E AINDA ME FALTA UM...
Continuando com a febre louca de ver filmes em DVD de forma compulsiva, atirei-me então ao já referido "Children Of Man", e a outros dois que entretanto fui buscar à toda poderosa Blockbuster, "Unknown" e "The Good German".
Começo então por "Unknown", do estreante Simon Brand. E a coisa é muito simples: cinco homens acordam trancados num enorme armazém no meio do deserto, dois deles amarrados e/ou algemados, todos com sinais evidentes de terem levado umas valentes bofetadas, e todos também com uma forte amnésia, provocada pela inalação de um gás, que os impede de saberem quem são ou como foram ali parar e, por isso mesmo, sem terem bem a certeza se vale a pena confiar uns nos outros. Entretanto, e por meio de um jornal encontrado na casa de banho, ficam a saber que com toda a certeza, dois deles foram raptados há pelo menos três dias, e que, muito provavelmente, os restantes três fazem parte do grupo de raptores. Ora, apesar da tão preciosa informação, a verdade é que a memória ainda não está como devia, o que faz com que, apesar da enorme desconfiança e acusações mútuas, os cinco se decidam a tentar, num esforço conjunto, sair dali para fora. O que é um assunto interessante: como não sei se sou raptado ou raptor mais me vale é fugir daqui para fora e logo se vê.
Ou seja, não podia haver ponto de partida mais apetitoso e interessante do que um assim. Mas a coisa logo se começa a desmoronar, por culpa de uma realização defeituosa e que nunca consege criar no espectador o mesmo sentimento de medo e confusão porque devem estar a passar aqueles cinco homens. O realizador não chega sequer a tirar partido de um óptimo elenco - composto por James Caviezel, Greg Kinnear, Joe Pantoliano, Barry Pepper e Jeremy Sisto -, e desfaz todo o suspense do início do filme ao revelar mais do que era pretendido em consecutivos flasbacks, que nos vão dando pistas do passado recente dos envolvidos. Só que ainda antes de qualquer um daqueles homens aprisionados no armazém fazer uma pequena idéia do que realmente se está a passar, já nós percebemos tudo até ao mais ínfimo pormenor e já só nos apetece carregar no stop e passar a tarde a ver os melhores momentos da missa do galo de 2007.
E é pena. Um filme destes entregue a um David Fincher, ou mesmo a um Tarantino - que já tinha andado por caminhos semelhantes em Reservoir Dogs -, teria resultado num thriller arrepiante e intenso. Assim, perde o interesse ao fim dos primeiros quinze minutos, e deixa-nos com mais de uma hora de pelicula chata, óbvia e irritantemente inconsequente. Chiça!
Já "The Good German", de Steven Soderbergh, encheu a minha pança cinéfila de alegria. E porquê? Porque é absolutamente genial. Nunca se tinha visto uma imitação de filme noir da década de cinquenta tão genuino e credivel. Tudo, na obra de Soderbergh, foi feito como se fazia «antigamente». O preto e branco, os cenários, a música, os diálogos (riquíssimos), os movimentos da câmara, os planos e até os tiques dos actores, a forma como se movem e inclusive a maneira como pegam no cigarro, transpira a cinema vintage.
A intriga é verdadeiramente simples, e só uma realização tão brilhante e inventiva quanto a de Soderbergh é que nos obriga a vê-lo de uma assentada, sem pausas para lanche, cigarro, ou festinhas no gato. Na Berlim do final da segunda guerra mundial, numa altura em que se ultimam os preparativos para a conferência de paz entre Truman, Estaline e Churchill, os bastidores corruptos e secretos da acção fervilham de acção, na busca do melhor negócio para cada um dos aliados com representação na capital alemã. Enquanto russos e americanos lutam às escondidas pela «contratação» dos geniais cientistas que haviam ajudado a Alemanha a ser uma temida potência militar - nomeadamente no desenvolvimento da bomba nuclear que nunca chegou a ser concluído senão nos EUA -, civís e militares tentam, na mais absoluta clandestinidade, a melhor solução para os seus problemas.
Lena Brandt - uma magistral Cate Blanchett, aqui a fazer de Marlene Dietrich - é a esposa de um matemático alemão e um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos bombardeiros V2. Lena, femme fatale irresistível, usa todo o seu charme para conseguir o que quer dos homens que lhe caiem nas mãos, e que é tão simplesmente sair de Berlim o quanto antes. Jake Geismer - excelente George Clooney, ou se preferirem, Clark Gable - é o capitão americano, jornalista militar, que se desloca a Berlim, depois de já lá ter vivido antes da guerra, para fazer a cobertura da dita conferência.
E agora é que vem a parte boa da coisa: Lena e Geismer eram amantes antes da guerra, o marido de Lena é procurado tanto por russos como por americanos, e ambas as partes acham que Geismer - que obviamente havia de procurar Lena por entre os destroços de Berlim - pode levá-los até ele. Só que Emil Brandt está oficialmente morto há três anos... E o resto tem mesmo de ser visto, porque a intriga envolve-nos de uma maneira absolutamente contagiante. Os actores são magníficos, mas acaba por ser todo o ambiente nostálgico do filme a prender-nos à cadeira e ao ecrã da televisão. O filme tem direito a final à Casablanca e tudo, o que deixa qualquer amante de bom cinema a salivar por mais objectos deste calibre.
O regresso de Steven Soderbergh ao cinema mais sério foi feito da melhor forma, e com um daqueles ovnis que mereciam melhor sorte e mais atenção. Genial!
Finalmente, "Children Of Man"...
Acabei o filme cansado e sem fôlego. Porque durante toda a duração do filme somos obrigados a correr, saltar, rastejar e a fugir das balas com o protagonista. Nunca como neste filme tinha visto um uso tão eficaz e tão exaustivo dos planos sequência. Nunca como neste filme, tinha visto travellings tão assustadoramente reais e elaborados. E funcionam. Funcionam porque nos colocam directamente no centro da acção, por entre as balas e as explosões, e os mortos, e os vivos que, como nós, fogem da morte mais do que certa.
Alfonso Cuarón, realizador do excelente "E a Tua Mãe Também", quis fazer este filme assim. Para ele era vital que as sequências de acção fossem filmadas recorrendo ao minimo número de cortes possivel. Para isso era obrigatório que tudo fosse coreografado de modo a não existirem falhas, e para que o resultado fosse impecavelmente brutal. E é.
Estamos portanto em Londres, no ano 2027, a humanidade está basicamente lixada, o governo inglês é, aparentemente, um governo militarizado, e há já dezoito anos que não nasce uma criança no mundo. Até que aparece uma mulher, africana - e se pensarem bem, percebem que isto não é despropositado -, que transporta no seu ventre, e contra toda a lógica e esperança, uma criança que importa proteger. A idéia é retirá-la de Inglaterra o mais rapidamente possivel, já que o governo britânico practica uma politica de agressão ao imigrante ilegal, violenta e arrasadora. E a escolha para quem deve acompanhar Kee - a futura mãe - recai precisamente no mais inesperado e improvável dos heróis: Theo Faron, um cínico e totalmente descrente jornalista, caído em desgraça por causa da morte prematura de um filho. Bêbado, indigente e sem um pingo de amor-próprio, Theo acaba por descobrir, sem saber bem como, que tem em si a coragem e a fé necessárias para proteger a mulher e a sua criança, e levá-las até ao barco Tomorrow, a porta de saída de uma Londres caótica e em ponto de ruptura total.
O filme é altamente influenciado por um senhor chamado George Orwell, o que resulta numa obra triste, cinzente e completamente desprovida de esperança. Chega a ser desmoralizante e deprimente, mas é sempre também um filme magnético, vibrante e que apetece ver uma e outra vez.
Clive Owen bem que podia ter vencido o Oscar para que estava nomeado, já que a sua entrega só deve ter sido proporcional à quantidade de nódoas negras que coleccionou. O homem atira-se para o chão, rasteja, salta, cai e volta a cair, leva porrada e o diabo a quatro, e empresta ao seu Theo uma dignidade tal, que lhe transborda dos olhos. Sem dúvida alguma, um dos melhores filmes de 2006, e uma peça de cinema inovadora, criativa e diferente de tudo o que havia sido feito no género.
A título de exemplo duas sequências notáveis. Uma de quase quatro minutos, filmada quase sempre dentro de um carro, e que acaba por se transformar numa verdadeira corrida contra a morte - e de que o Carlos Moura já me havia falado muito bem -, e outra, de mais de seis minutos de intnso tiroteio, bombas, tiros de carros de combate, civís, militares e o diabo à solta, e o nosso herói no meio da confusão. Tudo num só take...
Da primeira só encontrei esta filmagem foleira e que está incompleta, da segunda... bem, vejam e depois comentem.
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