kar(ma)toon

Bom Karma... ou não!

terça-feira, janeiro 08, 2008



Admito, não foi o grandioso filme que me parecia que fosse ser, e isso irrita-me pela simples razão de que essa espectativa foi arruinada apenas por um «pequeno pormenor». Um pormenor chamado "o produtor fartou-se do filme ser tão diferente e mandou o realizador remar para o lado comercialóide da coisa".
Mesmo assim, "I Am Legend" é um filme brilhante em tantos outros aspectos que merece o devido destaque.
E começa por ser brilhante pela forma como foge inteligentemente ao típico filme de zombies de que toda a gente estava à espera. Mais, o segundo filme de Francis Lawrence, que se estreou com o muito aconselhável "Constantine"- que se lixem as críticas derrotistas -, nem sequer é um filme de terror. "I Am Legend" é um ovni, um filme como já poucos realizadores têm coragem de fazer. E essa foi precisamente a razão que fez com que estivesse tanto tempo na prateleira, há espera de um nome que lhe desse a consistência - só quando Will Smth se mostrou interessado pelo projecto, é que os senhores dos dinheiros decidiram avançar com a concretização. E ainda bem. O filme é um objecto de coragem, por gastar grande parte da sua duração com um actor sozinho numa Nova Iorque devastada, tendo como única companhia uma cadela, Sam, e a ameaça constante das criaturas sedentas de sangue em que se transformaram os novaiorquinos. Ou seja, durante mais minutos do que aqueles a que estamos (mal) habituados, não se passa lá grande coisa. E é precisamente esse ambiente, ao mesmo tempo nostálgico e terrivelmente triste que rodeia a personagem do Dr. Robert Neville, conjugado com uma densa e sufocante atmosfera de medo, provocada pela tal ameaça, que mantém o filme num nível altíssimo e que me fez desejar revê-lo ainda não tinham decorrido dez minutos de exibição. As imagens de Neville calcorreando a cidade cumprindo escrupulosamente os seus rituais - procura de comida, «aluguer» de filmes num videoclube, as conversas de ocasião com alguns manequins por ele dispostos de maneira a parecer que tudo está afinal normal e a constante tentativa de encontrar outros sobreviventes - são de uma estranha e incomum beleza e de uma esmagadora e aterradora força. Imaginarmo-nos na situação do cientista que sobreviveu, sabe-se lá porquê, a uma devastadora epidemia, obriga-nos a ponderar muita coisinha que normalmente nem nos passa pela cabeça.
Tivesse o realizador a capacidade de manter a coisa estável até ao fim, e teríamos filmão. Ao invés, levamos logo o primeiro bofetão nas beiças assim que avistamos pela primeira vez uma das tais criaturas que Neville tenta evitar a todo o custo. Como é possível uma mega produção deste calibre «escarrar» uns bonecos animaditos sem graça nenhuma, mal feitos e que nem conseguem disfarçar o CGI de que são feitos? É ridículo e totalmente inaceitável, e desfaz toda a tensão que o filme vinha criando em nós, já não apenas confortáveis espectadores da sorte do Dr. Neville. De repente até nos apetece rir das figurinhas daqueles infelizes que mais não fazem do que rugir e que ainda por cima são muito mal paridinhos.
Como se já não fosse suficiente, o momento em que os mostrengos começas decididamente a fazer a sua aprição no filme, é o momento em que o realizador decide fazer inversão de marcha no sentido em que a coisa ia, e tornar tudo o que era contenção, sensibilidade e um ambiente de uma paz triste e conformada, num blockbuster há moda de todos os outros.
Até aí, o trabalho de Will Smith era de uma franqueza e de uma entrega comoventes. Smith é sublime e imperceptivelmente coerente no papel do cientista que -vamos percebendo à medida que o filme avança - já não está assim tão mentalmente são quanto parece. A partir desse fatídico momento, volta a ser o Will Smith de outros tempos menos recomendados.
E tive tanta pena que fosse assim. Seria sem dúvida um dos grandes filmes de acção do ano, e com uma nobreza e dignidade incomuns para o género.
Mesmo assim, "I Am Legend" merece a pena ser visto num cinema condigno, nem que para isso tenham de sair da sala no preciso momento em que esta sequência aqui publicada termina.
Acreditem...


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