-lo publicamente. Parabéns por isso.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home