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Bom Karma... ou não!

terça-feira, janeiro 03, 2006

Carta ao meu amigo Carlos

Nunca me peças desculpa por me presenteares com a tua opinião. Isso não te admito.
A tua opinião é importante por seres meu amigo, amigo.
Não segurei a lágrima que me fez lembrar que tudo o que me escreveste é verdade.
Que eu sou assim, de facto.
Que não consigo mudar, embora tenha a noção de que o mundo realmente é uma merda, no que a sentimentos diz respeito.
Mas não consigo.
Porque sim, acredito nas pessoas, nas emoções, nos valores.
No amor.
Embora saiba que as pessoas podem ser más, cruéis e maquiavélicas.
Podem ser o pior que este mundo transporta.
Embora tenha a certeza absoluta de que as emoções são pura filigrana.
Frágeis demais para se manterem firmes, Fracas demais para serem indiferentes à dor, sensíveis demais para permanecerem eternas.
Embora compreenda que os valores de uns não poderão nunca ser os valores dos outros.
O amor...
esse é fugaz como o sopro que apaga uma vela.
Mas é tão bom e vale tanto a pena que se lute por ele.
Mesmo sabendo que vai doer sempre, sempre a mesma dor.
Mesmo sabendo que provavelmente não vamos ser amados na medida em que amamos.
Mesmo sabendo que podemos ser usados, traídos, magoados por alguém que amamos.
Unicamente por saber que é amado.

A última vez que me puxaram para perto, sem eu estar à espera, foi há umas semanas.
Na rua, ao frio, enquanto partilhavam comigo uma lua cheia porque "uma lua assim não se desperdiça".
A última vez que me foram buscar pelos colarinhos, à bruta, foi a uma mesa de jantar, vai fazer uns dias.
Só por olharem para mim de uma certa forma.
Só por me falarem de uma certa maneira.
E pensarás "tonto romântico, o meu amigo". talvez sim.
Já aqui admiti...
Acredito no Romeu e julieta.
Acredito, porque nunca consigo conter as lágrimas, nas cenas cortadas dos filmes que o pequeno Totó não podia ver no velho Cinema Paradiso.
As cenas que lhe seriam dadas anos mais tarde como sinais de um tempo passado.
Cenas de paixão, de amor.
Acredito numa frase que para sempre será emblemática na minha vida.
"Uma certeza assim só se tem uma vez na vida".
Acredito naquele momento - que tu tão bem conheces e tanto deves apreciar - no filme "As pontes de Madison County", em que depois da Merryl Streep decidir não fugir com o nosso Clint, o vê pela última vez à chuva.
Em que se apercebe, só de olhar para ele, de duas coisas que para o resto da sua vida a vão perseguir: que ele está à chuva a olhar para ela por saber que ela já não ia voltar atrás com a sua decisão, e que ela o ama mais do que tudo na vida e não tem a coragem - que mais niguém tem - de abdicar de tudo o que é certo e seguir só o coração, esse sim um «tonto romântico».
Como deves conhecer tão bem os momentos que se seguem nessa sequência do mais puro e bonito cinema.
A dor que ela sente quando ambos os carros arrancam e param no mesmo semáforo.
A tristeza imensa que ela sente quando o vê colocar o crucifixo, prenda dela, no retrovisor do seu carro.
A raiva, o ódio por ela propria, por não ter a tal coragem, reflectidos na força descomunal com que aperta o puxador da porta, sempre, e até ao último momento, com a certeza de que vai conseguir abrir aquela última barreira, e transpôr os metros que os separam em menos de um segundo.
E que lhe vai dizer "vamos, arranca, por favor".
E que vai ser feliz...
Sim, eu acredito nisso, amigo.
Porque já me aconteceu algo idêntico.
Porque eu já estive à chuva, figura que muitos considerariam ridícula.
Porque eu já estive dentro do carro, já apertei o puxador da porta com a mesma força descomunal, já me faltou essa coragem.
E sabes o que te digo?
Vale tanto a pena!
Vale sempre a pena, mesmo que a dor possa ser insuportável.
E é.
Mesmo que me veja a desparecer para dar lugar a esse sentimento.
Mesmo que já não reconheça em mim a capacidade habitual para discernir, para raciocinar.
O amor nunca será racional, nunca.
Isso não seria amor, seria a tal foda de que falas.
The fuck of the week.
Isso seria alívio, terapia, aproveitamento de um sem número de condicionantes.
Nunca amor.
Mas, como sabes, concordo com tudo o que me dizes na tua carta.
Com tudo, não lhe alterava uma vírgula, aliás.
Mas...
Estou apaixonado.
E compreendo, por as conhecer tão bem, as regras do amor.
As dores de crescimento que ele produz.
Compreendo-as e aceito-as sem discutir.
E podes-me chamar de tonto romântico.
Porque sei que me continuas a amar.
Por saber que, se é um defeito, é um que só faz mal a mim.
Por achar que vale a pena percorrer esse caminho tão incerto, o do amor.
Tão cheio de espinhos, mas tão repleto de rosas.
Por saber, com toda a certeza do mundo, que, aconteça o que acontecer, invariavelmente o resultado será sempre o melhor possível: conhecer pessoas da forma mais desnudada possível.
Aprender com elas - mesmo que coisas menos boas - e sentir que se passou qualquer tipo de mensagem.
Para mim, deixar cá uma herança nossa, deixar a semente, não passa por ter filhos.
Nunca acreditei nisso.
Para mim, a semente está na ligação que criamos com os nossos amigos, com os nossos amantes, com a nossa família e mesmo até com aqueles que não gostam de nós.
É essa a nossa verdadeira marca que fica no mundo depois de partirmos.
"Como é que ele me tocou, o que é que eu senti por ele, como foi fazer amor com ele pela primeira vez".
"O que senti quando me escreveu aquela carta, como foi a primeira vez que subi a um palco com ele"...
Acredito nisso.
Vivo por isso.
E amo-te meu bom amigo.
Nunca me peças desculpa, por favor.

2 Comments:

  • At 14:16, Anonymous Anónimo said…

    Levantou-se-me uma dúvida metafísica. . .
    Estar apaixonado e amar é a mesma coisa?
    A.T.

     
  • At 18:49, Blogger Carlos said…

    Não.
    Decididamente não.

     

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