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Bom Karma... ou não!

segunda-feira, junho 06, 2011

POBRE POVO IGNORANTE


Somos um povo do caraças. Quando o país tem um problema, saltamos fora e dizemos que isso não tem nada a ver connosco, que não temos quaisquer responsabilidades e que a culpa é dos políticos. Se o problema do país invade o nosso dia-a-dia, e basicamente nos lixa a vida, ficamos à espera que os mesmos políticos nos salvem a pele. Esta é o motivo pelo qual o PSD conquistou uma vitória esmagadora sobre o PS. Somos um povo com tradição de fé, e estamos realmente à espera de que hoje, tudo será diferente. Pobre povo ignorante.

Coisa engraçada também, é esta raiva assumida contra a abstenção. Concordo, a abstenção é fenómeno de difícil leitura. Como o são os votos em branco, que, ao contrário do que muitos querem fazer crer, não têm um significado lógico ou claro. Acredito piamente que a abstenção é o reflexo mais sincero de uma (não) intenção de voto. Confio mais na abstenção, apesar de tudo, do que naqueles eleitores que votam porque sempre o fizeram, independentemente de terem conhecimento dos programas eleitorais; independentemente de perceberem sequer o que dizem os candidatos. Os que votam porque seguem a tradição de família; os que votam como se de um clube de futebol se tratasse. Nesses, não confio nem um bocadinho, e acredito igualmente que são esses que permitem que a classe política continue a ser o lixo que é. São esses, pobre povo ignorante, que transmitem a segurança de que os políticos necessitam para levarem uma vida profissional tranquila, sossegada e autorizada.

Vamos ser utópicos só por um momento: imagine-se que a totalidade dos eleitores ia realmente às urnas. Haveria alguma diferença no resultado final? Talvez. Talvez ganhasse o PS, talvez ganhasse o PSD. Mas essa seria a única variável. Como é sempre, ou um, ou outro. Mesmo que votassem os cerca de nove milhões de eleitores, nada seria realmente diferente. Não teríamos a CDU ou o Bloco de Esquerda no Governo, nem nenhum dos pequeninos partidos alternativos na Assembleia da República; o comportamento dos políticos portugueses não seria diferente do que tem sido, e o povo continuaria a queixar-se como sempre se queixa, e a sacudir a água do capote, como sempre o fez.

A abstenção não é responsável pelo resultados das eleições, de nenhumas eleições. Não é a abstenção que decide quem é Primeiro Ministro ou Presidente da República e de certeza que não foi a abstenção que colocou Portugal na crise em que se encontra. Os políticos nem sequer têm medo da abstenção. Têm medo, isso sim, da imagem que a abstenção pode projectar deles, por exemplo, na Europa comunitária. Porque, convenhamos, é uma imagem de pouco brilho, de nenhuma capacidade de mobilização, de fraqueza e de pouco ou nenhum entusiasmo.

Antes de atacarem ferozmente a abstenção, percebam verdadeiramente quais são os problemas políticos em Portugal. Problemas que começam por um eleitorado mal informado, ignorante das políticas dos partidos, desconhecedor dos assuntos mais importantes do país, como a economia, por exemplo. Um eleitorado maioritariamente bi-partidário, que se quisesse realmente uma mudança no cenário político, deveria ter votado na CDU, no BE e em todos os restantes micro-partidos. Isso sim, seria uma mudança notável. Tudo o resto é mais do mesmo, pobre povo ignorante.

Confesso, uma das muitas leituras da abstenção - e a que o pobre povo ignorante se agarra - é o não querer saber, também clássico e tradicional do Zé Povinho. Não acredito nisso. Acredito que a maioria dos que ficam em casa em dia de eleições, têm as mesmas preocupações que os que se deslocam às urnas. A verdade, na minha opinião, é que o desânimo e a descrença na classe política são fortes de mais. Provavelmente, mais fortes que as preocupações. Recorro mais uma vez à utopia e coloco esta hipótese: se os 41,1% de abstencionistas tivessem ido às urnas e se juntassem aos 2,7% de votos em branco, isso significaria o quê? Nada. Absolutamente nada. Passos Coelho seria Primeiro Ministro. A classe política teria o mesmo comportamento arrogantes, pleno de soberba e impunidade. O povo teria os mesmos problemas que tinha até aqui. Nada mudava.

E aos que têm utilizado o argumento de que a geração à rasca reclamou para no fim nem ir votar, deixem-me dizer-vos isto: os que estiveram nas ruas em protesto, protestam contra os políticos em que não querem votar, sejam eles PS, PSD ou CDS. Porque sabem que nada muda com a mudança de cor política do Governo.

Mas o pobre povo ignorante tem de ter um objecto de culpa para se poder desculpabilizar. Para poder dizer "a culpa não foi minha, eu até fui votar", como se isso fosse realmente significativo ou determinante. Pobre povo ignorante, que muito provavelmente nem leu os números destas eleições, nem tentou perceber o que se passou e, mais importante que isso, nem se dá ao trabalho de tentar perceber o que aí vem. Que não leu nas entrelinhas do discurso de vitória de Passos Coelho o que o PSD se está a preparar para fazer. Que não percebeu a jogada magistral que o partido laranja orquestrou, com o objectivo único de conquistar o poder e derrubar Sócrates e o PS. É mais fácil apontar armas à abstenção e esquecer tudo o resto.

Pobre povo ignorante, que és tão irresponsável na tua vontade de fazer parte de um acto eleitoral, quanto aqueles que ficam em casa. Pobre povo ignorante, que não fazes a mínima ideia do que se passa, nem do que te leva a votar, nem de quem são as pessoas em quem votas. Pobre povo, ignorante que és acerca do que te rodeia e que preferes viver a acreditar que a culpa é sempre dos outros; que acreditas mesmo que o acto de votar te dá direitos que os abstencionistas não podem ter, que és uma pessoa especial, com um papel especial. Pobre, pobre povo ignorante que és tão ingénuo.