20% OF US ARE YOU
O primeiro grande filme do ano começa precisamente com o protagonista a falar para um gravador - para nós, realmente - e a dizer "no caso de eu ser assassinado...". Ou seja, nós não sabemos que ele vai ser assassinado, mas essa sensação trágica trespassa o filme e acompanha-nos mesmo até ao final, já depois de Harvey Milk, o tal protagonista, ser realmente assassinado. Segundos após a cena em que o activista pelos direitos dos homossexuais é morto - uma sequência angustiante e bela ao mesmo tempo - revemos um dos momentos iniciais de toda a história; o momento em que Harvey Milk diz ao homem da sua vida que acaba de completar 40 anos e sem nunca ter feito nada de que se orgulhasse. Acrescenta, não tão a brincar quanto isso, que não chegará aos 50. Não chegou.
Harvey Milk tornou-se no primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo público nos EUA. Em 1978 conseguiu finalmente o lugar de supervisor na Câmara de San Francisco e conseguiu dar ao seu movimento pelos direitos dos homossexuais todo um novo enquadramento e uma projecção que ainda hoje se faz sentir.
O filme de Gus Van Sant - o mais próximo do cinema mainstream que este realizador alguma vez fará - é fascinante. Filmado com um rigor quase coreográfico, conta com um elenco brilhante, liderado por um Sean Penn que consegue um desempenho suave, quase despercebido mas a todos os níveis notável. O olhar da sua personagem não é, nem de longe, nem de perto, o olhar de Penn. E se isso não é uma boa prova das suas capacidades...
Para além disso, vale a pena referir os trabalhos de Josh Brolin e James Franco. O primeiro está nomeado - como Penn, aliás - para o Oscar na categoria do actor secundário, mas foi o segundo que me surpreendeu totalmente. A dignidade que empresta à personagem Scott Smith, o tal homem da vida de Milk, é tocante e temperada com um sem número de pequenos detalhes.
O ponto forte do filme de Gus Van Sant é no entanto essa tristeza que, sem sabermos bem porquê, não nos deixa um só minuto. Como se no fundo já soubessemos que aquela história não tem como acabar bem. E mesmo sabendo - porque a imprensa por estes dias não fala de outra coisa - que Harvey foi realmente assassinado, a verdade é que essa sensação trágica suplanta tudo o resto. Ao ponto de os últimos segundos dessa sequência em que vemos Milk ser baleado, nos trazerem algum alívio. Como se só uma bala pudesse dar algum descanso a Harvey Milk. E no entanto ele tinha tanta vontade de viver.
Última chamada de atenção para a belíssima banda sonora, insuspeitamente assinada por Danny Elfman, novamente a arriscar um filme diferente dos que lhe têm dado fama, e a compôr uma partitura nos antípodas do que tem feito para Tim Burton.
"Milk" é já um dos melhores filmes de 2009, sem dúvida. Está nomeado para oito Oscar, mas não nos podemos esquecer que Gus Van Sant e a Academia não são coisas que se misturem facilmente.
Etiquetas: Cinema
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