"O MARIDO DO MEU IRMÃO É MINHA CUNHADA..."
Confesso, estive uns bons minutos à frente de um ecrã em branco, sem saber muito bem o que escrever ou sequer como começar. Prende-se esta indefinição com o texto de José António Saraiva e que foi publicado no jornal Sol de 22 de Agosto, e que tanta tinta digital tem feito correr. O referido artigo de opinião (não se esqueçam disto) é um ataque cerrado aos homossexuais e uma defesa aberta aos bons costumes, herança dessa maravilhosa tradição cristã, o que por si só representa, à partida, que ao lê-lo, estaremos a entrar em terreno minado. Como a Lady Di, lembram-se?, essa diva da comunidade gay mundial.
Só hoje (agora mesmo, diga-se) tive a curiosidade de passar os olhos pelos texto do senhor Saraiva. E eu, que nem tenho problemas de compreensão, tive de o ler uma segunda vez - e palpita-me que ainda o vou ler mais vezes. Acontece que a incredulidade me faz perder, normalmente, cerca de 60% do meu QI, e algumas palavras, ideias e conceitos, por causa disso, passam-me completamente ao lado; tornam-se numa língua estranha, transformam-se em rabiscos de letra de médico e eu, repentinamente burro, deixo de perceber o que me estão a dizer.
A primeira leitura do texto do senhor Saraiva deixou-me com a desconfortável sensação de que aquilo poderia ser somente uma crónica humorística de má qualidade - como aquelas mal escritas pelo Ricardo Araújo Pereira e ainda pior redigidas pelo José Diogo Quintela, estão a ver? A segunda leitura, mais atenta, fez-me compreender duas coisas: que aquilo era, afinal a sério, e que o senhor Saraiva tem uns tomates de ferro. Porque assumir aquelas coisas, de uma forma tão despreocupada com a sua imagem pública e com a posição do jornal que dirige, é coisa para homem grande, zona púbica peluda e unha grande no mindinho para coçar o rabo à frente seja de quem for. O senhor Saraiva é um homem à séria, à moda antiga, como já não se fazem. E ainda bem, porque já pouca gente se orgulha dos antepassados do exemplar masculino de uma humanidade decadente, atrasada e retrógrada. O senhor Saraiva é artesanato de uma era que já o foi.
Posto tudo isto, analisemos o artigo de opinião (guardem isto, lembrem-se) bocadinho a bocadinho. Parece-me a única maneira justa de avaliar um texto que é a equivalência literária aos snuff movies - cada frase que se lê é pior, bem pior que a anterior, e deixa-nos com uma desagradável sensação de náusea por antecipação.
Deixemos, por isso, todas as convenções jornalísticas de que fala o Saraiva - de certeza que ele não se importará se eu retirar daqui o 'senhor' - e os factos ocorridos e que o levaram a escrever o que escreveu eque pode ser lido no site do referido semanário. Passemos directamente à primeira das reais barbaridades. Diz o Saraiva: «Mas os gays, que travaram uma luta tão grande, tão longa e tão dura para poderem casar-se, separam-se afinal com a mesma facilidade dos outros casais? Não seria normal que, pelo menos nos primeiros tempos de vigência da nova lei, procurassem ser exemplares, até para provarem aos opositores que as suas convicções eram fortes e sua luta era justa?».
E logo aqui temos escárnio, sarcasmo ressabiado e um autor mesquinho, capaz do pior para dar a sua opinião num artigo jornalístico. Porque, e apesar de ser um jornalista, director de um semanário que se quer sério e respeitado, o Saraiva parece esquecer-se do facto do artigo de opinião ser um estilo jornalístico. Dizer que os gays deviam ser exemplares para poderem provar que a sua luta tinha fundamento, é o Saraiva a gozar com estes direitos adquiridos; a rir-se à grande com o mal dos outros. E é feio, ó Saraiva.
Logo a seguir o Saraiva questiona-se sobre o sentido de «se separar ao fim de meia dúzia de meses», para, mais à frente, acrescentar «O casamento é entre um homem e uma mulher. (...) As palavras que usamos têm um significado que o tempo e o uso foram consolidando – e ‘casamento’ na nossa civilização quer dizer a união entre um homem e uma mulher, ou seja, o acto fundador de uma família. Querer que a palavra tenha outros significados é uma aberração que põe em causa as próprias referências do meio em que vivemos». O que o Saraiva parece desconhecer é que, em 2010, a média de divórcios em Portugal rondou os 72 por dia, sem qualquer especificidade relativa ao facto de serem casamentos hetero ou homossexuais. Um divórcio é um divórcio, e com certeza, não serão os gays os responsáveis, nem por esta média, nem pela credibilização de uma instituição a que o Saraiva devota tanto respeito e consideração. Nem os homossexuais nem qualquer outro cidadão. As coisas são como são, e é nessa normalidade que reside a maior ignorância do Saraiva: o direito ao casamento, independentemente das opções sexuais dos noivos - sim, Saraiva, mesmo que sejam noivo e noivo, ou noiva e noiva.
Mas o Saraiva, iluminado pela fé cristã que é, explica o acontecimento, a estranheza dos factos com uma brilhante teoria. Segundo ele «o ainda marido (ou mulher?) de Nuno de Sá é um massagista de nacionalidade venezuelana, de nome Carlos Eduardo Yanez Marcano, com menos 10 anos do que ele. Perante este bilhete de identidade, compreendem-se melhor as zangas, as agressões – e finalmente a lavagem de roupa suja na praça pública». Ok , e isto é o quê? Xenofobia, homofobia ou a total incompreensão de uma série de coisas que, imagine-se, acontecem na vida real onde, claramente o autor não habita. Sim, pessoas mais velhas casam com outras mais novas, os jovens não são sempre violentos e os massagistas não batem nos outros com as mãos oleadas. E claro, já cá faltava a tentativa, ofensiva e muito perigosa, de criar um paralelismo entre estes acontecimentos e o assassinato de Carlos Castro de maneira a consubstanciar a sua fraca, ténue e feia teoria. Mais uma vez, feio, ó Seabra.
Diz o Saraiva, logo a seguir que é «claro que dois homens podem viver juntos – sejam irmãos, amigos, companheiros ou sócios em qualquer coisa. Como duas mulheres podem viver juntas, por variadíssimas razões. E é justo que as pessoas que vivem juntas tenham certos direitos em comum. Mas, para isso, não é necessário pôr em causa as nossas referências nem baralhar os nossos pobres espíritos». Quanto a isto, só posso dizer que o espírito do Saraiva não é pobre, está na falência mais deprimente. Mas, não satisfeito, ainda atira um «nem – já agora– complicar a vida aos pobres jornalistas, pondo-os a pensar se estará certo dizer ‘o ex-marido de Jorge Nuno de Sá’». Meu caro, os únicos jornalistas baralhados com esta nomenclatura são os que partilham o mesmo cérebro do século XV que tens a boiar na tua caixa craniana.
A terminar, e quando se pensava que a coisa não podia ser mais ridícula, o autor diz «agora um casamento onde há dois maridos e nenhuma mulher é coisa muito estranha. Ainda mais estranha se acabar com uma queixa na esquadra". E só me apetece perguntar porquê. Porque, e mais uma vez, um casal é um casal, e os problemas entre casais são os mesmos e têm, infelizmente, as mesmas causas e as mesmas consequências.
Enfim, voltando ao início, apetece-me cada vez mais valorizar o enorme e rígido par de testículos do Saraiva. É realmente necessário conhecer a sua fé e as coisas em que se acredita para, num jornal de alguma relevância, e assumindo o papel de seu director, publicar um artigo de opinião (lembram-se?) desta natureza homofóbica, preconceituosa, perigosa, incendiária - o resultado está bem à vista - e, no limite, cómica. Ridiculamente cómica.
No entanto, esta iniciativa que circula no Facebook, e que tem como objectivo boicotar o semanário Sol, tem tanto de ridícula como de inútil. Desde logo porque o semanário Sol não entra sequer na lista dos dez jornais mais vendidos em Portugal, e a sua tiragem ultrapassa por pouco os 100 mil exemplares. Concordo, isso sim, que se deva ler o Sol, para poder criticar o que por lá se escreve, especialmente se forem ignorâncias do calibre da que escreveu o Saraiva.
Sou totalmente a favor da liberdade de expressão e, ainda mais, da liberdade de imprensa. O problema é que a liberdade imprensa tem destas coisas. Sendo um género jornalístico, o artigo de opinião (eu bem vos avisei) concede liberdade total ao seu autor de dizer o que bem lhe apetece. Mas este não é um autor qualquer. É o Saraiva. E a propósito do Saraiva, convém perceber uma coisa fundamental. Que, acima de tudo, ele não é um simples director do semanário Sol. É também o seu fundador e, logo, um dos seus accionistas. Explica muita coisa, não explica?
Só hoje (agora mesmo, diga-se) tive a curiosidade de passar os olhos pelos texto do senhor Saraiva. E eu, que nem tenho problemas de compreensão, tive de o ler uma segunda vez - e palpita-me que ainda o vou ler mais vezes. Acontece que a incredulidade me faz perder, normalmente, cerca de 60% do meu QI, e algumas palavras, ideias e conceitos, por causa disso, passam-me completamente ao lado; tornam-se numa língua estranha, transformam-se em rabiscos de letra de médico e eu, repentinamente burro, deixo de perceber o que me estão a dizer.
A primeira leitura do texto do senhor Saraiva deixou-me com a desconfortável sensação de que aquilo poderia ser somente uma crónica humorística de má qualidade - como aquelas mal escritas pelo Ricardo Araújo Pereira e ainda pior redigidas pelo José Diogo Quintela, estão a ver? A segunda leitura, mais atenta, fez-me compreender duas coisas: que aquilo era, afinal a sério, e que o senhor Saraiva tem uns tomates de ferro. Porque assumir aquelas coisas, de uma forma tão despreocupada com a sua imagem pública e com a posição do jornal que dirige, é coisa para homem grande, zona púbica peluda e unha grande no mindinho para coçar o rabo à frente seja de quem for. O senhor Saraiva é um homem à séria, à moda antiga, como já não se fazem. E ainda bem, porque já pouca gente se orgulha dos antepassados do exemplar masculino de uma humanidade decadente, atrasada e retrógrada. O senhor Saraiva é artesanato de uma era que já o foi.
Posto tudo isto, analisemos o artigo de opinião (guardem isto, lembrem-se) bocadinho a bocadinho. Parece-me a única maneira justa de avaliar um texto que é a equivalência literária aos snuff movies - cada frase que se lê é pior, bem pior que a anterior, e deixa-nos com uma desagradável sensação de náusea por antecipação.
Deixemos, por isso, todas as convenções jornalísticas de que fala o Saraiva - de certeza que ele não se importará se eu retirar daqui o 'senhor' - e os factos ocorridos e que o levaram a escrever o que escreveu eque pode ser lido no site do referido semanário. Passemos directamente à primeira das reais barbaridades. Diz o Saraiva: «Mas os gays, que travaram uma luta tão grande, tão longa e tão dura para poderem casar-se, separam-se afinal com a mesma facilidade dos outros casais? Não seria normal que, pelo menos nos primeiros tempos de vigência da nova lei, procurassem ser exemplares, até para provarem aos opositores que as suas convicções eram fortes e sua luta era justa?».
E logo aqui temos escárnio, sarcasmo ressabiado e um autor mesquinho, capaz do pior para dar a sua opinião num artigo jornalístico. Porque, e apesar de ser um jornalista, director de um semanário que se quer sério e respeitado, o Saraiva parece esquecer-se do facto do artigo de opinião ser um estilo jornalístico. Dizer que os gays deviam ser exemplares para poderem provar que a sua luta tinha fundamento, é o Saraiva a gozar com estes direitos adquiridos; a rir-se à grande com o mal dos outros. E é feio, ó Saraiva.
Logo a seguir o Saraiva questiona-se sobre o sentido de «se separar ao fim de meia dúzia de meses», para, mais à frente, acrescentar «O casamento é entre um homem e uma mulher. (...) As palavras que usamos têm um significado que o tempo e o uso foram consolidando – e ‘casamento’ na nossa civilização quer dizer a união entre um homem e uma mulher, ou seja, o acto fundador de uma família. Querer que a palavra tenha outros significados é uma aberração que põe em causa as próprias referências do meio em que vivemos». O que o Saraiva parece desconhecer é que, em 2010, a média de divórcios em Portugal rondou os 72 por dia, sem qualquer especificidade relativa ao facto de serem casamentos hetero ou homossexuais. Um divórcio é um divórcio, e com certeza, não serão os gays os responsáveis, nem por esta média, nem pela credibilização de uma instituição a que o Saraiva devota tanto respeito e consideração. Nem os homossexuais nem qualquer outro cidadão. As coisas são como são, e é nessa normalidade que reside a maior ignorância do Saraiva: o direito ao casamento, independentemente das opções sexuais dos noivos - sim, Saraiva, mesmo que sejam noivo e noivo, ou noiva e noiva.
Mas o Saraiva, iluminado pela fé cristã que é, explica o acontecimento, a estranheza dos factos com uma brilhante teoria. Segundo ele «o ainda marido (ou mulher?) de Nuno de Sá é um massagista de nacionalidade venezuelana, de nome Carlos Eduardo Yanez Marcano, com menos 10 anos do que ele. Perante este bilhete de identidade, compreendem-se melhor as zangas, as agressões – e finalmente a lavagem de roupa suja na praça pública». Ok , e isto é o quê? Xenofobia, homofobia ou a total incompreensão de uma série de coisas que, imagine-se, acontecem na vida real onde, claramente o autor não habita. Sim, pessoas mais velhas casam com outras mais novas, os jovens não são sempre violentos e os massagistas não batem nos outros com as mãos oleadas. E claro, já cá faltava a tentativa, ofensiva e muito perigosa, de criar um paralelismo entre estes acontecimentos e o assassinato de Carlos Castro de maneira a consubstanciar a sua fraca, ténue e feia teoria. Mais uma vez, feio, ó Seabra.
Diz o Saraiva, logo a seguir que é «claro que dois homens podem viver juntos – sejam irmãos, amigos, companheiros ou sócios em qualquer coisa. Como duas mulheres podem viver juntas, por variadíssimas razões. E é justo que as pessoas que vivem juntas tenham certos direitos em comum. Mas, para isso, não é necessário pôr em causa as nossas referências nem baralhar os nossos pobres espíritos». Quanto a isto, só posso dizer que o espírito do Saraiva não é pobre, está na falência mais deprimente. Mas, não satisfeito, ainda atira um «nem – já agora– complicar a vida aos pobres jornalistas, pondo-os a pensar se estará certo dizer ‘o ex-marido de Jorge Nuno de Sá’». Meu caro, os únicos jornalistas baralhados com esta nomenclatura são os que partilham o mesmo cérebro do século XV que tens a boiar na tua caixa craniana.
A terminar, e quando se pensava que a coisa não podia ser mais ridícula, o autor diz «agora um casamento onde há dois maridos e nenhuma mulher é coisa muito estranha. Ainda mais estranha se acabar com uma queixa na esquadra". E só me apetece perguntar porquê. Porque, e mais uma vez, um casal é um casal, e os problemas entre casais são os mesmos e têm, infelizmente, as mesmas causas e as mesmas consequências.
Enfim, voltando ao início, apetece-me cada vez mais valorizar o enorme e rígido par de testículos do Saraiva. É realmente necessário conhecer a sua fé e as coisas em que se acredita para, num jornal de alguma relevância, e assumindo o papel de seu director, publicar um artigo de opinião (lembram-se?) desta natureza homofóbica, preconceituosa, perigosa, incendiária - o resultado está bem à vista - e, no limite, cómica. Ridiculamente cómica.
No entanto, esta iniciativa que circula no Facebook, e que tem como objectivo boicotar o semanário Sol, tem tanto de ridícula como de inútil. Desde logo porque o semanário Sol não entra sequer na lista dos dez jornais mais vendidos em Portugal, e a sua tiragem ultrapassa por pouco os 100 mil exemplares. Concordo, isso sim, que se deva ler o Sol, para poder criticar o que por lá se escreve, especialmente se forem ignorâncias do calibre da que escreveu o Saraiva.
Sou totalmente a favor da liberdade de expressão e, ainda mais, da liberdade de imprensa. O problema é que a liberdade imprensa tem destas coisas. Sendo um género jornalístico, o artigo de opinião (eu bem vos avisei) concede liberdade total ao seu autor de dizer o que bem lhe apetece. Mas este não é um autor qualquer. É o Saraiva. E a propósito do Saraiva, convém perceber uma coisa fundamental. Que, acima de tudo, ele não é um simples director do semanário Sol. É também o seu fundador e, logo, um dos seus accionistas. Explica muita coisa, não explica?
1 Comments:
At 12:14, Anónimo said…
pena que o Saraiva não leia esta crónica.
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