Admira-me sempre a estupidez das pessoas. Ainda consigo ficar espantado sempre que alguém manifesta e comprovadamente inteligente me diz babando-se que a lampreia deve ser esfolada viva para assim saber melhor - o simples facto de acreditarem numa asneira destas é revelador de que algo ali não bate certo. Nunca tive, mesmo desde pequeno, em relação a este assunto qualquer tipo de meio termo: a falta de sensibilidade para com os animais é pura burrice e o melhor reflexo de uma característica do ser humano cada vez menos desmentivel. Passo a explicar: no espectáculo "Recuperados", que o TUP levou recentemente a cena, havia a dada altura no meu texto a frase eu não sei quando é que o povo lusitano perdeu a memória, mas acho que foi no século XIII. Embora não fosse da minha autoria, a frase sempre me disse muito mais do que o seu sentido imediato demonstra. Quando é que o ser humano ficou burro? Já nasceu assim? Não aprendemos nada com o liberalismo, nem com o comunismo ou a democracia e não aprendemos nada de bom com o capitalismo, isso é certo. Tantas mudanças, tantas peqenas e grandes revoluções e no fundo, na base, nos pilares, continuamos a mesma merda que sempre fomos. As principais preocupações do ser humano continuam a ser com o seu próprio umbigo. Se está bem e se vai estar melhor amanhã, mesmo que isso implique esfolar uma lampreia viva e ainda por cima argumentar que ela não sente ou, melhor ainda, justificar que se faz o mesmo às galinhas para as sangrar - um bom amigo sempre me disse que para o ser humano ter a moral necessária para comer carne, devia matar aquilo que come. Falar é fácil e ainda mais fácil é pagar as fortunas que se pagam para comer um peixe que acaba de ser esfolado vivo e que chega à nossa mesa limpo, preparado e sem qualquer vestígio da barbárie de que acaba de ser vítima.
Queremos os melhores telemóveis; é mesmo uma procupação do homem moderno, um motivo adicional de stress, se o seu telemóvel tem ou não câmara fotográfica e de vídeo com que possa fotografar as futilidades do seu dia-a-dia e com que possa fazer pequenos filmes porno que disponibiliza na net com o título "As grandes mamas da minha ex". Somos todos snobs que só nos misturamos com a ralé em zonas alternativas em dia de celebração e como se fôssemos ao zoo ver como vivem os freaks. Basta ir à rua Miguel Bombarda quando está em festa e perceber que existem dois tipos de animais envolvidos, os queques da Foz e sucedâneos de terceira, e os alternativos, artistas, cabeleireiros, actores, todos com as suas melhores roupinhas - mesmo que algumas não o aparentem; uns querem ser vistos, os outros querem muito ver como eles são.
Tanta revolução, tanta mudança, tantas conquistas e a mulher continua a ser esse ser ignóbil e desprovido de coluna vertebral que quer três televisões em casa porque ao fim e ao cabo é ela que continua a fazer o jantar todos os dias sem discutir e precisamente à hora que está a fazer mais uma vez pescada cozida congelada dá uma novela no canal quatro e porque a seguir a lavar a louça novamente sem sequer questionar vai para o quarto finalmente descansar e ver a outra novela porque isto da igualdade de direitos fez com que ela pudesse sair de casa e arranjar um emprego de merda mas que chega para lhe pagar o tal telemóvel mas também significa que no fundo o que tem são mais horas de trabalho ininterrupto por dia. O marido continua a ser o canastrão de sempre bem ensinado pelo seu paizinho e pela sua mãezinha já agora e que se está pouco cagando para as três televisões porque a ele basta-lhe aquela que tem o canal de desporto ligado todo o santo dia nem que seja para ter um derrame cerebral a ver o tour PGA de golf às duas da manhã porque já nem lhe apetece ir para a cama e prefere adormecer no sofá a pensar que queria ter menos vinte anos e trinta centímetros na puta da barriga para assim ainda poder acreditar que conseguia comer as gajas que à mesma hora e por acaso tomam café no mesmo café que ele.
Somos fúteis. Glorificamos o mais básico, desnecessário e inútil que a sociedade tem para nos oferecer. Como a grunha do Futebol Clube do Porto que, fiel à filosofia da maioria dos adeptos do clube em questão, ficou famosa por ter tentado agredir outra grunha que ficou famosa pelas razões que se conhecem. Irracionais. Irracionais que defendem e deificam de uma forma quase irreal um homem só porque este é presidente de um clube de futebol. Podia ficar provado que Pinto da Costa tinha cometido os crimes mais hediondos do universo, que ainda assim esta horda de energúmenos o defenderia da mesma forma. Irracional.
Somos bárbaros e gostamos dessa natureza. Negamo-la, mas temos um estranho e doentio fascínio por ela. Na Dinamarca, todos os anos centenas de golfinhos Calderon são chacinados em nome de uma antiga tradição. Num exercício de rara violencia - mas não tão rara quanto isso - jovens dedicam-se a matar golfinhos que se aproximam da costa como cerimonial de passagem à idade adulta. Estamos a falar de um país pertencente à União Europeia e de uma práctica que não só não é condenada pela própria União, como não é mencionada nas notícias e que não sofre represálias por parte dessa toda poderosa Greenpeace - hoje gorda, anafada e demasiado dolente para quem quer realmente fazer alguma coisa.
Perante cenários destes; perante coisas tão desnecessariamente brutais como o esfolar uma lampreia viva, o ferver uma lagosta viva, o cortar pedaços de um peixe vivo para cozinhar e deixá-lo no aquário à espera da próxima dose, o abate de golfinhos só porque sim, o tiro aos pombos, as touradas e largadas de touros, a caça e pesca desportivas, e todo um sem número de maus tratos a animais, terríveis, humilhantes, vou-me começar a rir dos ditos problemas que o homem moderno sofre e vem sofrendo. Palestina e Israel? Não me façam rir. Guerras em África? Azar. Atentado no Paquistão. Estavam a pedi-las.
Sou uma bomba-relógio anti-social. Começo perigosamente a perder toda e qualquer paciência para as pessoas e para a sociedade das pessoas. Tudo o que sabemos é destruir. Portanto, estamos seriamente a jogar no risco. Uns dias corre bem, outros corre mesmo muito mal. Falem-me a um nível macro-sociológico e transformo-me imediatamente em assassino de massas. De repente os massacres que vemos aqui e ali em países como os EUA fazem todo o sentido. De repente dou por mim a pensar porque é que eu não me lembrei disto antes?
O pior disto tudo, é que já há muito tempo que desisti. Nada nunca vai mudar, e dá-me vontade de rir de todos estes ditos pragmáticos que vêm a vida ainda com olhos esperançados de quem acha mesmo que só por falar e fazer manifestações vai realmente conseguir mudar seja o que for. Palhaços que se dizem vegetarianos porque têm peninha dos animais. De quais? Dos golfinhos? Dos ursos polares? Das raposas que fofinhas que elas são e têm uns bebés tão riquinhos? E os outros milhões de animais que esterminamos como se estivessemos num safari e que não são obrigatoriamente fofinhos e riquinhos e bonitinhos? Somos uns putos reguilas da pior espécie que a primeira coisa que fazemos sempre que vemos um animal qualquer é perguntar como é que isto se estraga?
E ainda querem convencer-me a votar nesta cambada de merdas que são os políticos que se estão pura e simplesmente nas tintas para tudo isto e cuja única e permanente preocupação é tentar manter o posto pelo maior período possível e todas as regalias que daí resultam? Não me façam rir. Já basta a hipocrisia tão genialmente utilizada por eles e pelos seus assessorzinhos de imprensa e os seus marketeers e que é baseada tão somente na nossa estupidez, capacidade de sermos enganados, fé desmedida na incongruência e, lá está, burrice.
E as pessoas que defendem que se pode esfolar uma lampreia viva para saber melhor no prato? Gosto das duas em particular que mo disseram e respeito-as imensamente. Só não gosto delas quando se lembram que afinal são seres humanos como todos os outros...
Gostam mesmo de viver num mundo assim?
Eu obriguei-me a ver o vídeo até me doer a garganta de tanto apertar o nó, até já não conseguir apertá-lo.
2 Comments:
At 12:27, José Miguel Neves said…
Amigo,
A resignação e impotência tb fazem parte desta vida! Acho que foi a Matilde Rosa Araújo que escreveu isto já há muitos anos...
Cortaram uma árvore
E a terra chorou
Cortaram outra árvore
E a terra chorou
E tantas árvores mais…
E a terra chorou
Chorar tanto também cansa
Quem pode enxugar as lágrimas
Da terra cansada?
Nem as mãos de uma criança.
At 04:40, BLOGZOOM said…
Olá amigo, estou apoiando a indignação contra esta barbárie. Vamos divulgar sim e gritar pela paz e respeito mundial sobre tudo e todas as coisas e todo e qualquer ser que respire.
Um beijo!
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