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Bom Karma... ou não!

terça-feira, fevereiro 10, 2009

DOUBT

Há filmes que não sendo uma obra-prima, acabam por nos satisfazer totalmente. "Doubt" é um desses filmes. Não tem um argumento vertiginosamente genial, não é original na forma ou na técnica e não nos surpreende de modo algum. É um filme rígido - o que vai bem com o tema e com o cenário da história - aritmético, desenhado a régua e esquadro, rigorosamente disciplinado. É um filme frio, gélido, e que tem nos desempenhos dos actores principais a chama que lhe dá o equilibrio necessário. Impressionante o trabalho dos quatro actores em torno dos quais a história se desenrola. Meryl Streep - cada vez mais a melhor actriz de todos os tempos - Phillip Seymour Hoffman, Amy Adams - quem diria - e Viola Davis. Streep e Hoffman fazem aquilo que esperamos sempre deles, e se não tivessem tão bons companheiros de cena, facilmente transportariam o filme às suas costas, e a coisa resumir-se-ia a um constante duelo de gigantes. Streep merece o Oscar, mas também a verdade é que parece merecê-lo em cada filme que faz. A irmã Aloysius que desempenha é verdadeiramente assustadora, e uma das melhores personagens inventadas por Streep. Hoffman foi injustamente nomeado para o Oscar de actor secundário, o que não faz qualquer sentido. Assim sendo tem a vida dificultada pelo desempenho de Heath Ledger. Ainda assim, a sequência do confronto entre ele e Streep no escritório da madre superiora é antológica e vital no cetro da história. Amy Adams, que até aqui não tinha feito outra coisa que não fosse papel de tontinha, surpreende completamente com uma freira constantemente à beira do abismo, sempre num estado emocional prestes a explodir. É impressionante, o seu desempenho, e partia desde já como favorita à estatueta de actriz secundária, não fosse a concorrência absolutamente desleal da sua colega de filme, Viola Davis. O trabalho da quase desconhecida Davis podia ser resumido pelo facto de estar nomeada por apenas oito minutos de filme. Uma única sequência, mas que me impressionou como já há muito não acontecia e que deixou metade dos EUA em polvorosa -a própria Merryl Streep, numa qualquer entrega de prémios, gritou ao microfone the giganticly gifted Viola Davis. My god somebody give her a movie! Viola Davis merece sem hipótese de concorrência o Oscar. O Oscar e todos os prémios que conseguir. Como se imita um olhar? Como se consegue transmitir tanta dor e a certeza de que a vida que se tem é um pesadelo insuportável ainda antes de se ter proferido uma palavra sequer? É isso e muito mais que Viola faz numa das cenas mais terrivelmente pesadas e sufocantes dos últimos anos. Um diálogo em que a personagem não diz tudo o que queríamos ouvir, mas mostra-nos o que não gostamos nunca de ver. Uma daquelas situações em que não sabemos bem o que dizer, o que fazer, e que nos esmaga por completo. Viola Davis atropela o espectador de uma forma implacável, e assina uma das melhores interpretações de que tenho memória. Sem exageros. Sem histerias. Completamente low profile mas um poderoso soco na cara (ver a sequência mais abaixo, obrigatoriamente).
De resto o filme é tudo o que já disse e mais uma coisa; uma maldade do realizador - dramaturgo e encenador da peça que originou o filme, e com a qual venceu o Pulitzer - que se dá ao luxo de nos deixar na mais completa dúvida em relação ao que se terá realmente passado com o padre Flynn (Hoffman). O desconforto à saída da sala sente-se entre todos os espectadores, mas a opção é inteligente. Fazer um juízo de valor acerca de qualquer uma daquelas pessoas que vemos no ecrã seria um perigoso condicionar da nossa opinião, e um tropeção imenso do argumento. "Doubt" não é um thriller, um mero filme de suspense. É uma história que fala de um terrível segredo e da ainda mais horrível realidade que surge do facto desse segredo não poder ser esclarecido. Fala da dúvida e do poder que a dúvida tem nas pessoas que têm dúvidas. É um objecto poderoso, o do realizador John Patrick Shanley, obstinado na forma como está desenhado, desconfortável na frieza (no frio) das suas imagens e sons. Já não há muito cinema assim nos EUA; "Doubt" é muito mais um certo cinema nórdico. Repito, não é de todo um grande filme. Está, isso sim, numa categoria de cinema ao lado do habitual. "Doubt" é um filme impressionante.

Viola Davis



Doubt

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